A crise financeira provocada pelas hipotecas de alto risco nos Estados Unidos apressou a acomodação dos preços das commodities agrícolas e metálicas no mercado internacional e pode interromper a curva de prosperidade da balança comercial brasileira, sustentada em parte por esses produtos. A reportagem é de Márcia De Chiara e Nilson Brandão Junior e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 20-08-2007.
Desde 2003, a alta acumulada nos preços das commodities era de mais de 50%, levando em conta índice feito pelo Commodity Research Bureau (CRB) dos EUA a partir dos preços em dólar de 24 produtos agrícolas e não agrícolas. Mas, neste ano e no próximo, a perspectiva é de queda de quase 7% ao ano do indicador, projeta o sócio da RC Consultores, Fábio Silveira.
“Entramos num terceiro tempo no mercado de commodities e voltaremos no ano que vem para o nível de preços de 2004”, prevê. Entre o início da turbulência, em 26 de julho, quando as bolsas mundiais despencaram, e quinta-feira, a cotação do níquel caiu 21,2% na Bolsa de Metais de Londres, seguido pelo zinco, com queda de 16,2%, chumbo (-11,4%), alumínio (-10,8%) e cobre (-10,4%). Nesse período, as commodities agrícolas recuaram 5,2%.
O economista observa que os preços das commodities ainda ficarão num nível razoável, mas terão acomodação, influenciada especialmente pelas commodities metálicas, as mais afetadas num primeiro momento pela desaceleração do crescimento da demanda global.
“O patamar de preços ainda é alto. Mas esse recuo mostra que o mercado começa a temer contaminação na economia real”, diz a economista-chefe do banco ABN Amro no Brasil, Zeina Latif. O receio é o de que a crise de crédito nos EUA prejudique o crescimento da economia global, reduzindo fluxos de comércio internacional e derrubando preços de produtos, principalmente das commodities.
Para Zeina, ainda não é possível saber se a queda representa reversão definitiva da tendência de cotações elevadas. Mas, caso se confirme essa mudança de nível, os mais afetados serão os países emergentes. “Eles vinham surfando na alta das cotações nos últimos anos.”
A queda das cotações mostra que o fôlego dos preços está curto. “Com exceção da soja, as commodities agrícolas caíram este mês. Como o Brasil depende das commodities, podemos ser afetados ainda neste ano”, prevê o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. “A crise financeira deve interromper a curva de prosperidade da balança comercial”, diz Silveira. O saldo da balança comercial projetado pela RC em US$ 45 bilhões para este ano, quase 20 vezes superior ao obtido no início desta década, deve recuar para US$ 37 bilhões em 2008, calcula.
Silveira pondera que ainda há gordura para queimar, pois o nível de reservas internacionais do Brasil é elevado. Mas destaca que o País tem de enobrecer a pauta de exportações com produtos mais elaborados e com preços menos suscetíveis a abalos globais. “Não podemos ficar limitados a commodities.”
Diferentemente de um produto manufaturado, como um carro, as commodities são afetadas mais rapidamente pela volatilidade do mercado internacional. “As commodities são favoráveis quando se está num período de boom”, diz Silveira. Como o preço é basicamente o mesmo e não há diferenciação do produto, em período de enfraquecimento da oferta as cotações se deterioram mais rapidamente do que no caso dos produtos manufaturados, observa.
Dados da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA)deixam clara a importância das commodities agrícolas na balança comercial brasileira. De janeiro a julho, essas vendas responderam por 36,7% de tudo o que o País exportou. No mesmo período de 2006, a participação havia sido de 35,6%.
Outro impacto da crise financeira internacional na economia real pode ocorrer na produção agrícola. A próxima safra de grãos começa a ser plantada em setembro no Centro-Sul e parte dos agricultores ainda não vendeu toda a última colheita.
“O primeiro impacto da crise na agricultura é a insegurança”, diz José Cícero Aderaldo, gerente comercial da Cocamar, uma das principais cooperativas do País. Ele diz que a queda dos preços em dólar das commodities agrícolas foi contrabalançada pelo aumento da cotação em real, graças à subida do dólar. “É como trocar seis por meia dúzia.” Por ora, o impacto da crise não alterou a vida dos produtores da cooperativa do Paraná.
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