Os Estados Unidos dominaram economicamente a Ásia do nordeste desde o fim da segunda guerra mundial. Mas hoje aquelas regiões se encontram entre aos onze maiores economias mundiais.
O desafio do Pacífico e a crise da globalidade. Do conflito ideológico dos anos sessenta e setenta ao do Wto de hoje. Estados Unidos e China se enfrentam a partir da questão alimentar. Porque o extremo Oriente provoca medo. A reportagem é do jornal La Repubblica, 05-08-2008.
Dez anos atrás, entre experts de economia e de geo-estratégia, o século 21 era freqüentemente definido como o século do Pacífico. Agora ele é evocado como o século da Ásia. Entre estas duas previsões existe no meio uma mudança de percepção sobre a natureza do desafio que opõe as margens do Pacífico, a americana e a asiática. O último conflito entre as duas beiras no fim de julho fez descarrilar o importante Doha Round, a negociação no seio da organização do comércio mundial (Wto – Word trade organization - Organização Mundial do Comércio - OMC)), da qual devia vir um novo impulso à globalização. A contenda viu a China e a Índia num front contraposto aos EUA.
O terreno do conflito são interesses vitais. A América tem uma das agriculturas mais produtivas do mundo, uma formidável máquina de exportação sustentada em geral por generosos subsídios públicos. A China e a Índia são sofrivelmente auto-suficientes para a produção dos produtos agrícolas de base e têm vastíssimas populações rurais. Quase um bilhão e meio de pessoas, quando se somam os dois países, dependem da atividade agrícola. Pequim e Nova Delhi bloquearam a ulterior liberalização das trocas mundiais porque escolheram outras prioridades, procurando um delicado equilíbrio entre a segurança do aprovisionamento para o mercado interno e a defesa dos rendimentos de seus agricultores. A América dera uma contribuição decisiva ao ativar a atual inflação mundial dos preços alimentares. A lobby agrícola do Meio-Oeste conquistou ricas ajudas estatais para a conversão de cereais em biocombustíveis. As terras cultiváveis disponíveis no planeta e as colheitas de cereais foram repartidos entre os consumidores asiáticos e os automóveis americanos. A novidade política que emergiu com o último braço de ferro é o poder de veto que a China e a Índia exercem atualmente no seio da OMC. As duas superpotências asiáticas conduzem uma ampla fileira de países emergentes e podem pôr em cheque qualquer plano dos Estados Unidos. O fiasco de Doha ilumina relações de forças profundamente mudadas.
A América pode, pois tornar-se a vítima do século asiático, porque é o país mais exposto a sofrer um rebaixamento e um ataque à sua liderança planetária? Ou, ao invés disso, precisamente porque os Estados Unidos “ainda” são uma potência do Pacífico, eles estão bem preparados para adaptar-se e redefinir a própria função num mundo onde o baricentro do poder econômico – e em perspectiva político-militar – aponte naquela direção? A centralidade do Pacífico é um dado adquirido. Seus efeitos sobre a hierarquia das potências continuam controversos. Esta ambivalência não é propriamente recente. A projeção da influência americana no Pacífico tem início com a guerra das Filipinas (1899), a política exterior de Theodore Roosevelt, a mediação na guerra russo-japonesa de 1905. Desde quando aparece no cenário como uma nação emergente, e nutre as primeiras ambições de influência internacional, a América elabora uma idéia do Pacífico como de uma área estratégica para o próprio futuro: uma zona do mundo da qual poderá haurir grandes benefícios na condição de manter-se em guarda contra as ameaças. É uma agressão que vem daquela parte – o ataque japonês a Pearl Harbor em 1941 – que impele Washington à segunda guerra mundial. É na outra margem do Pacífico que as tropas americanas combatem as duas guerras de longa duração mais cruentas após o conflito mundial, na Coréia nos anos 50 e no Vietnã nos anos 60 (em cada uma daquelas frentes pereceu um número acima de dez vezes maior de soldados americanos, mortos até então entre o Iraque e o Afeganistão). É daquela parte do Oceano que nos anos 70 e 80 vem um novo desafio, pacífico mas insidioso: o ‘made in Japan’ põe em crise setores destacados da grande indústria americana (automóveis, siderurgia, química, estaleiros, eletrônica); as finanças de Tóquio dão a escalada a instituições históricas de Wall Street e Hollywood. A América se refaz após todos aqueles desafios. No vigoroso crescimento dos anos noventa projeta uma operação grandiosa: a cooptação da China na OMC, a integração da maior nação no interior de uma arquitetura global desenhada pelos próprios Estados Unidos.
Por detrás está uma visão otimista da globalização dos mercados: o desenvolvimento não é um jogo de soma zero, a decolagem de novos protagonistas não deve enfraquecer o país mais rico. A lógica do círculo vicioso prevalece sobre as ânsias de ultrapassagem. O Pacífico promete maravilhas para um país que sabe captar suas potencialidades. A grande indústria hi-tech da Califórnia abriu o caminho, deslocando-se como primeira à outra margem do oceano, o Maré Nostrum americano.
A primeira década do século vinte e um traz um sinal diverso. Após 60 anos de hegemonia americana o equilíbrio de poder no Pacífico se desloca. Os Estados Unidos sofrem um declínio relativo, a China está em ascensão, o Japão e a Coréia do Sul balouçam. As implicações para Washington são de longo alcance: na Ásia norte-oriental encontram-se três das onze maiores economias mundiais e três dos quatro maiores exércitos do planeta. Os Estados Unidos têm dominado economicamente o nordeste da Ásia desde o fim da segunda guerra mundial, conquistando um consenso através de suas políticas de ajuda de livre comércio. Hoje não são mais tão influentes; devem compartilhar o palco com a China. Em 2007 o comércio entre a China e o Japão superou aquele entre os Estados Unidos e o Japão pela primeira vez desde a segunda guerra mundial. Hoje a China está em ação para contrapor-se à rede de alianças que a América construíra na Ásia. Pequim conduziu uma ofensiva diplomática para construir suas próprias alianças bilaterais.
Nas últimas duas décadas estabeleceu relações diplomáticas com antigos aliados americanos, como Singapura e Coréia do Sul, restabeleceu as relações com a Indonésia, recozeu com a Índia, a Rússia e o Vietnã. A China multiplica os seus esforços também no terreno multilateral. Superou a antiga desconfiança com as organizações internacionais (resquício de uma época na qual temia ser colocada sistematicamente em minoria) e agora deles participa mais do que a América. Pequim é membro da Asean+1 (Association of Southeast Asian Nations + China), da Asean+3 (Ásia e China, Japão, Coréia do Sul),da Ásia-Pacific Economic Cooperation (Apec), da Shanghai Cooperation Organization, e da East Asian Summit. A China também está construindo uma rede de acordo de livre comércio na Ásia, que se acrescenta às suas relações bilaterais e multilaterais.
O candidato republicano às eleições presidenciais John McCain afirma: “Hoje no mundo o poder está se deslocando para o Oriente. A região Ásia-Pacífico está em ascensão. As relações com uma China cada vez mais forte será um desafio central para o próximo presidente americano”. No front conservador o modelo é a política de contenção que Ronald Reagan levou a cabo com sucesso para a União soviética. O candidato democrata Barack Obama é mais otimista sobre a possibilidade de que a América restaure, com o ‘soft power’, a própria influência sobre o Pacífico; porém está menos convicto de que a globalização ainda seja um jogo vencedor para os coletes azuis americanos. Uma vez mais é no Pacífico que se joga tudo: a busca de novos equilíbrios, novas complementaridades, ou as fagulhas do futuro conflito.
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