Lições que a Cepal deixou ao Brasil. Uma tese de mestrado faz uma retrospectiva crítica
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi criada em 1948, dentro de um movimento geral da Organização das Nações Unidas para implantar, em cada continente, núcleos de apoio ao planejamento das economias após a Segunda Guerra. Com sede em Santiago do Chile, por lá passaram Celso Furtado e outros brasileiros que lá estudaram e depois viriam para o Instituto de Economia da Unicamp, como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello. A vinda desses professores para Campinas, em pleno regime militar, não ocorreu sem resistência, visto que eles mantinham uma postura crítica com relação ao processo de industrialização. Suas críticas foram construídas a partir do que se convencionou chamar “pensamento cepalino”. A reportagem é do Jornal da Unicamp, 11 a 17 de dezembro de 2006.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi criada em 1948, dentro de um movimento geral da Organização das Nações Unidas para implantar, em cada continente, núcleos de apoio ao planejamento das economias após a Segunda Guerra. Com sede em Santiago do Chile, por lá passaram Celso Furtado e outros brasileiros que lá estudaram e depois viriam para o Instituto de Economia da Unicamp, como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello. A vinda desses professores para Campinas, em pleno regime militar, não ocorreu sem resistência, visto que eles mantinham uma postura crítica com relação ao processo de industrialização. Suas críticas foram construídas a partir do que se convencionou chamar “pensamento cepalino”. A reportagem é do Jornal da Unicamp, 11 a 17 de dezembro de 2006.
Pensamento cepalino influenciou governos e instituições
“A Cepal está perto de completar 60 anos. Estudar e divulgar sua história, a partir da de sua postura em relação ao capital estrangeiro, é uma forma de mostrar aos cidadãos como o capital desregulado cria influencias negativas em nossas vidas, a exemplo dos baixos salários, do desemprego e da violência urbana”, adianta o economista Fernando Henrique Lemos Rodrigues. Sob orientação do professor Mariano Laplane, ele apresentou dissertação de mestrado abordando a evolução (ou involução) do pensamento econômico da Cepal no decorrer das décadas, conforme foram mudando seus quadros intelectuais e as conjunturas históricas e políticas nos países latino-americanos. A ênfase da pesquisa está nas lições deixadas para o Brasil.
A Cepal deslanchou liderada pelo argentino Raúl Prebisch – talvez o maior economista que a América Latina já teve – e teve influência decisiva de Celso Furtado. Ambos defendiam uma agenda de planejamento econômico, com base na industrialização como geradora de empregos e na necessidade de intervenção estatal para assegurar o desenvolvimento do setor. “Furtado deu grandes contribuições para a compreensão de que o subdesenvolvimento não é um atraso – uma infância do capitalismo desenvolvido –, mas fruto de uma série de problemas crônicos que vão se repetindo ao longo da história, tais como vulnerabilidade externa, concentração de renda e desequilíbrios regionais”, explica Fernando Henrique Rodrigues.
Nos anos 1950, segundo o autor da dissertação, Prebisch e Furtado valorizavam o planejamento e a tentativa de colocar as empresas transnacionais a serviço de projetos nacionais de desenvolvimento. “A conclusão óbvia nos trabalhos da Cepal era de que se devia delimitar o papel das transnacionais, definindo setores de atuação, estipulando metas para exportações, condicionando remessas de lucros para as nações centrais e impondo requisitos como a transferência de tecnologia para os países latino-americanos”, lembra Rodrigues.
Na década seguinte, Prebisch e Furtado já estavam fora da Cepal, mas mantiveram-se como referência para a nova geração de intelectuais, como para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que escreveram um trabalho clássico sobre a dependência econômica. O órgão da ONU, no entanto, começava a perder espaço dentro da política do continente, devido ao advento das ditaduras militares, que identificaram naquelas idéias de desenvolvimento, de capital e de indústria nacionais um risco reformista. “Os regimes militares se caracterizaram por facilidades e menos exigências ao capital estrangeiro, acreditando que o crescimento econômico compensaria toda a liberdade que se desse às transnacionais”, diz Rodrigues.
Apesar do momento político contrário, a Cepal não esmoreceu seu discurso, na opinião do economista. Ele atenta que já havia certa dispersão, a falta de uma unidade intelectual, mas que persistiu dentro da entidade focos do movimento pela regulação das ações das empresas transnacionais, mesmo porque, do ponto de vista brasileiro, o contexto no final dos 60 era de grave crise nas contas externas. “Celso Furtado, que ainda influenciava bastante a agenda das instituições, alertava que as transnacionais cumpriam um papel muito claro no desenvolvimento latino-americano e principalmente brasileiro: atender aos anseios das elites em se modernizar e alcançar estilos de vida parecidos com os das nações centrais, ainda que a população pagasse a conta da concentração de renda e da vulnerabilidade externa”.
Rodrigues observa que vem desta época o mito alimentado pelos governos militares de que o crescimento dependente do capital estrangeiro iria resolver os problemas de todas as classes sociais e promover a integração do continente. “Uma senda de prosperidade que não se verificou”, lembra. O autor delimita uma fase distinta da Cepal, entre o final dos 70 e início dos 80, tendo à frente o chileno Fernando Fajnzylber, que inclui na pauta da instituição idéias renovadas sobre a industrialização e a necessidade de políticas industriais. “Basicamente, é isto que eu retrato na dissertação. Cada mudança na liderança intelectual reflete uma postura da Cepal frente às empresas transnacionais, cada vez mais liberal”, esclarece.
“A Cepal está perto de completar 60 anos. Estudar e divulgar sua história, a partir da de sua postura em relação ao capital estrangeiro, é uma forma de mostrar aos cidadãos como o capital desregulado cria influencias negativas em nossas vidas, a exemplo dos baixos salários, do desemprego e da violência urbana”, adianta o economista Fernando Henrique Lemos Rodrigues. Sob orientação do professor Mariano Laplane, ele apresentou dissertação de mestrado abordando a evolução (ou involução) do pensamento econômico da Cepal no decorrer das décadas, conforme foram mudando seus quadros intelectuais e as conjunturas históricas e políticas nos países latino-americanos. A ênfase da pesquisa está nas lições deixadas para o Brasil.
A Cepal deslanchou liderada pelo argentino Raúl Prebisch – talvez o maior economista que a América Latina já teve – e teve influência decisiva de Celso Furtado. Ambos defendiam uma agenda de planejamento econômico, com base na industrialização como geradora de empregos e na necessidade de intervenção estatal para assegurar o desenvolvimento do setor. “Furtado deu grandes contribuições para a compreensão de que o subdesenvolvimento não é um atraso – uma infância do capitalismo desenvolvido –, mas fruto de uma série de problemas crônicos que vão se repetindo ao longo da história, tais como vulnerabilidade externa, concentração de renda e desequilíbrios regionais”, explica Fernando Henrique Rodrigues.
Nos anos 1950, segundo o autor da dissertação, Prebisch e Furtado valorizavam o planejamento e a tentativa de colocar as empresas transnacionais a serviço de projetos nacionais de desenvolvimento. “A conclusão óbvia nos trabalhos da Cepal era de que se devia delimitar o papel das transnacionais, definindo setores de atuação, estipulando metas para exportações, condicionando remessas de lucros para as nações centrais e impondo requisitos como a transferência de tecnologia para os países latino-americanos”, lembra Rodrigues.
Na década seguinte, Prebisch e Furtado já estavam fora da Cepal, mas mantiveram-se como referência para a nova geração de intelectuais, como para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que escreveram um trabalho clássico sobre a dependência econômica. O órgão da ONU, no entanto, começava a perder espaço dentro da política do continente, devido ao advento das ditaduras militares, que identificaram naquelas idéias de desenvolvimento, de capital e de indústria nacionais um risco reformista. “Os regimes militares se caracterizaram por facilidades e menos exigências ao capital estrangeiro, acreditando que o crescimento econômico compensaria toda a liberdade que se desse às transnacionais”, diz Rodrigues.
Apesar do momento político contrário, a Cepal não esmoreceu seu discurso, na opinião do economista. Ele atenta que já havia certa dispersão, a falta de uma unidade intelectual, mas que persistiu dentro da entidade focos do movimento pela regulação das ações das empresas transnacionais, mesmo porque, do ponto de vista brasileiro, o contexto no final dos 60 era de grave crise nas contas externas. “Celso Furtado, que ainda influenciava bastante a agenda das instituições, alertava que as transnacionais cumpriam um papel muito claro no desenvolvimento latino-americano e principalmente brasileiro: atender aos anseios das elites em se modernizar e alcançar estilos de vida parecidos com os das nações centrais, ainda que a população pagasse a conta da concentração de renda e da vulnerabilidade externa”.
Rodrigues observa que vem desta época o mito alimentado pelos governos militares de que o crescimento dependente do capital estrangeiro iria resolver os problemas de todas as classes sociais e promover a integração do continente. “Uma senda de prosperidade que não se verificou”, lembra. O autor delimita uma fase distinta da Cepal, entre o final dos 70 e início dos 80, tendo à frente o chileno Fernando Fajnzylber, que inclui na pauta da instituição idéias renovadas sobre a industrialização e a necessidade de políticas industriais. “Basicamente, é isto que eu retrato na dissertação. Cada mudança na liderança intelectual reflete uma postura da Cepal frente às empresas transnacionais, cada vez mais liberal”, esclarece.
Novos rumos
Quando se chega aos anos 80, com uma crise do padrão de crescimento acumulado ao longo daqueles 30 anos na economia brasileira, Rodrigues observa que a Cepal passa a participar de um debate sobre os malefícios do padrão de desenvolvimento anterior. “O debate era mais sobre as razões da crise, e muitos economistas recorriam ao simplismo de confrontar Estado e mercado, em detrimento do primeiro. Mas a Cepal não se volta contra o Estado: ainda tenta mostrar as potencialidades do planejamento econômico, defendendo um pensamento já desgastado politicamente, com intelectuais que pregavam idéias sem o mesmo vigor e a aceitação de antes”, compara.
Esta tendência, como ressalta Rodrigues, vai se acirrar nos anos 90, pois a resposta à crise da década anterior é uma abertura econômica mais radical em todos os países latino-americanos, com o Brasil sofrendo da mesma sina. “A Cepal, então, já não conta sequer com a influência de Raúl Prebisch, que morre em 1986, e de Furtado, que teve problemas de saúde e passou a publicar pouco”, constata. Ele constata também que, embora a Cepal não tenha entrado no discurso de que o capital estrangeiro era uma panacéia para todos os problemas econômicos da América Latina, seus pensadores – “salvo honrosas exceções” – compraram a idéia de que a postura liberal e incentivadora das ações das transnacionais seria benéfica para as economias da região.
Cuidadoso, Fernando Henrique Rodrigues evita a visão de que este modelo fortemente baseado nas empresas transnacionais é imposto de fora para dentro, como se os demais atores sociais se opusessem à sua ação indiscriminada. “Nos anos 90, vendo-se em meio a uma crise, a burguesia nacional vai aceitando e achando até favorável este modelo, trocando boa parte das atividades produtivas pelas atividades especulativas do mercado financeiro, e deixando vários dos grandes setores da economia para as empresas estrangeiras. Uma das lições que a Cepal nos deixa, é que sempre há uma simbiose entre os interesses internos e externos dentro do país. Ou seja, existem alguns interesses comuns que viabilizam esta aliança tática entre o capital estrangeiro e o capital nacional, possibilitando que as transnacionais sempre ganhem força política. Isto é uma constante no nosso processo de desenvolvimento”.
Breve histórico das transnacionais
O economista Fernando Henrique Rodrigues, repassando por alto a história das empresas transnacionais no Brasil, lembra que nos anos 1950 elas viabilizaram alguns setores estratégicos da industrialização. Nos anos 70, essas empresas passaram a oferecer bens duráveis de consumo – objetos de desejo como a geladeira, a televisão e o automóvel. Nos anos 90, as transnacionais chegaram para comprar os ativos do Estado e do capital nacional – estes viram na privatização a mágica que equilibraria nossas contas públicas e também traria fôlego no setor externo – e dominaram o setor de serviços, notadamente o bancário, o elétrico e o de telecomunicações.
Rodrigues observa que era um cenário totalmente avesso ao pregado pela Cepal na sua criação, quando defendia uma agenda coerente com os objetivos de desenvolvimento nacional, visando o emprego, a redução de desigualdades e o acesso ao progresso tecnológico. “Essa estratégia da instituição era desenhada a partir do Estado e nela as empresas transnacionais representavam um apêndice. Elas deveriam atuar em setores específicos, onde é mais difícil obter tecnologia pela simples importação e onde pudessem nos ajudar a exportar bens industriais e encorpar nossa produção de tecnologia”.
Esta agenda, no entanto, deixou de ser de planejamento e, nos anos 90, passou a vingar na Cepal o pensamento de que o problema não estava na regulação, mas na atração de mais empresas transnacionais. Isso implicou na política de incentivos fiscais, vista como receita para a geração de empregos. Na prática, segundo Fernando Henrique Rodrigues, houve pouco impacto no número de empregos, muitas perdas fiscais e o modelo trouxe poucos benefícios à maioria da população. “Em documento recente da Cepal, encontram-se vários elogios à privatização das telecomunicações, destacando um eventual salto tecnológico. No entanto, devemos perguntar quantos têm acesso a esta tecnologia e se o país se capacitou para continuar a produzi-la”, questiona.
Rodrigues acrescenta que as empresas transnacionais, hoje, estão muito presentes nos serviços que antes eram públicos e que não têm o mesmo dinamismo da indústria. Mesmo no setor industrial, essas empresas aplicaram políticas de produtividade muito fortes, enxugando empregos sem que houvesse a criação de alternativas em outros setores. Ainda na opinião do economista, a inserção externa do ponto de vista industrial também foi muito frágil e o ganho de mercados pequeno, ao mesmo tempo em que o crescimento do mercado interno mostrou-se medíocre. “As empresas transnacionais, tornando-se líderes na indústria e nos serviços, ganharam enorme peso nas negociações com o governo, não havendo políticas que toquem em seus interesses. Na própria Cepal, as transnacionais agora são vistas como principal agente dentro do processo de desenvolvimento”.
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