viomundo - publicado em 25 de abril de 2013 às 20:59
Política agrícola prioriza as exportações do agronegócio em vez do abastecimento interno, afirmam os especialistas
por José Coutinho Júnior, da Página do MST
“Olha o meu cordão! Tomates! Estou usando ouro”, disse a apresentadora Ana Maria Braga, do programa Mais Você, da Rede Globo, no dia 10 de abril.
Ela proferiu essa frase e fez o programa inteiro usando um colar feito de tomates, em “protesto” ao aumento do preço.
Diversas piadas em relação ao preço alto do tomate se espalharam pela
internet nas últimas semanas. Muito se discutiu na imprensa sobre a
alta do preço, alardeando o crescimento da inflação provocado pela alta
dos alimentos e que o aumento na taxa de juros seria a medida principal
no controle da inflação.
Para o economista Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento dos juros para controlar a
inflação tem custos econômicos e sociais.
“A elevação da taxa de juros Selic pelo governo (de 7,25% a 7,5%) não
tem nenhum efeito do ponto de vista da contenção inflacionária, mas
atende a apetites midiáticos e simbólicos. A linha de contenção da
demanda via elevação de juros e redução do gasto social aparece como uma
forma de conter a inflação, mas tem custo de muitos empregos e
desaceleração econômica. Não me parece que seja essa a via que o governo
está seguindo”, acredita.
O uso político da alta do tomate para forçar o aumento de juros se
torna mais evidente ao analisar a queda brusca do preço do tomate.
A inflação do tomate em março foi de 122,13%, sendo que no meio de abril o preço já havia caído mais de 75%.
Além disso, a farinha de trigo teve um aumento de preço maior que o
tomate (151,39%) por conta da seca no nordeste e não recebeu tanta
atenção dos colunistas e da mídia quanto o tomate.
“O tomate é um produto de cultivo cíclico de 90 dias. Se está
faltando no mercado é porque os agricultores estão plantando. O preço
que estava muito alto começa a diminuir quando o plantio novo chega. A
produção do tomate não é relevante para explicar a pressão
inflacionária, porque senão temos um discurso puramente sazonal. Todas
as economias do mundo, em todas as épocas, tem problemas sazonais. E
isso não é causa de inflação”, afirma Delgado.
Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma
Agrária (Abra), concorda. “Existe sim um problema de pressão dos preços
dos alimentos, mas o tomate foi usado como um vilão para pressionar o
governo a aumentar a Selic”.
“O impacto do preço do tomate na taxa de inflação é mínimo, em torno de 0.2%”, afirma Teixeira.
Política Agrária
Os especialistas avaliam que a alta inflacionária dos alimentos se
deve, em grande parte, à política agrícola adotada pelo governo
brasileiro, que prioriza as exportações do agronegócio em vez do
abastecimento interno.
Dados apontam que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com
alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram,
respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as de produtos do agronegócio
exportador, como a cana e soja, aumentaram 122% e 107%.
“Precisamos pensar melhor em como atender a demanda interna e externa
para resguardar a estabilidade de preços nos produtos alimentares.
Hoje, pensamos em resolver o equilíbrio externo, exportar a qualquer
custo para obter superávit na balança comercial e o menor déficit
possível na balança corrente. E o resíduo das exportações fica com o
mercado interno para resolver as questões de estabilidade. Essa equação
está equivocada e precisa ser reformulada”, afirma Delgado.
Esse cenário faz com que o Brasil dependa de importações de alimentos
básicos para suprir seu mercado interno. No ano passado, o país
importou US$ 334 milhões em arroz, equivalente a 50% do valor aplicado
no custeio da lavoura em nível nacional. No caso do trigo, o valor das
importações foi de US$ 1,7 bi, duas vezes superior ao destinado para o
custeio da lavoura, e a produção de mandioca atualmente é a mesma de
1990.
Para controlar os preços e garantir o abastecimento interno, o
governo começa a adotar a criação de estoques reguladores por meio da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Essas “reservas” permitem ao governo intervir caso o preço dos
alimentos esteja fora do padrão determinado, e comprar ou vender esses
alimentos, com ênfase especial nos que compõem a cesta básica para
equilibrar os valores.
Segundo Gerson Teixeira, os estoques são estratégicos. “Deixamos de
estocar na década de 90, pois prevalece até hoje a tese neoliberal da
autorregulação do mercado. Qual o resultado? Não temos estoques de
alimentos capazes de impedir a alta dos preços”, denuncia.
“A política de estoques regulares e estratégicos é fundamental. A
presidenta Dilma assinou uma medida importante em fevereiro, criando um
conselho interministerial para formar estoques públicos de alimentos. É
uma medida extremamente necessária nesses tempos de volatilidade do
mercado agrícola”, defende.
Fortalecimento da agricultura familiar
A agricultura familiar e os assentamentos da Reforma Agrária, de
acordo com dados do Censo Agropecuário de 2006, ocupam 30% das terras
agricultáveis do país, mas produzem 70% dos alimentos consumidos pelos
brasileiros.
Dessa forma, as políticas para fortalecer a agricultura familiar são
uma alternativa para controlar a alta dos preços dos alimentos, garantir
o abastecimento interno e diminuir a dependência externa do Brasil em
relação aos alimentos básicos.
“Os assentamentos de Reforma Agrária e o campesinato em geral têm uma
especialização na produção de alimentos. Esse setor, se for devidamente
fomentado, pode produzir em grande quantidade os produtos da cesta
básica. É uma via importante e necessária a ser trabalhada. Mas não me
parece que o governo esteja muito atento a isso, pois para ele o
agronegócio resolve tudo, o que não é verdade”, acredita Guilherme
Delgado.
Gerson Teixeira acredita que, para alterar este cenário, é preciso ir
além de incluir os camponeses no meio de produção rural, mas qualificar
uma produção diferente do agronegócio, que leva os produtores a
abandonar a produção de alimentos da cesta básica para plantar as
commodities valorizadas no mercado internacional.
“O que precisa ser feito mesmo é rever a política agrícola e fazer a
Reforma Agrária. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) está completamente esgotado. Ele realizou uma política
de inclusão social nas políticas agrícolas, que aproximou a agricultura
familiar do agronegócio. Precisamos rever essa política e colocar o
Pronaf não como uma estratégia de inclusão, mas de diferenciação para
habilitar realmente o agricultor a produzir alimentos de qualidade”,
propõe Teixeira.
Dados do Pronaf revelam que, ao comparar 2003 com 2012, o número de
operações de custeio de arroz com agricultores familiares declinou de
34.405 para 7.790 (-77.4%).
No caso do feijão, o número de contratos de custeio pelo Pronaf
reduziu de 57.042 para 10.869 (-81%). Os contratos para o custeio da
mandioca caíram de 65.396 para 20.371 (-69%), e para o custeio de milho
declinaram de 301.741 para 170.404 (-44%).
Teixeira demonstra preocupação com o futuro da agricultura
brasileira, diante do quadro de ameaças de mudanças climáticas, em um
cenário de enormes desafios para a alimentação de uma população mundial
crescente e de expansão da urbanização.
“No Brasil, assistimos à passividade e um recuo ‘inexplicável’ na
execução da Reforma Agrária, que é crucial para o incremento massivo da
produção alimentar. É inacreditável que não vejam que o agronegócio
corre sérios riscos de colapso nesse ambiente”, lamenta Teixeira.
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