Briga entre emergentes. Os eficientes ganham, os ineficientes sucumbem
Num mundo inundado por capital barato e ávido por competitividade, deixou de ser surpresa a aquisição de empresas oriundas de economias desenvolvidas por concorrentes dos chamados países emergentes. Em junho, a indiana Mittal comprou a européia Arcelor por 18 bilhões de dólares. Há cerca de dois meses, a brasileira Vale do Rio Doce incorporou a canadense Inco, após uma oferta também bilionária. Agora, porém, o que se vê é uma nova fase desse processo - a concorrência feroz e aberta entre empresas de países emergentes pelas barganhas do mercado global. O marco inicial desse processo é a disputa entre a brasileira CSN e a indiana Tata pela Corus, conglomerado anglo-holandês que ocupa a oitava posição na lista das maiores siderúrgicas do mundo. A reportagem é da revista Exame, edição 20-12-06.
A negociação - transformada num eletrizante leilão envolvendo alguns bilhões de dólares - é reflexo do avanço da globalização, na qual os mais eficientes (estejam eles onde estiverem) ganham escala, enquanto os ineficientes sucumbem. "Existem determinadas áreas em que não há alternativas. A única opção é comprar e crescer ou ser engolido pela concorrência", diz Rubens Barbosa, presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
E em setores como o de siderurgia, escala e sobrevivência compartilham o mesmo significado. Foi essa máxima que fez com que, há cerca de um mês, Benjamin Steinbruch, controlador da CSN, decidisse atravessar os entendimentos para a venda da Corus à Tata. Até a data de fechamento desta edição, o jogo de sedução junto aos acionistas da Corus continuava, com Steinbruch e Ratan Tata, dono do conglomerado indiano, aumentando sucessivamente suas ofertas - devidamente suportadas por alguns dos maiores bancos de investimento do mundo.
O embate entre duas siderúrgicas de nações emergentes pela Corus sintetiza o atual estágio do processo de internacionalização das grandes empresas de países em desenvolvimento. Impulsionadas por vantagens como mão-de-obra qualificada de baixo custo, disponibilidade de matéria-prima e grande liquidez internacional para investimentos, essas empresas alcançaram um grau de competitividade difícil de ser acompanhado por concorrentes de países desenvolvidos. A comparação da Corus com a Tata e a CSN, nesse caso, é exemplar. O grupo anglo-holandês fatura 17,4 bilhões de dólares por ano e é quatro vezes maior que cada uma das duas candidatas à sua compra. A Corus tem tamanho, mas não eficiência. Segundo dados da consultoria americana World Steel Dynamics, especializada no setor siderúrgico, sua rentabilidade é de 41 dólares por tonelada de aço produzida, ante 325 dólares por tonelada da Tata e 399 dólares por tonelada da CSN. (A empresa de Steinbruch é a segunda melhor do mundo nesse critério, perdendo apenas para a argentina Tenaris, com rentabilidade de 696 dólares por tonelada de aço produzida.)
Essa brutal diferença de competitividade levou o setor siderúrgico a um dos mais impressionantes deslocamentos de produção do mundo. Em 1990, os países emergentes eram responsáveis por 31% da produção global de aço. Em 2000, passaram a responder por 52% e a expectativa é que detenham 58% da produção em 2010. Trata-se de um fenômeno que deve se repetir progressivamente em outras áreas. "A exemplo da siderurgia, o setor têxtil será dominado pelas economias emergentes. E nessa área China e Índia disputarão todas as oportunidades", diz Ricardo Amorim, diretor de estratégia para América Latina do banco alemão WestLB. A China produz hoje 32% dos têxteis do mundo e é a líder nesse tipo de indústria. O governo da Índia, segunda colocada no ranking do setor, com 8,1% do total, está investindo 10 bilhões de dólares na modernização da indústria têxtil. Com esses recursos, espera-se que as exportações de têxteis indianos cresçam dos atuais 13,5 bilhões para 50 bilhões de dólares em dez anos, performance que garantiria às empresas indianas musculatura para compras mundo afora. O movimento, nesse caso, tem pouco a ver com linhas de produção.
Os indianos buscam, basicamente, marcas de prestígio, capacidade de distribuição em grandes mercados e sinergia no uso de uma matéria-prima abundante, o algodão. O Brasil tenta ir na mesma direção. Apesar das dificuldades enfrentadas pela concorrência com os asiáticos no mercado local, companhias como Coteminas e Santista Têxtil, do grupo Camargo Corrêa, têm demonstrado fôlego para disputas - e compras - internacionais. Recentemente, a Santista fundiu-se com a espanhola Tavex Algodonera, criando a maior fabricante de índigo do mundo, com faturamento anual de 1,4 bilhão de dólares. No ano passado, a Coteminas uniu-se à americana Springs, formando a Springs Global, com vendas de 2,4 bilhões de dólares. O embate entre as grandes companhias emergentes - principalmente de países como China, Índia, Rússia, Brasil e México - deve acontecer na medida em que as oportunidades rarearem e a pressão por escala crescer.
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