Na estação ferroviária de El Charquito, um povoado próximo de Bogotá, o técnico José Cesareo Sabogal, da empresa estatal que fornece a energia para a capital colombiana, soube que algo estava mal quando, na metade do povoado, o trem apitava insistentemente: diante do mau pressentimento, sua jovem esposa, María Elena, o colocou a par dos acontecimentos: a radio anunciava que com a morte do caudilho liberal, o grande Jorge Eliécer Gaitán, a Colômbia começava a entrar em desordem. Horas depois uma multidão de jovens armados com facões e armas de fogo tentaram tomar e deixar às escuras a capital colombiana e, de passagem, mudar a história do país. Era 9 de abril de 1948.
A matéria é do Clarín, 09-04-2008, e a tradução, do Cepat.
Nesse dia, Bogotá abrigava a IX Conferência Panamericana, da qual participaram personagens tão dissimiles como o general norte-americano George Marshall, o venezuelano Rómulo Betancourt e o jovem advogado cubano Fidel Castro Ruiz, que, diante da magnitude das revoltas pela morte de Gaitán, aprendeu – segundo confessou anos depois – o que significava a capacidade de um povo para conduzir seu destino.
O “Bogotaço”, como foi chamada a sublevação social depois da morte de Gaitán, marcou o recrudescimento da violência na Colômbia e dividiu o país a tal ponto que as conseqüências dessa polarização são antecedentes do conflito atual em que a principal guerrilha, as FARC, são conseqüência dessa época de repressão estatal.
Apelidado pejorativamente de “el Negro” pelas oligarquias colombianas ou de “tribuno do Povo”, por seus seguidores, Gaitán era um advogado de classe média que se caracterizou pela sua loquacidade e suas ideais revolucionárias. Seu discurso social foi calado por centenas de tiros de revólver em pleno centro da cidade quando – segundo os prognósticos – se converteria no vencedor das eleições presidenciais de 1950.
Enlouquecida, a multidão culpou um taciturno desempregado, Juan Roa Sierra, carpinteiro de profissão, de apagar suas ilusões. O corpo de Roa foi arrastado pelas ruas centrais da Bogotá da época e seus restos exibidos como troféu de caça enquanto as turbas furiosas incendiavam e saqueavam todos os edifícios e comércios que encontrassem pela frente. O presidente conservador Mariano Ospina (1946-1950) conseguiu um pacto com dirigentes liberais para frear a revolta, que consistia em revezar o poder, o antecedente imediato do que seria a Frente Nacional, a alternância no poder entre liberais e conservadores que se estendeu de 1958 até 1974.
Ainda que nunca tenha se estabelecido a culpabilidade nem a inocência de Roa, historiadores assinalam que a origem do atentado contra Gaitán está no sucesso de sua “Marcha do silêncio” – dois meses antes de morrer –, na qual pediu ao governo de plantão que parasse sua repressão policial no campo.
“A Colômbia era uma bomba de tempo e encontrou uma válvula de escape depois do magnicídio, pensando que seria a maneira de aceder a um governo popular que nunca se deu”, assegurou a Clarín o historiador José Guillermo Landaeta. O “Bogotaço” foi também chamado de “Dia do Ódio” pela quantidade de mortos que deixou sem que até o momento fossem conhecidos dados mais precisos. “Só nesse dia morreram mais de duas mil pessoas”, comenta Landaeta.
O assassinato de Gaitán nunca foi esclarecido. As hipóteses de sua morte vão desde “um crime de Estado até uma conspiração comunista. Também se disse que o líder popular foi assassinado pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos diante do temor de que se instalasse no país o comunismo”. Gaitán havia advertido que sua morte seria vingada pelo povo. “A história lhe deu razão: a Colômbia não voltou a ser a mesma”, assegurou o ex-fiscal Alfonso Gómez, agudo analista do conflito colombiano.
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