O governo brasileiro começou a preparar os instrumentos legais para, se necessário, suspender direitos de propriedade intelectual de empresas ou cidadãos americanos, como retaliação pelos subsídios ilegais dos EUA aos seus produtores de algodão. No primeiro semestre do próximo ano, a Organização Mundial de Comércio (OMC) deverá concluir o chamado caso do algodão, em que já deu ganho de causa ao Brasil na acusação aos EUA de darem subsídios ilegais aos produtores locais. Falta comprovar que, como é evidente pela nova lei agrícola americana, os EUA desacataram as determinações da OMC, e autorizar o Brasil a adotar represálias.
Se optar por retaliar os EUA no campo da propriedade intelectual e for autorizado pela OMC (o que se chama no jargão comercial "retaliação cruzada"), o Brasil poderá suspender direitos de patente, marcas e de autor, de empresas ou cidadãos americanos; fornecer licenças para fabricação de produtos e serviços hoje protegidos por direitos de propriedade intelectual, permitir uso de indicações geográficas protegidas, ou, até, antecipar o fim de patentes.
"O Brasil já pediu autorização à OMC para a retaliação cruzada, mas ainda não decidimos se a usaremos, ou como", explica o subsecretário-geral para assuntos de comércio e tecnológicos do Ministério das Relações Exteriores, Roberto Azevedo. "O importante é termos os instrumentos, caso decidamos." Apesar da reticência do diplomata, há forte entusiasmo no governo com a idéia, que, se bem-sucedida, traria um inédito instrumento de pressão para os países em desenvolvimento na OMC.
Os diplomatas acreditam que a ameaça de causar danos aos detentores de direitos de propriedade intelectual é arma mais eficaz para pressionar o governo dos EUA a cumprir as normas da OMC do que os mecanismos tradicionais de retaliação. Em geral, seguindo critérios da OMC, os países retaliam com aumentos de tarifas de importação - que terminam por causar pequeno impacto em países de grandes economias, e prejudicar o autor das retaliações, com alta nos custos de importação.
Na quarta-feira, os ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, encarregaram um grupo de especialistas dos próprios ministérios a prepararem o modelo a ser aplicado caso o Brasil aplique a retaliação cruzada. Embora o grupo não tenha data fixada para concluir os trabalhos, os ministros querem, dos técnicos, definições até o fim do semestre, para orientar as possíveis ações do governo em 2008.
Na próxima semana, a estratégia do governo chega ao Congresso, com a apresentação, pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), de um projeto de lei alterando a lei brasileira de propriedade intelectual, para evitar problemas legais em caso de suspensão de direitos no campo da propriedade intelectual. Teixeira, que tomou a iniciativa de procurar o Itamaraty, por sua antiga militância no combate à Aids e facilitação do acesso a medicamentos para a doença, apoiou-se em estudos da especialista da Universidade de São Paulo Maristela Basso, que aponta dificuldades na aplicação da medida, mas a considera uma forma eficaz de pressão contra países que violam as normas da OMC, como os EUA.
"Fiz uma fórmula ampla, que permite ao governo suspender ou diluir diretos em obras de autoria, direitos de artistas e intérpretes, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão, marcas, indicações geográficas, patentes, desenhos industriais", lista o deputado. Maristela sugere, entre as medidas possíveis, escolher produtos que tenham patentes próximas ao fim do prazo para antecipar o fim dos direitos a esses bens. "A princípio, penso que as retaliações deverão ser aplicadas na mesma área. No caso do algodão com os EUA, poderia ser contra produtos transgênicos, por exemplo", exemplifica Teixeira.
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