quarta-feira, 06 de maio de 2009
Folha de S.Paulo
Paulo Rabello de Castro
O retorno da bolha
A euforia, desta vez, é alimentada pelos bancos centrais com uma quantidade sem precedentes de moeda
O SISTEMA de crédito norte-americano ainda vai precisar de uma grande faxina de ativos desvalorizados antes de se ouvirem as trombetas da recuperação global. O anúncio da concordata da Chrysler desmancha a profecia das autoridades e dos diversos porta-vozes do setor financeiro de que o balanço de lucros e perdas da crise já teria virado o "cabo da boa esperança".
Os grandes bancos americanos terão que contabilizar enormes perdas adicionais decorrentes da transformação dos seus empréstimos às montadoras GM e Chrysler em partes acionárias. Mas é possível também que, fora dos seus balanços, os bancos problemáticos carreguem mais alguns bilhões em operações de troca de riscos (ou "swaps") de crédito, tendo que arcar com o pagamento integral de dívidas asseguradas, independentemente de as montadoras poderem ou não saldar os valores originalmente devidos.
Se isso se confirmar, mais socorro do governo americano aos bancos por meio do Tarp ("Troubled Asset Relief Program") vai se tornar indispensável. Desde o início da crise, cerca de US$ 2,7 trilhões (cerca de 20% do PIB) já foram despendidos pelo governo em operações de socorro ou estímulo.
Na absoluta contramão, os mercados de renda variável continuaram a emitir sinais de euforia cada vez mais acentuados nas últimas semanas e dias. A alta generalizada das Bolsas e das cotações em março, abril e nestes primeiros dias de maio (no Brasil, isso ocorre desde o fim de 2008) é interpretada por muitos como um sintoma inequívoco da virada, não só de humor dos investidores como da próxima retomada de compras pelos consumidores, mesmo nos países hoje mais afetados pela retração generalizada. Está mais para retorno da bolha.
A leitura alternativa é que essa recuperação recente das cotações de Bolsa de Valores e de commodities, especialmente petróleo e soja, foge aos padrões esperados de oferta e demanda, para se localizar, de novo, como no ano passado, na mesma febre especulativa que enfeitiçou os especuladores com delírios de ganhos extraordinários. E por que essa nova bolha acontece? A explicação ainda é a mesma que a de 2007 e a de 2008, só que a euforia, desta vez, é alimentada pelas autoridades monetárias dos principais países com uma quantidade sem precedentes de moeda, emitida para financiar as operações de socorro. Sem risco imediato de inflação, o Fed dos EUA, os bancos centrais da China e Japão, os bancos da Inglaterra e da Europa passaram a utilizar o expediente das emissões sem lastro como recurso de última instância para financiar as intervenções de ajuda dos seus governos ao setor financeiro, às empresas em apuros e às agências hipotecárias insolventes.
A enorme liquidez adicional, neste primeiro momento, contorna o mercado de empréstimos a empresas, de cujos riscos de crédito os bancos estão fugindo, para se alojar no circuito mais líquido da compra e venda de ativos. Constitui atrativo permanente a especulação compradora em mercados de valores e commodities que permitem a entrada e a saída a qualquer momento, embora extremante voláteis. São esses movimentos de acomodação da enorme massa monetária adicional que, afinal, conduzem a estímulos altistas nas Bolsas, como temos visto.
Mesmo um não especialista desconfiaria de que o apelo desesperado à injeção de liquidez encontrará, mais à frente, empresas e indivíduos ainda mais debilitados para prosseguir na rolagem de seus débitos. Mas, até lá, é uma festa dos comprados.
PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP
Folha de S.Paulo
Paulo Rabello de Castro
O retorno da bolha
A euforia, desta vez, é alimentada pelos bancos centrais com uma quantidade sem precedentes de moeda
O SISTEMA de crédito norte-americano ainda vai precisar de uma grande faxina de ativos desvalorizados antes de se ouvirem as trombetas da recuperação global. O anúncio da concordata da Chrysler desmancha a profecia das autoridades e dos diversos porta-vozes do setor financeiro de que o balanço de lucros e perdas da crise já teria virado o "cabo da boa esperança".
Os grandes bancos americanos terão que contabilizar enormes perdas adicionais decorrentes da transformação dos seus empréstimos às montadoras GM e Chrysler em partes acionárias. Mas é possível também que, fora dos seus balanços, os bancos problemáticos carreguem mais alguns bilhões em operações de troca de riscos (ou "swaps") de crédito, tendo que arcar com o pagamento integral de dívidas asseguradas, independentemente de as montadoras poderem ou não saldar os valores originalmente devidos.
Se isso se confirmar, mais socorro do governo americano aos bancos por meio do Tarp ("Troubled Asset Relief Program") vai se tornar indispensável. Desde o início da crise, cerca de US$ 2,7 trilhões (cerca de 20% do PIB) já foram despendidos pelo governo em operações de socorro ou estímulo.
Na absoluta contramão, os mercados de renda variável continuaram a emitir sinais de euforia cada vez mais acentuados nas últimas semanas e dias. A alta generalizada das Bolsas e das cotações em março, abril e nestes primeiros dias de maio (no Brasil, isso ocorre desde o fim de 2008) é interpretada por muitos como um sintoma inequívoco da virada, não só de humor dos investidores como da próxima retomada de compras pelos consumidores, mesmo nos países hoje mais afetados pela retração generalizada. Está mais para retorno da bolha.
A leitura alternativa é que essa recuperação recente das cotações de Bolsa de Valores e de commodities, especialmente petróleo e soja, foge aos padrões esperados de oferta e demanda, para se localizar, de novo, como no ano passado, na mesma febre especulativa que enfeitiçou os especuladores com delírios de ganhos extraordinários. E por que essa nova bolha acontece? A explicação ainda é a mesma que a de 2007 e a de 2008, só que a euforia, desta vez, é alimentada pelas autoridades monetárias dos principais países com uma quantidade sem precedentes de moeda, emitida para financiar as operações de socorro. Sem risco imediato de inflação, o Fed dos EUA, os bancos centrais da China e Japão, os bancos da Inglaterra e da Europa passaram a utilizar o expediente das emissões sem lastro como recurso de última instância para financiar as intervenções de ajuda dos seus governos ao setor financeiro, às empresas em apuros e às agências hipotecárias insolventes.
A enorme liquidez adicional, neste primeiro momento, contorna o mercado de empréstimos a empresas, de cujos riscos de crédito os bancos estão fugindo, para se alojar no circuito mais líquido da compra e venda de ativos. Constitui atrativo permanente a especulação compradora em mercados de valores e commodities que permitem a entrada e a saída a qualquer momento, embora extremante voláteis. São esses movimentos de acomodação da enorme massa monetária adicional que, afinal, conduzem a estímulos altistas nas Bolsas, como temos visto.
Mesmo um não especialista desconfiaria de que o apelo desesperado à injeção de liquidez encontrará, mais à frente, empresas e indivíduos ainda mais debilitados para prosseguir na rolagem de seus débitos. Mas, até lá, é uma festa dos comprados.
PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário