Enquanto o núcleo político tenta ser diplomático, para retirar o assunto dos holofotes, as áreas técnicas do governo brasileiro não cansam de mandar recados para o presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo. O bombardeio veio tanto da Eletrobrás quanto de aliados da ministra Dilma Roussef. A reportagem é de Mônica Tavares e Erica Ribeiro e publicada pelo jornal O Globo, 25-04-2008.
Ao mesmo tempo, os paraguaios parecem ter acusado o golpe e, pela primeira vez desde a eleição de Lugo, não acusaram o Brasil de ser injusto ontem.
As declarações mais fortes foram feitas ontem pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, que é contrário a uma revisão da tarifa. Ele lembrou que os paraguaios só entraram com a água no projeto da hidrelétrica.
Coube aos consumidores brasileiros financiar, desde 1973, os recursos e a tecnologia aplicados na usina, afirmou ele.
— Não é justo fazer o consumidor brasileiro pagar um sacrifício a mais ao que vem pagando há anos, que seria aumentar a tarifa para uma transferência de recursos para o Paraguai. Seria uma transferência do consumidor (brasileiro) para o Paraguai — ponderou Tolmasquim.
Ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia quando Dilma Rousseff comandava a pasta e apadrinhado da atual chefe da Casa Civil, Tolmasquim ressaltou ainda:
— Do ponto de vista do setor elétrico, não cabe ao consumidor de energia elétrica arcar com esta responsabilidade de transferência de renda. Esta ajuda ao Paraguai pode ser feita, mas por outros mecanismos. Seria um erro fazer isto através da tarifa do consumidor brasileiro.
Segundo Tolmasquim, a hidrelétrica custou US$ 12 bilhões, sendo que “o capital inicial pago foi US$ 50 milhões do Paraguai e US$ 50 milhões do Brasil”. A parte paraguaia para o restante da obra foi inteiramente financiada pelo Brasil:
— O Paraguai ganhou um empreendimento que hoje vale (a metade paraguaia) cerca de US$ 60 bilhões, o que equivale a algumas vezes o PIB do Paraguai.
Sendo que a contribuição dele para o processo foi o fato de estar na fronteira com o Brasil.
O diretor de engenharia da eletrobrás, Valter Cardeal, concorda. Ontem, no Rio, ele frisou que o aumento da tarifa paga ao Paraguai afetaria o bolso dos brasileiros.
— Itaipu é um caso único no Brasil onde o serviço é pelo custo. A tarifa que está sendo praticada é para os consumidores brasileiros, que pagam mais de 90% desse custo e estão pagando nada mais que uma tarifa justa e módica — disse ele, que foi presidente interino da Eletrobrás antes do atual presidente, Luiz Antonio Muniz Lopes.
Muniz Lopes rompeu o silêncio ontem, e levantou um outro possível efeito de uma negociação.
Ele disse, durante um evento no Clube de Engenharia, no Rio, que qualquer solução relacionada ao preço da energia de Itaipu paga pelo Brasil não deve prejudicar os acionistas minoritários da empresa. Isso porque a Eletrobrás tem ações nas bolsas de Nova York e de Madri, e qualquer dano aos acionistas mancharia a imagem do país.
Para ele, a questão envolvendo preços não é empresarial. Ele fez coro com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ao classificar o preço pago pela energia como “muito justo”, conseguindo remunerar os paraguaios e honrar as dívidas contraídas para construir a usina:
— Não cabe à Eletrobrás entrar nesta questão. A engenharia econômico-financeira foi muito feliz e o preço é justo. Essa é uma questão de Estado.
Ajustes, complementos, devem ser definidos pelo governo sem prejuízo aos acionistas.
O vice-presidente eleito do Paraguai, Federico Franco, que dera um recado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que “os paraguaios não eram mais súditos” do Brasil, baixou o tom ontem.
— O tratado de Itaipu firmado em 1973 foi feito sob a ditadura Stroessner. O Parlamento de então estava submetido a seu poder.
Hoje é diferente. Então, o acordo deve ser revisado — disse ele. — Mas o presidente Lugo não quer renegociar o tratado.
Só pede um preço justo, um preço de mercado pela energia.
Lugo não fala há dois dias sobre Itaipu.
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