viomundo - publicado em 24 de abril de 2013 às 23:20
por Heloísa Villela, de Nova York
Os Estados Unidos talvez não entendam nunca porque dois irmãos da
Chechênia, que moravam em Massachussets há uma década, detonaram duas
bombas na maratona de Boston.
Mas o ataque já está sendo usado pelos políticos que são contra a
reforma da lei de imigração. Imagina, dar cidadania a toda essa gente?
Antes mesmo da prisão de Dzhokhor Tsarnaev, o irmão mais novo da dupla,
as críticas à reforma já estavam circulando.
Milhões de estrangeiros, que entraram ilegalmente nos Estados Unidos e
não têm a menor intenção de ir embora, tinham esperanças de ver a lei
aprovada ainda este ano.
Na agenda do presidente Barack Obama, a imigração ocupava, até o dia
da maratona, o primeiro lugar na lista de prioridades. E parecia uma
briga boa, porque fácil. Obama contaria com o apoio de muitos
republicanos para passar o projeto. Agora, certamente, enfrentará uma
resistência que não estava nos planos.
Na semana do atentado, o presidente foi derrotado no Congresso mais
uma vez. Por 54 votos a 46, os senadores derrubaram a lei que exigiria
regras mais rígidas para avaliar e aprovar um potencial comprador de
armas.
Obama tentou de tudo: levou à Casa Branca pais, tios e irmãos de
algumas das 26 crianças e adultos mortos na cidade de Newton, em
Connecticut, em dezembro do ano passado. Mas não adiantou nada. Em meio a
investigações e buscas, em Boston, ele foi obrigado a anunciar a
derrota e denunciou o lobby dos fabricantes de armas como o responsável
pela decisão no Senado.
Agora, daria início à negociação pela reforma da imigração. Se o
projeto for aprovado como está, mais de 11 milhões de imigrantes poderão
se legalizar, garantir o status de residente permanente e entrar com o
pedido de cidadania.
Obama deve um agradecimento especial aos latinos. Eles votaram em
massa em Obama. Foram decisivos na reeleição do presidente. Muitos
republicanos avaliaram que sem o apoio do eleitorado hispânico será
impossível para qualquer candidato chegar à Casa Branca.
[Heloisa Villela que pesquisar os documentos da CIA sobre o golpe no Brasil. Colabore!]
Jebb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, é um dos nomes fortes
nesse movimento, dentro do partido, e possível candidato. Mas o atentado
em Boston alimentou os políticos do bloco anti-legalização.
Charles Grassley, senador pelo estado de Iowa, veterano do partido
republicano, foi o primeiro a se pronunciar. Alertou os colegas do
Congresso para a necessidade de pisar no freio com a reforma:
– Apesar de não sabermos ainda a situação migratória dos que
aterrorizaram as comunidades de Massachusetts, quando descobrirmos isso
vai ajudar a iluminar os pontos fracos do nosso sistema. Como indivíduos
podem despistar as autoridades e planejar ataques no nosso solo? Como
podemos reforçar a inspeção de segurança a respeito das pessoas que
querem entrar nos Estados Unidos? Como podemos assegurar que as pessoas
que querem nos machucar não serão beneficiadas pelas leis de imigração,
incluindo esta nova lei diante de nós?
Como se nascer fora dos Estados Unidos fosse já meio caminho andado…
Então, lembremos: o atentado a bomba em Oklahoma, em 1995, que matou
168 pessoas, foi planejado e executado por Timothy McVeigh, americano
nascido em Lockport, estado de Nova York.
Quem colocou a bomba no parque de Atlanta, durante as Olimpíadas de
1996, foi Eric Robert Rudolph, de Merritt Island, na Flórida.
E o Unabomber, quem se lembra? Ted Kaczynski, apesar do nome, nasceu
em Chicago, Illinois. E durante 17 anos plantou ou enviou pelo correio
bombas que mataram três pessoas.
Mais recentemente houve tentativas em Fort Hood, Texas, e no Times Square, Nova York…
Todos planos de americanos legítimos. Isso para não falar das tragédias de Columbine, Aurora, etc.
Mas o senador de Iowa não é uma voz isolada no Congresso. Ele
representa uma parcela de políticos e analistas que vai ganhar força,
agora, com a explosão das bombas, em Boston. E não são apenas os mais
conservadores que vão bater em retirada e reavaliar posições.
Até mesmo comentaristas de redes de tevê consideradas mais liberais e
pró-imigrante retrocederam na semana passada. Em uma mescla de
arrogância e santa ingenuidade, qualidades que a cultura americana
consegue juntar como poucas, um desses analistas se perguntava, em voz
alta, ao vivo: “Como alguém que pediu a cidadania americana pode uma
coisa dessas?”
Como se pedir a cidadania fosse, realmente, uma questão de amor à
pátria. Como se a grande motivação dos imigrantes, que entram
ilegalmente nos Estados Unidos e depois tentam, de diversas maneiras,
conseguir a papelada para ficar no país legalmente, fosse a admiração
pelo país e o desejo de se tornarem norte-americanos. Eles custam um
pouco a entender que para muitos tudo não passa de uma medida prática e
de sobrevivência.
Entre os vários imigrantes brasileiros que conheci pelo país afora,
nos últimos 25 anos, a principal razão para se legalizar por aqui está
longe, muito longe… muito ao sul da Flórida.
Quase todos querem os documentos em dia para poder ir de férias ao
Brasil, visitar a família, matar as saudades. Mas não querem perder o
emprego, a fonte de renda, a possibilidade de trabalhar e garantir a
sobrevivência. E muito menos atravessar a fronteira a pé novamente,
arriscar a vida para voltar.
De 2008 para cá, muita coisa mudou. Muitos voltaram para casa quando a
crise econômica apertou e o primeiro setor atingido foi a construção
civil, onde muitos brasileiros trabalham. Sem a garantia de renda de
antes, vários concluíram que já não valia a pena ficar longe de casa,
dos amigos e da família.
Mas para os que ficaram, e se animaram com a possibilidade de
legalização que a lei poderia trazer, mesmo num prazo longo, de até dez
anos, acho que vem por aí um balde de água fria.
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