"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, abril 26, 2013

Bombas em Boston enterram reforma da lei da imigração nos EUA

viomundo - publicado em 24 de abril de 2013 às 23:20


por Heloísa Villela, de Nova York

Os Estados Unidos talvez não entendam nunca porque dois irmãos da Chechênia, que moravam em Massachussets há uma década, detonaram duas bombas na maratona de Boston.
Mas o ataque já está sendo usado pelos políticos que são contra a reforma da lei de imigração. Imagina, dar cidadania a toda essa gente? Antes mesmo da prisão de Dzhokhor Tsarnaev, o irmão mais novo da dupla, as críticas à reforma já estavam circulando.
Milhões de estrangeiros, que entraram ilegalmente nos Estados Unidos e não têm a menor intenção de ir embora, tinham esperanças de ver a lei aprovada ainda este ano.
Na agenda do presidente Barack Obama, a imigração ocupava, até o dia da maratona, o primeiro lugar na lista de prioridades. E parecia uma briga boa, porque fácil. Obama contaria com o apoio de muitos republicanos para passar o projeto. Agora, certamente, enfrentará uma resistência que não estava nos planos.
Na semana do atentado, o presidente foi derrotado no Congresso mais uma vez. Por 54 votos a 46, os senadores derrubaram a lei que exigiria regras mais rígidas para avaliar e aprovar um potencial comprador de armas.
Obama tentou de tudo: levou à Casa Branca pais, tios e irmãos de algumas das 26 crianças e adultos mortos na cidade de Newton, em Connecticut, em dezembro do ano passado. Mas não adiantou nada. Em meio a investigações e buscas, em Boston, ele foi obrigado a anunciar a derrota e denunciou o lobby dos fabricantes de armas como o responsável pela decisão no Senado.
Agora, daria início à negociação pela reforma da imigração. Se o projeto for aprovado como está, mais de 11 milhões de imigrantes poderão se legalizar, garantir o status de residente permanente e entrar com o pedido de cidadania.
Obama deve um agradecimento especial aos latinos. Eles votaram em massa em Obama. Foram decisivos na reeleição do presidente. Muitos republicanos avaliaram que sem o apoio do eleitorado hispânico será impossível para qualquer candidato chegar à Casa Branca.
[Heloisa Villela que pesquisar os documentos da CIA sobre o golpe no Brasil. Colabore!]
Jebb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, é um dos nomes fortes nesse movimento, dentro do partido, e possível candidato. Mas o atentado em Boston alimentou os políticos do bloco anti-legalização.
Charles Grassley, senador pelo estado de Iowa, veterano do partido republicano, foi o primeiro a se pronunciar. Alertou os colegas do Congresso para a necessidade de pisar no freio com a reforma:
– Apesar de não sabermos ainda a situação migratória dos que aterrorizaram as comunidades de Massachusetts, quando descobrirmos isso vai ajudar a iluminar os pontos fracos do nosso sistema. Como indivíduos podem despistar as autoridades e planejar ataques no nosso solo? Como podemos reforçar a inspeção de segurança a respeito das pessoas que querem entrar nos Estados Unidos? Como podemos assegurar que as pessoas que querem nos machucar não serão beneficiadas pelas leis de imigração, incluindo esta nova lei diante de nós?
Como se nascer fora dos Estados Unidos fosse já meio caminho andado…
Então, lembremos: o atentado a bomba em Oklahoma, em 1995, que matou 168 pessoas, foi planejado e executado por Timothy McVeigh, americano nascido em Lockport, estado de Nova York.
Quem colocou a bomba no parque de Atlanta, durante as Olimpíadas de 1996, foi Eric Robert Rudolph, de Merritt Island, na Flórida.
E o Unabomber, quem se lembra? Ted Kaczynski, apesar do nome, nasceu em Chicago, Illinois. E durante 17 anos plantou ou enviou pelo correio bombas que mataram três pessoas.
Mais recentemente houve tentativas em Fort Hood, Texas, e no Times Square, Nova York…
Todos planos de americanos legítimos. Isso para não falar das tragédias de Columbine, Aurora, etc.
Mas o senador de Iowa não é uma voz isolada no Congresso. Ele representa uma parcela de políticos e analistas que vai ganhar força, agora, com a explosão das bombas, em Boston. E não são apenas os mais conservadores que vão bater em retirada e reavaliar posições.
Até mesmo comentaristas de redes de tevê consideradas mais liberais e pró-imigrante retrocederam na semana passada. Em uma mescla de arrogância e santa ingenuidade, qualidades que a cultura americana consegue juntar como poucas, um desses analistas se perguntava, em voz alta, ao vivo: “Como alguém que pediu a cidadania americana pode uma coisa dessas?”
Como se pedir a cidadania fosse, realmente, uma questão de amor à pátria. Como se a grande motivação dos imigrantes, que entram ilegalmente nos Estados Unidos e depois tentam, de diversas maneiras, conseguir a papelada para ficar no país legalmente, fosse a admiração pelo país e o desejo de se tornarem norte-americanos. Eles custam um pouco a entender que para muitos tudo não passa de uma medida prática e de sobrevivência.
Entre os vários imigrantes brasileiros que conheci pelo país afora, nos últimos 25 anos, a principal razão para se legalizar por aqui está longe, muito longe… muito ao sul da Flórida.
Quase todos querem os documentos em dia para poder ir de férias ao Brasil, visitar a família, matar as saudades. Mas não querem perder o emprego, a fonte de renda, a possibilidade de trabalhar e garantir a sobrevivência. E muito menos atravessar a fronteira a pé novamente, arriscar a vida para voltar.
De 2008 para cá, muita coisa mudou. Muitos voltaram para casa quando a crise econômica apertou e o primeiro setor atingido foi a construção civil, onde muitos brasileiros trabalham. Sem a garantia de renda de antes, vários concluíram que já não valia a pena ficar longe de casa, dos amigos e da família.
Mas para os que ficaram, e se animaram com a possibilidade de legalização que a lei poderia trazer, mesmo num prazo longo, de até dez anos, acho que vem por aí um balde de água fria.

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