Manuela Villa faz uma resenha do livro do sociólogo holandês Joost Smiers, Artes sob pressão. Promovendo a diversidade cultural na era da globalização, lançado no Brasil em 2006 pela Editora Escrituras. A resenha coincide com o lançamento do livro na Espanha e foi publicado no El País, 23-02-2007. A tradução é do Cepat.
A imensa maioria das expressões culturais produzidas no mundo, quer sejam gravações musicais, filmes ou livros, é administrada por um grupo cada vez mais restrito de empresas multinacionais. Essa é a visão de Joost Smiers, professor de Ciências Políticas das Artes no Grupo de Pesquisa e Economia da Escola de Arte de Utrecht (Holanda), em seu livro Un mundo sin copyright (Um mundo sem copyright), editado pela Gedisa. "Não é aceitável que algumas poucas empresas controlem tudo o que podemos ler, ver e ouvir", opina Smiers.
"Para garantir a diversidade cultural, necessitamos normalizar o mercado e permitir que as pequenas e médias empresas possam oferecer seus produtos". Para isso, Smiers defende que "primeiro é preciso eliminar o sistema de copyright". "Este, prossegue o autor, unicamente beneficia as grandes empresas culturais e não os artistas. Apenas uma porcentagem muito pequena dos criadores obtém uma quantidade substancial de dinheiro através do copyright".
A declaração foi dada em Madri depois de sua participação na Conferência Internacional de Software Livre 3.0, que aconteceu há algumas semanas em Badajoz. Seu livro, traduzido para cinco idiomas, faz um diagnóstico da problemática situação que, na sua opinião, a indústria cultural no mundo globalizado sofre. Intitulado originalmente Arts under pressure (Artes sob pressão), o livro não define como seria "um mundo sem copyright", como sugere a livre tradução do título para o espanhol. "O editor pensou neste título e eu estive em desacordo, mas é verdade que chama mais a atenção", reconheceu o autor.
Smiers questiona o atual modelo de copyright, no qual os direitos de reprodução, distribuição, exploração ou modificação de uma obra artística estão reservados a seus proprietários durante muitos anos. Até setenta anos depois da morte do autor, na legislação espanhola. "Um artista utiliza o trabalho de outros, se sustenta sobre os ombros de outros", explica. "Assim é a história da criatividade, mas com o copyright esta história pára. Não me parece bem que, só por fazer um acréscimo, alguém obtenha uma propriedade exclusiva para o século seguinte".
Existem diferentes correntes de pensamento que, como Smiers, questionam a idoneidade da atual forma majoritária de administrar os direitos autorais. Smiers crê numa futura abolição de qualquer tipo de direito autoral, mas uma corrente mais ampla advoga por um modelo alternativo que já está sendo utilizado: as licenças Creative Commons. Qualquer autor espanhol pode entrar numa delas, como a que permite que o material criado por um artista possa ser distribuído, copiado e exibido por terceiros sempre que se mostrar nos créditos a autoria e não se obtenha nenhum benefício comercial.
Mais de 1.8 milhão de obras feitas na Espanha têm um direito autoral desse tipo. São licenças à la carte, que reservam alguns direitos ao autor dependendo do que se deseja. Diferentemente do sistema de copyright, considerado obsoleto por seus detratores, que significa a reserva de todos os direitos. "Creio que o modelo do Creative Commons é uma solução transitória", defende Smiers. "Seus partidários não enfrentam o problema principal: a acumulação da oferta cultural em poucas empresas".
Há, portanto, um leque de opções alternativas ao copyright, chamadas genericamente copyleft, e que se inspiram nos modelos de criação utilizados no software. "Deveríamos aprender dos criadores digitais", propõe Smiers. "Eles estão acostumados com que sua obra seja utilizada e modificada uma ou mais vezes por outros para obter resultados melhores".
Os defensores do copyright como única opção argumentam que sem ele os artistas, ao verem sua propriedade intelectual menos protegida, deixariam de criar. Mas Smiers não está de acordo: "Sem copyright o mercado será mais diverso. Agora vivemos uma época de obscuridade porque há milhares de artistas que fazem coisas muito interessantes que mal vemos. Sem copyright virá uma época de luz".
Smiers opina que num mercado normalizado, o consumidor, mesmo que possa aceder ao seu trabalho gratuitamente, tenderá a pagar o artista porque verá isso como algo justo. "Os que trocam música ilegalmente não são ladrões", explica, "simplesmente não acreditam no sistema".
Também se aventura a dizer que o fim do copyright está perto e prognostica o desaparecimento das grandes empresas culturais. Tudo isso apesar das regulações parecerem ir na direção contrária. "A indústria tem problemas na hora de criminalizar seu público", disse. "Creio que há uma alta probabilidade de que o sistema de copyright caia por seu próprio peso".
Smiers deverá viver com a contradição de que a edição espanhola de seu livro tem todos os direitos reservados. "Não estou sonhando", conclui, "entendo que neste momento o mundo é copyright, e o editor deve fazer o que lhe permita proteger seus direitos".
Uma obra, duas alternativas
Copyright - Conjunto de normas e princípios que regulam os direitos morais e patrimoniais que a lei concede aos autores por criar uma obra literária, artística ou científica.
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