Em “Terror no ar”, Peter Sloterdijk, filósofo alemão, analisa a idéia de guerra declarada não mais ao corpo, mas ao ambiente no qual o inimigo é constrangido a viver. O livro é comentado por Massimiliano Guareschi em artigo publicado no jornal italiano Il Manifesto, 20-07-2007.
Terrorismo é, sem dúvida, uma palavra-chave, um tanto desgastada, da nossa época. Em sentido estrito, o termo deveria conotar nada mais do que uma técnica de combate, tendente a provocar terror e desânimo na população. Em síntese, tratar-se-ia de golpear para semear o pânico, sem distinguir mais entre objetivos militares e vítimas civis. O meio usado em atos de terrorismo é, costumeiramente, uma carga explosiva num lugar público, ou então um bombardeio de saturação. Se a definição é esta, torna-se, todavia, difícil distinguir a figura do terrorista daquela do militar, principalmente se o pensamento se afasta do modelo, num certo sentido edificante, da “guerra em forma”.
No decurso das últimas décadas, de fato, a palavra “terrorismo” se modificou, chegando a significar não mais um modus operandi, mas um ator político tão genérico a ponto de poder ser individuado em qualquer parte, mas bastante “tangível”, ao nível do senso comum, para se poder declarar-lhe guerra. O fato de que, portanto, a fórmula “guerra ao terrorismo” seja algo sem sentido, poderia ser uma questão que interessa somente a quem é ociosamente inclinado a “procurar pêlo em ovo”, subtraindo-se ao processo mobilizador do Ocidente contra os novos bárbaros.
A não ser que, mesmo em nível de instâncias jurídicas internacionais, as dificuldades encontradas na adoção de uma definição operativa de “terrorismo” não decorrem somente de problemas de ordem nominalista, mas, sobretudo do fato de que cada formulação singular corre o risco de resultar aplicável também às forças que pretendem pôr-se como garantias da ordem e da legalidade internacionais.
Para dissipar os fáceis maniqueísmos e evidenciar a complexidade das questões que se situam em torno da questão do terrorismo, resulta bastante útil deter-se nas páginas de ‘Terror no ar’ (Meltemi, 95 pp.) de Peter Sloterdijk, entre as poucas vozes filosóficas fora do coro. Ponto de partida do filósofo alemão é uma afirmação à primeira vista desconcertante, segundo a qual a contribuição original fornecida pelo século XX à história universal seria constituída principalmente pela miscigenação entre a prática do terrorismo, o conceito de projeto industrial e a idéia de ambiente.
Indicam-se, no livro, também a data e o contexto precisos, nos quais esta miscigenação se teria realizado: 22 de abril de 1915, quando das trincheiras do Ypern-Bogen os alemães lançaram um ataque com gás. A prática do terrorismo se revela – segundo a definição de Sloterdijk – como uma modalidade de “interação pós-militar entre inimigos”, na qual o objetivo é representado não mais por corpos, mas pelo ambiente do adversário.
A respiração, de pressuposto indispensável para a vida, se transforma num vetor de morte. O ar – um dado de fato precedentemente jamais percebido, pelo menos não desta forma – é “reprojetado” para tornar o ambiente incompatível com a sobrevivência do inimigo. Esta atenção ao elemento do ar não espantará o leitor que, nos últimos anos, tenha seguido, mesmo apenas em parte, a pesquisa de Peter Sloterdijk, assim como se articulou a partir dos três volumes de ‘Sphären’ [Esferas], até seu compêndio publicado também na Itália com o título ‘O mundo dentro do capital’ (Meltemi).
O terror, na perspectiva de Sloterdijk, é encarado como fator de explicitação do ambiente que leva a níveis de dimensão crítica elementos precedentemente não problematizados. A cena originária da guerra química chama em causa o ar e a respiração, enquanto os atos subseqüentes remetem ao calor – com os bombardeios “termo-terroristas” sobre Tóquio e Dresden – ou à radioatividade, dado não percebido até sua radical e dramática manipulação, culminada com a explosão nuclear em Hiroshima e Nagasaki.
Saindo da história para fixar-se em cenários futuros ainda em via de definição, com referência a algumas notas do Pentágono, se chega a falar de “iono-terrorismo” – através do recurso a instrumentos em condições de produzir modificações locais do clima – e até mesmo de ataques “neurotelepáticos”, condutores projetando infra-sons em condições de agir sobre a matéria inorgânica, como também sobre os cérebros humanos.
A função de explicitação desenvolvida pelo terror, não diz respeito, todavia, segundo Sloterdijk, apenas ao ambiente, mas também à guerra. É em tal contexto que se mensura a impossibilidade de traçar claras linhas de distinção entre guerra e terror. Nas palavras de Sloterdijk, “se a guerra significa sempre uma ação contra o inimigo, somente o terrorismo descobre a sua essência”. Conseqüentemente, prossegue o estudioso alemão, “no momento em que o controle das hostilidades através do direito internacional fracassa, as relações técnicas com o inimigo tomam a dianteira: incrementando a explicitação dos procedimentos, a técnica conduz ao dado essencial da hostilidade, que não é mais do que a vontade de exterminar o inimigo”.
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