Classe média. Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira
"A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos pagos pelo Estado que a ortodoxia convencional lhes oferecia por meio da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si própria, portanto) câmbio baixo, não competitivo. Os pobres, por sua vez, receberam aquilo que foi tacitamente decidido no grande acordo da transição democrática", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emérito da FGV-SP, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney), em artigo publicado hoje, 13-12-2006, no jornal Folha de S. Paulo. Segundo ele, "
A classe esquecida -estrangulada entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média".
"A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos pagos pelo Estado que a ortodoxia convencional lhes oferecia por meio da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si própria, portanto) câmbio baixo, não competitivo. Os pobres, por sua vez, receberam aquilo que foi tacitamente decidido no grande acordo da transição democrática", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emérito da FGV-SP, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney), em artigo publicado hoje, 13-12-2006, no jornal Folha de S. Paulo. Segundo ele, "
A classe esquecida -estrangulada entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média".
Eis o artigo.
"Não devemos subestimar os riscos que esse quadro apresenta. A crise que a classe média enfrenta é a própria crise do Brasil
A classe média já teve melhores dias no Brasil. No período de grande desenvolvimento, ela desempenhou um papel estratégico e cresceu extraordinariamente. Na quase estagnação dos últimos 26 anos, entrou em declínio.
Seus anos de glória foram os da industrialização e do nacional-desenvolvimentismo -período entre 1930 e 1980, quando o Brasil crescia a uma taxa média anual per capita de 4%.
Nos tempos do Império e da República Velha, mal existia, era um estamento de servidores públicos e de profissionais liberais ligados ao Estado e à classe patriarcal proprietária de terras.
O quadro mudou entre 1930 e 1960, quando surgiu uma grande classe média de empresários industriais, comerciais e agrícolas; e mudou novamente nos anos 1970, quando ganhou prestígio e poder uma nova classe média profissional ou tecnoburocrática trabalhando para as grandes empresas e para as organizações públicas.
Desde 1980, porém, o país está quase estagnado. Cresce menos de 1% per capita ao ano, e a grande prejudicada é a classe média: tanto a burguesa ou empresarial quanto a profissional.
Foi essa classe média que, associada aos grandes empresários industriais, no início dos anos 1980, liderou o movimento político pela democracia; foi ela que lutou com denodo contra a injustiça social que o regime militar agravara; mas, em 1985, quando a transição democrática se completou, nem a classe média profissional -que, em todo o mundo, desempenha um papel cada vez mais central- nem os empresários souberam como repensar o desenvolvimento econômico que havia sido paralisado cinco anos antes.
Não souberam pois, preocupados em combater o autoritarismo e a desigualdade, não haviam dado a importância necessária à autonomia nacional, pressupondo que o desenvolvimento econômico estava assegurado.
Em 1980, quando se desencadeou a crise, não foram capazes de enfrentar os novos tempos com novas idéias -não se mostraram capazes de formular uma estratégia nacional de desenvolvimento para competir com os países ricos na era do capitalismo global. Em vez disso, se subordinaram a esses mesmos países.
O velho nacional-desenvolvimentismo fora uma estratégia nacional bem-sucedida, mas se esgotara; a nova submissão à ortodoxia convencional, ou seja, aos diagnósticos, recomendações e pressões que vinham de nossos competidores ricos naturalmente não era agora o caminho para o desenvolvimento econômico. Sem projeto de nação, sem estratégia nacional de desenvolvimento, o país parou. Os processos de redistribuição e reconcentração da renda, porém, não se paralisaram.
A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos pagos pelo Estado que a ortodoxia convencional lhes oferecia por meio da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si própria, portanto) câmbio baixo, não competitivo.
Os pobres, por sua vez, receberam aquilo que foi tacitamente decidido no grande acordo da transição democrática: entendeu-se então que a desigualdade radical existente na sociedade brasileira seria enfrentada com o aumento do gasto público em educação, saúde e assistência social. Os governos democráticos que se sucederam cumpriram o acordo, dobrando os gastos sociais em termos de percentagem do PIB. Os benefícios não resolveram o problema da injustiça social, mas aliviaram um pouco a miséria ou a pobreza de muitos.
A classe esquecida -estrangulada entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média.
Nas últimas eleições, esse quadro assumiu caráter político: a classe média foi a grande derrotada. Ora, não devemos subestimar os riscos que esse quadro apresenta. Um país será tanto mais próspero e estável politicamente quanto mais ampla e prestigiada for sua classe média. A crise que essa classe enfrenta é a própria crise do Brasil. É a crise de todo um conjunto de idéias que alimentaram a classe média brasileira nos últimos anos. É uma crise que só será resolvida quando ela própria reencontrar a nação e redescobrir o caminho do desenvolvimento econômico."
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