A ‘obra’ de Escrivá de Balaguer comemora 25 anos como Prelazia Pessoal tendo Rouco, arcebispo de Madri e presidente da Conferência Episcopal Espanhola, como anfitrião e a conquista do Leste, que foi comunista, como objetivo.
“A famosa e polêmica fundação de Escrivá goza de uma situação especial dentro da sempre rígida Igreja romana. No último meio século ninguém se destacou tanto como a obra fundada por são Josemaría Escrivá de Balaguer. Há 25 anos, João Paulo II, que chegou ao cargo protegido e impulsionado sobretudo pelo Opus, concedeu a esta fundação o caráter de Prelazia Pessoal, única ainda no mundo”, escreve o jornalista espanhol Juan G. Bedoya. Mas, Bento XVI, arremata, continua dando sinais de simpatia pela Obra.
Segue a íntegra do artigo de Juan G. Bedoya publicado no El País, 23-04-2008. A tradução é do Cepat.
O Opus Dei está aproveitando o 25º aniversário de sua extraordinária ereção como Prelazia Pessoal para fazer uma demonstração de sua força perante a opinião pública. Não estão em crise, presumem seus dirigentes, o biólogo catalão Ramón Herrando Prat de la Riva e a economista madrilena Inocencia Fernández, esta como dirigente das mulheres da fundação. Outras congregações clássicas não podem dizer o mesmo. Diante da perda de vocações entre os jesuítas, por exemplo – hoje apenas 19.000 em todo o mundo, frente a quase o dobre há pouco mais de meio século –, o Opus Dei soma 87.000 membros laicos, 10.000 a mais que em 1982. 55% são mulheres. A Obra conta também com 1.900 sacerdotes. Seu objetivo agora é a conquista dos ex-países comunistas do Leste europeu.
A famosa e polêmica fundação de Escrivá goza, além disso, de uma situação especial dentro da sempre rígida Igreja romana. No último meio século ninguém se destacou tanto como a obra fundada em 1928 por são Josemaría Escrivá de Balaguer (Barbastro, Huesca, 1902 – Roma, 1975) com o nome de Opus Dei. Há 25 anos, João Paulo II, que chegou ao cargo protegido e impulsionado sobretudo pelo Opus, concedeu a esta fundação o caráter de Prelazia Pessoal, única ainda no mundo.
O fundador, já elevado às honras dos altares, goza também de uma predileção especial na Basílica de São Pedro em Roma, o maior templo da cristandade: de três anos para cá, uma das imponentes fachadas deste templo exibe uma escultura de Escrivá, de cinco metros de altura.
“Sem medo nem vergonha, com o objetivo não de se adaptar ao mundo, mas de convertê-lo e renová-lo”. Este é o desafio que o cardeal arcebispo de Madri e presidente da Conferência Episcopal Espanhola, Antonio María Rouco Varela, faz ao Opus Dei.
O cardeal lamenta que os espanhóis não presumam no exterior da força de sua Igreja. “Sinto falta que os representantes no estrangeiro não falem sobre as grandes contribuições que a Igreja espanhola fez à Igreja universal, entre elas o Opus Dei”, disse diante dos cardeais vindos do Vaticano a Madri para celebrar o aniversário da Prelazia, convidados pela Universidade de Navarra. Entre os presentes estava o cardeal Julián Herranz, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o secretário da Pontifícia Congregação para os Bispos, arcebispo Francesco Monterisi.
A ascensão do Opus Dei à categoria de Prelazia Pessoal foi o grande sonho do fundador Escrivá. Homem de grandes ambições, queria livrar-se das dependências em relação aos bispos porque sua fundação, então com 70.000 membros – a imensa maioria leigos, homens e mulheres, celibatários ou casados –, tinha pouco a ver, na sua opinião e na realidade, com os institutos e as congregações tradicionais.
“O Opus Dei não era nem poderia ser uma forma moderna ou evolutiva desse estado de vida consagrada”, afirma o cardeal Herranz, ele próprio do Opus. Escrivá pretendeu inclusive o máximo grau de independência em relação aos bispos (prelatura nullius), mas teve que se conformar com a “prelazia pessoal”, uma espécie de diocese mundial, também excepcional no mundo católico.
O Opus não gozou de trato especial com os papas Pio XII, João XXIII e Paulo VI, mas foi o movimento predileto do polonês João Paulo II, mais conservador que os anteriores. Também gozou da complacência do ditador Francisco Franco, que teve por vezes Josemaría Escrivá como confessor e que fez de vários de seus seguidores ministros de Estado.
Essas estreitas e polêmicas relações com o poder ditatorial – Escrivá esteve com Franco nos primeiros dias da Guerra Civil, em Burgos – não impediu o Opus de manter uma grande presença social e política nos primeiros anos da transição e nos Governos de José María Aznar.
O empenho pessoal de João Paulo II para distingui-lo de maneira especial tinha a ver com essa ofensiva de reabilitação quando ordenou, em 1980, que estudassem com certa urgência a possibilidade de destacar o papel da Obra com um status especial. Queria uma decisão antes de viajar a Espanha. Quando chegou a Madri, em 31 de outubro de 1982, pouco depois da vitória da esquerda socialista nas eleições realizadas três dias antes, o Papa trazia debaixo dos braços a constituição apostólica Ut sit (Que seja), que convertia o Opus Dei na primeira e ainda única Prelazia Pessoal da Igreja católica.
A última estátua do Vaticano
João Paulo II sustentava que, assim como o Concílio de Trento foi posto em prática pelo zelo da Companhia de Jesus – outra grande fundação espanhola, do basco Inácio de Loyola – mais que pelo zelo dos bispos, agora, aquele outubro de 1982 em que chegava a uma Espanha governada com esmagadora maioria por Felipe González, eram os movimentos laicos como o Opus Dei, os novos apóstolos do Vaticano II.
O papa polonês deu mais mostras da sua predileção por Josemaría Escrivá. Num rapidíssimo processo – o segundo mais breve na história da Igreja romana, depois do processo de canonização de Teresa de Calcutá –, beatificou-o no dia 17 de maio de 1992, apenas 17 anos depois da sua morte, e o canonizou 10 anos depois, no dia 6 de outubro de 2002.
O Opus continua sendo uma fundação fundamentalmente espanhola, apesar de já estar presente em 64 países. Os espanhóis são 35.000 dos 87.000 mil membros (nos Estados Unidos, por exemplo, há apenas 3.000, e mais alguns na Itália e no México); são espanhóis os seus máximos prelados, depois da morte de Escrivá (os monsenhores Álvaro del Portillo e Javier Echevarría), e é espanhol, sobretudo, o primeiro impulso e poder, antes que o fundador decidisse empreender sua “romaria” no final dos anos 50 (“Católico, Apostólico, Romano! Gosto de que sejas muito romano. E que tenhas desejos de fazer a tua romaria, videre Petrum, para ver Pedro”, escreve em Caminho, máxima 520), onde se introduziu nos círculos papais até conseguir o título de monsenhor com o apoio do regime franquista.
Apesar do crescimento de outras fundações, entre outras a do também espanhol Kiko Argüello, os chamados Kikos, que são centenas de milhares de pessoas, o Opus mantém a preeminência do passado também com o atual papa Bento XVI. Isso ficou claro quando este acudiu para benzer a instalação de uma importante estátua de Escrivá num centenário nicho da fachada exterior esquerda da Basílica de São Pedro, um fato de extraordinária simbologia. A permissão para ocupar tão excepcional lugar no maior templo do catolicismo foi dada pessoalmente por João Paulo II, em 2004, mas foi Bento XVI que quis realçar com sua presença que aplaudia a idéia.
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