Dez anos depois da privatização, a Vale do Rio Doce é hoje dona de um monopólio privado na produção e na exportação de minério de ferro no Brasil. Com um lucro mais de 17 vezes superior ao registrado no ano da venda, a companhia domina a produção e a logística de exportação do minério, surfando sozinha a onda do crescimento mundial do setor puxado pelo consumo da China. A reportagem é de Humberto Medina e Juliana Sofia e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 3-10-2007.
A Vale rechaça a condição de monopolista e afirma que ficou do tamanho que é hoje comprando empresas que foram postas à venda por controladores multinacionais. Em tese, essas empresas -donas de minas, participações em ferrovias e terminais portuários- poderiam ter sido compradas por qualquer outra companhia.
Mas, quando a explosão de preço do minério de ferro no mercado internacional aconteceu, em 2003 e 2004, a Vale já estava com toda a infra-estrutura comprada.\
O governo tem ganho com o crescimento da Vale. Conta com os recursos da empresa para obras importantes de infra-estrutura (como a ferrovia Norte-Sul, investimentos em gás e energia elétrica), recebe mais impostos, ganha dividendos e fatura com o efeito positivo das exportações de minério da balança comercial.
Mais que isso: por meio de fundos de pensão, do BNDES e de seis ações tipo "golden share" (ação especial que dá poderes de veto ao seu detentor), continua participando da empresa. A Vale informou que entre 2001 e 2006 investiu US$ 44,6 bilhões, contra US$ 24,2 bilhões dos 54 anos anteriores.
Desde 1997, a Vale comprou seus principais concorrentes e investiu pesadamente em infra-estrutura para ganhar escala e se consolidar como um competidor global. O maior grupo empresarial privado controla mais de 70 empresas, o que inclui ferrovias e terminais portuários para escoamento das 217 milhões de toneladas que exporta por ano (2006). O lucro líquido saltou de R$ 756 milhões em 1997 para R$ 13,4 bilhões em 2006.
Desde a privatização, a companhia já mobilizou os órgãos de defesa da concorrência brasileiros em, pelo menos, 46 casos.
Em 40, as iniciativas da empresa alteraram as estruturas do mercado em operações, principalmente, nas áreas de extração mineral, energia elétrica, metalurgia e siderurgia e serviços de infra-estrutura. Recebeu o aval das autoridades antitruste, sem nenhuma restrição, em 29 operações. Dessas, 23 aprovações ocorreram durante o governo Lula.
Aquisições
As aquisições da Vale entre 2000 e 2001 podem ser consideradas as mais estratégicas para a empresa rumo ao monopólio do mercado. Ao comprar a mineradora MBR, a Vale ganhou participação na ferrovia MRS (que liga a região de extração de minério de ferro em Minas Gerais aos portos de Sepetiba, Rio e Santos) e um terminal portuário.
Ao comprar a Ferteco, aumentou sua participação na MRS e somou mais um terminal portuário. Com a aquisição da Samarco, ganhou outro terminal portuário. Ou seja, a Vale comprou empresas já verticalizadas e aumentou sua concentração na área de logística para exportação de minério.
Ferrovias e portos são considerados braços essenciais no negócio de venda de minério. Nesse caso, a Vale controla completamente três ferrovias (FCA, Vitória-Minas e Carajás) e tem participação no controle da MRS, ferrovia da qual participam também a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a Gerdau e a Usiminas.
Em relação aos terminais especializados em minério, a Vale tem quase todos. Apenas a CSN tem terminal próprio. A MMX (do grupo do empresário Eike Batista) tem planos para construir dois terminais, um em Santana (AP) e outro em São João da Barra (RJ). A Vale, sozinha, tem sete terminais especializados em minério.
As operações de 2000 e 2001 foram julgadas em 2005 pelo Cade, que impôs restrições para a efetivação dos negócios. Até hoje, no entanto, a decisão não é cumprida porque a Vale vem obtendo uma seqüência de liminares na Justiça. A decisão do Cade tenta garantir a existência de pelo menos um concorrente de peso.
A empresa já enviou ofício para o conselho definindo sua estratégia de atuação, caso não tenha sucesso na Justiça. A empresa deverá abrir mão da preferência que tem na produção do minério de ferro da mina Casa de Pedra. No entanto, deverá entrar em uma disputa com a dona da mina -a CSN- para receber uma indenização pelo fim dessa preferência.
Casa de Pedra
Ficar sem o minério da Casa de Pedra foi uma das opções colocadas pelo Cade no julgamento de 2005. Outra saída seria a venda da mineradora Ferteco -solução descartada pela Vale devido à sua importância.
A atuação administrativa do governo para barrar o poder da Vale quase não surte efeito, dado o tamanho da empresa. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) limitou as tarifas cobradas pela empresa em suas ferrovias e sua participação no controle de uma delas (MRS). A Antaq (transportes aquaviários) obrigou a Vale a abrir uma "janela" no terminal de exportação do porto de Sepetiba (RJ) para outros mineradores.
Enquanto isso, a Vale aproveita o momento. Em 2006, das 242,5 milhões de toneladas exportadas pelo Brasil, 217,1 milhões, ou 89,5%, foram da Vale. Em 1997, a produção média anual da empresa era de 35 milhões de toneladas. Neste ano, a previsão é que chegue a 300 milhões de toneladas.
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