Em decisão inédita, a Justiça Federal da cidade de Eunápolis (BA) condenou a Veracel Celulose – uma joint venture de duas das maiores empresas do ramo de papel e celulose do mundo: a sueca-finlandesa Stora Enso e a Aracruz Celulose – e os órgãos ambientais de âmbito estadual e federal – o Centro de Recursos Ambientais (CRA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) – pelo desmatamento da Mata Atlântica. Pela ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a empresa terá que restaurar, com vegetação nativa, todas as suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto liberadas entre 1993 e 1996. As áreas ficam no extremo sul da Bahia. A notícia é do jornal Brasil de Fato – Edição 285 - 14 a 20 de agosto de 2008 em reportagem da jornalista Luciana Silvestre.
A sentença da justiça significa que uma extensão de 96 mil hectares, coberta por eucaliptos, deverá ser reflorestada por árvores da Mata Atlântica – um dos biomas mais diversos do planeta e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do mundo. A Veracel também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões pelo desmatamento da Mata Atlântica, com tratores e correntão, nos seus primeiros anos de funcionamento (1991-1993).
O Ibama e o CRA foram condenados por concederem, indevidamente, autorizações para a Veracruz implantar os plantios de eucalipto. O Ibama terá que apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento da Veracel. Já o CRA precisará pagar 10% do total da multa.
Para o padre José Koopmans, de Teixeira de Freitas (BA), que acompanhou todo o processo de implantação da empresa no extremo sul do Estado, a sentença da Justiça foi uma vitória. “Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal”.
Padre José reitera que, passados tantos anos, o que ficou para a região foi uma total degradação. “Além da completa destruição da fauna e da flora, houve muitos impactos socioeconômicos. A população foi expulsa do campo, sob falsas promessas de emprego. O que vemos hoje é um crescimento da violência e do desemprego, bem como uma falta de estrutura básica, de saúde e educação nesses municípios onde se instalou a monocultura do eucalipto”, ressaltou Koopmans.
O que mais chama a atenção do Fórum Socioambiental do Extremo Sul, integrado por ONG’s, movimentos sociais, pesquisadores e estudantes, é a facilidade com que a empresa conseguiu se fixar na região. Mesmo sem a realização dos estudos necessários, os órgãos ambientais estaduais (CRA) e federais (Ibama) expediram licenças que continuam sendo liberadas indiscriminadamente até hoje.
“Essas empresas sempre contaram com o apadrinhamento do Estado, que continua licenciando o plantio de eucalipto, mesmo admitindo que não tem condições técnicas para acompanhar e fiscalizar um projeto desse porte, e mesmo sabendo que a Veracel não cumpre a maioria das condicionantes para continuar em execução”, explicou Ivonete Gonçalves, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes).
Projeto de expansão
Com a intenção da empresa de duplicar seu empreendimento com a construção da Veracel II, a liberação de licenciamentos ambientais ganha centralidade. Os órgãos desrespeitam a lei e, sob a influência do poder econômico, concedem autorizações mesmo sem estudos como o Zoneamento Econômico Ecológico. É o que confirma Andréia Bragagnolo, diretora de estudos avançados do meio ambiente do Instituto do Meio Ambiente (IMA), antigo CRA. “Não podemos parar a máquina do Estado para esperar a realização dos estudos. Não podemos parar o licenciamento. Temos que continuar e inclusive agilizar o licenciamento em geral. O que dá pra fazer é intensificar a fiscalização”, afirmou.
Essa relação de favorecimento entre os órgãos licenciadores e a empresa Veracel Celulose é objeto de um inquérito civil, instaurado em junho deste ano pelo Ministério Público Estadual da comarca de Eunápolis. Estão sendo apuradas denúncias sobre a omissão do Estado da Bahia e de órgãos ambientais estaduais na realização de estudos imprescindíveis para a implantação de projetos como o da monocultura de eucalipto na região, a fim de favorecer a empresa Veracel Celulose na execução de seu projeto.
“Estamos acompanhando o inquérito do MPE e confirmando o que já suspeitávamos: que a Veracel inaugurou uma forma própria para consolidar seu empreendimento junto ao Estado, envolvendo funcionários públicos para obter benefícios em função do aumento da produção e do lucro”, relatou Ivonete.
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