"Há necessidade de acesso a capital por parte de micro e pequenos empreendedores, que, em 2003, eram mais de 10 milhões no Brasil, além de uma imensa massa de desempregados, 1 milhão de famílias assentadas pela reforma agrária e mais de 11 milhões de famílias dependentes do Bolsa Família.
Apesar de várias medidas de democratização do crédito adotadas pelo atual governo, entre as quais se destaca a sextuplicação do Pronaf, a grande maioria desses necessitados ainda não está sendo atendida", escreve Paul Singer, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 10-07-2007. Segundo ele, "precisamos de outro sistema financeiro -poderíamos chamá-lo de finanças sociais-, que visaria prioritariamente a solução de problemas sociais e ambientais. Ele teria por finalidade atender necessidades como as acima exemplificadas e, para tanto, precisaria se articular às redes de intermediários financeiros locais já existentes".
Eis o artigo.
"O capitalismo tem por base não só a propriedade privada do capital mas também a sua concentração nas mãos de uma minoria. É por não ter capital que a grande maioria dos que têm necessidade de trabalhar para ganhar a vida é obrigada a vender sua capacidade de produzir aos que detêm o controle dos meios de produção. Logo, os capitalistas têm à disposição farta oferta de mão-de-obra pedindo para ser assalariada, em geral numericamente superior à demanda por força de trabalho.
Se os trabalhadores tivessem acesso a crédito, muitos deles abririam seu próprio negócio em vez de procurar debalde trabalho como empregado por conta alheia.
Quanto maior o número dos que abrissem suas próprias empresas, tanto maior a probabilidade de terem sucesso, pois a injeção de muitos pequenos capitais nos mercados expandiria a demanda, permitindo aos novos negócios encontrar compradores para suas mercadorias.
É que o novo investimento de uns representa ganho adicional para os que lhes vendem meios de produção, o que induz os últimos a investir também. Forma-se uma vaga de investimentos e gastos, que possibilita às novas empresas encontrar compradores para seus produtos.
Coisas como essas não acontecem porque o sistema financeiro tem como norma minimizar riscos. Os bancos respondem com o seu próprio capital pelo dinheiro de seus depositantes: quando a devolução de créditos não acontece, o banco tem de cobrir o prejuízo com seu próprio capital.
Portanto, o seu principal cuidado é não emprestá-lo a quem não puder apresentar sólidas garantias de que a dívida será honrada no prazo, acrescida de juros. Não somente trabalhadores sem propriedades mas também empresas estabelecidas, necessitadas de crédito para cobrir eventuais prejuízos, dificilmente são atendidos, porque representam um risco que o gerente de banco prefere não correr.
Há necessidade de acesso a capital por parte de micro e pequenos empreendedores, que, em 2003, eram mais de 10 milhões no Brasil, além de uma imensa massa de desempregados, 1 milhão de famílias assentadas pela reforma agrária e mais de 11 milhões de famílias dependentes do Bolsa Família.
Apesar de várias medidas de democratização do crédito adotadas pelo atual governo, entre as quais se destaca a sextuplicação do Pronaf, a grande maioria desses necessitados ainda não está sendo atendida.
Também falta crédito para a expansão da agricultura ecológica, para o desenvolvimento de centenas de empresas recuperadas pelos seus ex-empregados organizados em cooperativas e por milhares de micro e pequenas cooperativas de artesãos, recicladores de lixo, pescadores, garimpeiros, costureiras etc.
Nos últimos anos, surgiram numerosas iniciativas locais - fundos comunitários solidários, clubes de troca, bancos comunitários, entidades de microcrédito, cooperativas de crédito etc.- que procuram captar e canalizar as poupanças dos próprios interessados para a satisfação de suas necessidades de capital.
Como são pobres, sua própria poupança não basta para que possam ampliar suas atividades e torná-las mais produtivas. Esses intermediários têm enorme potencial para irrigar com crédito todo esse manancial de força de trabalho inteira ou parcialmente ociosa, desde que tenham acesso a financiamento externo.
Por isso, precisamos de outro sistema financeiro -poderíamos chamá-lo de finanças sociais-, que visaria prioritariamente a solução de problemas sociais e ambientais. Ele teria por finalidade atender necessidades como as acima exemplificadas e, para tanto, precisaria se articular às redes de intermediários financeiros locais já existentes.
O que falta são bancos, fundos etc. que possam atrair parte da poupança da classe média e alta e também da poupança pública e abastecer de recursos as iniciativas locais. O sistema financeiro social apresentaria aos poupadores a proposta de aplicar seu dinheiro para enfrentar as crises que nos afetam com a mesma segurança oferecida pelo sistema convencional.
Sistemas financeiros dessa espécie surgiram nas últimas décadas em vários países da Europa e da América do Norte. Estão sendo favorecidos por cada vez mais depositantes, porque dão bons retornos, pois, no mundo inteiro, os pobres são sabidamente bons pagadores.
No Brasil, a necessidade de um outro sistema financeiro é gritante. É preciso abrir um debate sobre como fazê-lo atingir dimensões compatíveis com a necessidade de desconcentrar o capital para inserir na produção os que se encontram a sua margem."
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