O Ibama deu ontem sinal verde às usinas hidrelétricas do rio Madeira. A autarquia concedeu licença prévia ao projeto, válida por dois anos, atestando sua viabilidade ambiental. O aval, porém, inclui 33 requisitos que deverão ser cumpridos pelo empreendedor - o consórcio Furnas/Odebrecht, responsável pelos estudos do complexo hidrelétrico, em Rondônia. A reportagem é de Daniel Rittner e publicada no jornal Valor, 10-07-2007.
As condições impostas pelo Ibama seguem três prioridades: o processo de sedimentação do leito do rio, soluções para permitir a continuidade da reprodução de peixes e o controle dos níveis de mercúrio.
A licença prévia, pré-condição para que o governo licite as duas usinas, saiu 40 dias após o "prazo" informal dado pelo Palácio do Planalto - que era, originalmente, o fim de maio. O edital da obra deverá ser lançado em agosto. O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, afirmou que o leilão de Santo Antônio - com potência de 3.150 megawatts - deverá ocorrer em outubro. Segundo ele, isso permitirá que a hidrelétrica comece a operar em 2012.
Jirau, a segunda usina do complexo - com capacidade prevista de 3.300 MW - deverá ser licitada apenas em 2008, segundo o ministro interino. Hubner não descartou a possibilidade de participação de Furnas no leilão, em parceria com a Odebrecht. As duas empresas têm sido parceiras nos estudos econômicos e ambientais do Madeira, mas o governo pretende dar um caráter totalmente privado à disputa.
Por isso, Hubner anunciou no mês passado a intenção de vetar a participação de estatais no leilão. O vencedor da concorrência teria a possibilidade de optar por uma parceria da Eletrobrás ou do BNDES-Par, com até 49% na sociedade. A Odebrecht protestou, e o ministro afirmou agora que fez só uma "sugestão". "Tudo o que colocamos foi uma proposta. Agora é que vamos detalhar."
A licença prévia é apenas o primeiro passo para erguer as usinas do Madeira. O presidente substituto do Ibama, Bazileu Alves Margarido, explicou que a bola está agora com os futuros vencedores do leilão. Eles deverão elaborar os Projetos Básicos Ambientais (PBAs) para mostrar como lidarão com as exigências do Ibama. A partir das respostas, começa a contar um prazo de 365 dias para a emissão da licença de instalação, que autoriza o início das obras.
Bazileu refutou as insinuações de que o Ibama cedeu à pressão política do governo para emitir a licença e atribuiu a demora da análise à complexidade do processo. Ele lembrou que os estudos identificaram 498 espécies de peixes no rio Madeira - muitas jamais encontradas em outros rios. "O Ibama levou o tempo necessário para fazer as avaliações técnicas e agregar à sociedade toda a segurança necessária", frisou o presidente da autarquia, deixando claro que manterá o rigor na próxima etapa do licenciamento.
Em meio à greve dos servidores do Ibama, os oito técnicos que assinaram o parecer inicial contrário à emissão de licença ao projeto não participaram da análise final, admitiu Bazileu. Para ele, no entanto, não foi comprometida a qualidade do processo, que teve a participação de técnicos do Ministério do Meio Ambiente e "especialistas de renome nacional e internacional" - uma referência ao indiano Sultan Alam.
Foi com base nos estudos de Alam, segundo Bazileu, que o Ibama chegou à conclusão de que o acúmulo de sedimentos no leito do rio não causará inundações em trechos do Madeira anteriores aos reservatórios. Nos estudos apresentados pelo consórcio Furnas/Odebrecht, previa-se o acúmulo nos reservatórios de até 14% dos sedimentos carregados pelo rio. Alam fez novos cálculos e encontrou um número bem menor: só 1%. Além disso, o Ibama determinou que as futuras ensecadeiras - construções necessárias para secar o local destinado ao lago das hidrelétricas - sejam demolidas após cumprirem suas funções.
A demolição otimizará a vazão de sedimentos pelas turbinas e vertedouros, mas vai ajudar ainda em outra preocupação dos ambientalistas: facilitará a deriva de "ovos, larvas e exemplares juvenis de peixes migradores", segundo lê-se na licença concedida pelo Ibama. De acordo com Bazileu, a demolição não estava prevista nos estudos originais do consórcio.
Para não comprometer a migração e a reprodução dos peixes, o Ibama exigiu a construção de canais semi-naturais para facilitar o processo de deslocamento. O presidente interino da autarquia ressaltou também o estabelecimento de mais uma condição importante para erguer as usinas: a implantação de um "centro de reprodução da ictiofauna" (fauna de peixes), que permitirá repovoar espécies migradoras eventualmente prejudicadas pelo empreendimento.
Por usarem turbinas a bulbo, que aproveitam a vazão do rio em vez da queda d'água, as áreas alagadas serão relativamente pequenas para obras desse porte: 271 quilômetros quadrados para Santo Antônio e 258 quilômetros quadrados para Jirau.
Ao ser lembrado de que o governo boliviano manifestou preocupações sobre o impacto das hidrelétricas em seu território, Bazileu foi taxativo: "Não encontramos, no âmbito dos estudos, impactos transfronteiriços". Ele acrescentou que as medidas mitigatórias exigidas pelo Ibama são suficientes para evitar perdas de peixes na Bolívia e no Peru, de onde saem as águas que abastecem o Madeira.
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