resistir info - 20 ago 2013
– Robert Ford, o embaixador especializado em montar Esquadrões da Morte
por Melkulangara Bhadrakumar
[*]
A nomeação de
Robert Ford
como novo embaixador americano no
Egipto foi realmente o sinal agourento de que a administração
Obama esperava que as condições para uma guerra civil aumentassem
no Egipto. O forte de Ford durante a muito bem sucedida missão
"diplomática" em Bagdad nos meados da última
década era organizar os infames esquadrões da morte, os quais
dilaceraram a Mesopotâmia e destruíram o Iraque quase
irreparavelmente.
Da mesma forma, Ford desempenhou um papel seminal no seu posto seguinte como embaixador, em Damasco em 2011, ao conseguir desencadear com êxito a guerra civil síria. Ford é a encarnação viva da espantosa realidade de que entre as administrações George W. Bush e Barack Obama não houve qualquer mudança real nas políticas dos Estados Unidos no Médio Oriente destinadas a perpetuar sua hegemonia regional.
Não há dúvida de que o plano de jogo dos EUA é desestabilizar e destruir o Egipto, do mesmo modo como o Iraque e a Síria foram destruídos a fim de assegurar a segurança absoluta de Israel na região no futuro concebível.
Esta é a conclusão que certamente se podia retirar quando na quarta-feira a junta egípcia efectuava o assassinato em massa de centenas de manifestantes egípcios. Começou então um banho de sangue de horrendas proporções no Egipto.
Os militares egípcios são literalmente a criação dos EUA. A ajuda militar americana é vital para a junta egípcia. A agenda real por trás do derrube do governo eleito do presidente Mohamed Morsi não pode mais ser escondida. As desculpas da América propalam por toda a parte a estória de que Morsi pagou o preço da intransigência política e de fechar as portas à democracia "inclusiva".
Mas o banho de sangue que começou no Egipto revela que a agenda americana real conta uma estória diferente. Esta é que começou um processo para empurrar aquele país para o abismo de uma guerra civil, da qual poderá nunca mais retornar na condição de coração vibrante do "arabismo".
A junta militar não tem intenções de transferir o poder para um governo democraticamente eleito. Os americanos estiveram a fazer movimentos no sentido de persuadir a junta a retornar aos quartéis de um modo calibrado, tendo em vista criar a impressão de que Washington está no "lado certo da história" no Médio Oriente.
Mas na realidade Washington conta com a junta para perseguir políticas de segurança que sirvam os interesses de Israel. Este é ponto principal para a administração Obama e a junta também sabe disso. O esquivar da palavra "golpe", o despacho de importantes enviados para encontrarem-se com Morsi na prisão, o aparecimento de John McCain no Cairo – tudo isso são meros diversionismos para enganar a opinião pública internacional.
O cerne da questão é que os EUA estão imensamente satisfeitos em que a junta egípcia esteja a apertar os parafusos sobre o Hamas e a ajudar a reimpor o bloqueio de Gaza. Por outro lado, o Cairo tornou-se outra vez o poço de abastecimento para o presidente palestino Mahmoud Abbas – como costumava ser na era de Hosni Mubarak – o qual é um boneco sobre a corda desejoso de dançar no tom de Washington e Tel Aviv, o que por vez serve para criar a ilusão de um processo de paz no Médio Oriente sob mediação americana, onde realmente não existe nenhum.
Em suma, o que emerge é que há acordo conjunto americano-saudita-israelense sobre o Egipto. O regime saudita nunca escondeu sua antipatia para com o governo de Morsi e sua obsessão com a Irmandade Muçulmana. O regime saudita está mortalmente temeroso de que a ascendência da Irmandade no Egipto dentro de um quadro democrático estabeleça um exemplo irresistível para a "Rua Árabe" nas oligarquias do Golfo Pérsico. Os sauditas, em poucas palavras, estão desejosos de financiar a junta egípcia desde que esta suprima a Irmandade e impeça os Irmãos de avançarem seu programa de forçar mudanças de regime nos estados do Conselho de Cooperação do Golfo.
Para a administração Obama, também, o papel saudita é crucial para que a mudança de regime no Cairo não custe nada ao contribuinte americano e para que os EUA não sejam chamados a gastar dinheiro para salvar a economia egípcia. Basta dizer que a convergência de interesses entre os EUA, Israel e Arábia Saudita é de quase 100 por cento no que se refere à preservação da junta militar no Egipto – politicamente, financeiramente e militarmente.
A voz solitária da Turquia que fala sem rodeios e exprime persistente oposição à tomada de poder militar no Egipto está a demonstrar-se ineficaz conta uma falange tão formidável dos EUA e seus aliados regionais a posicionarem-se por trás da junta. De qualquer modo, a Turquia desacreditou-se extremamente por si própria pela sua interferência na Síria e falta-lhe postura moral para defender outra vez a Primavera Árabe e a reforma no Médio Oriente. Além disso, é objecto de discussão se o governo islâmico na Turquia chegaria a sobreviver se não se encostasse a Israel o suficiente e repelisse suas políticas regionais independentes.
Também o Irão tem seguido um caminho duplo em relação ao Egipto no período que se seguiu ao derrube do governo Morsi. Por um lado, ironicamente, partilha a apreensão saudita de que a Irmandade exerça um grau de influência regional (especialmente sobre o conflito na Síria) que a torne um trunfo no baralho do Médio Oriente. Por outro lado, ficou desapontado e sentiu-se frustrado pelo pragmatismo mostrado pelo governo Morsi ao não confrontar Israel vigorosamente e, ao invés, manter uma boa química com a administração Obama. Naturalmente, a Irmandade retirou o Hamas do campo da "resistência" liderado pelo Irão e ajudou a cimentar os dois anos de galanteios do Hamas com o regime do Qatar, o que por sua vez ajudou a reforçar o eixo regional anti Irão envolvendo a Turquia, o Qatar e o Egipto.
Dito isto, o Irão também vê claramente a mão americana-israelense-saudita a escorar a junta militar no Egipto e tem a esperança pouco viável de que acabariam por se levantar contradições entre os protagonistas. Em última análise, a ascensão das forças salafistas no Egipto, a qual está a verificar-se sob a junta militar com protecção saudita, não é definitivamente do interesse do Irão. O Irão deve saber que é uma questão de tempo até que a subida salafista se torne um instrumento de políticas regionais para os EUA e a Arábia Saudita em variados teatros no Grande Médio Oriente – que vão desde o Levante até o Afeganistão e a Ásia Central.
Acima de tudo, o Irão também está ansioso por promover os incipientes contactos governo-a-governo entre Teerão e Cairo, o que o torna reticente em alienar os novos dominadores no Egipto. Na verdade, o desligamento da junta egípcia do conflito sírio é em si próprio um desenvolvimento positivo na perspectiva iraniana. Portanto, a política iraniana em relação aos desenvolvimentos no Egipto está realmente presa nos espasmos de um dilema sem esperança, o qual não vai ser fácil resolver.
Em grande parte do mundo não muçulmano em geral, a tendência despreocupada tem sido encarar os desenvolvimentos egípcios como um conflito entre secularismo e Islão político. Há, não surpreendentemente, um sentimento de empatia nos democratas para com as forças "laicas" no Egipto. (A saída do Prémio Nobel Mohamed El Baradei do governo interino deveria no entanto abrir os olhos.) Consequentemente, desenvolveu-se uma ambivalência estratégica – como aconteceu durante a brutal guerra civil na Argélia – em que se considera ser o Islão político uma coisa perniciosa e antitética à democracia pluralista e aos direitos humanos, e daí por vezes a coerção e mesmo a força militar pode tornar-se necessária para conter o seu surto.
Portanto, na sua quinta-essência, a batalha que está a ser travada pela alma do Egipto é inteiramente geopolítica. Mesmo a pretensão final de que tudo isto é acerca da mítica Primavera Árabe está a ser descartada. Da perspectiva de Washington, o Egipto é um jogador demasiado importante no tabuleiro de xadrez do Médio Oriente. E a administração Obama está determinada a manter o Egipto como seu estado vassalo a qualquer custo pois do contrário toda a estratégia regional dos EUA no Médio Oriente cravada na dominância de segurança e militar de Israel começaria a descarrilar. Ponto.
A alta probabilidade, portanto, é que a junta militar egípcia não será denegrida pela sua repressão da Irmandade. A junta fez cuidadosamente o seu trabalho de casa e concluiu que pode tomar como garantida a cobertura de Washington – mesmo enquanto a administração Obama continua a falar de boca para fora em "democracia inclusiva" nas margens do Nilo para impressionar os árabes e a opinião pública mundial – ao mesmo temo que colabora com o establishment de segurança de Israel. A generosa assistência financeira saudita cria muito espaço para a junta egípcia manobrar e cria espaço para a sua sobrevivência.
Obama pode também adoptar uma visão estóica de que afinal de contas foi a um presidente americano que ele considera como modelo, Franklin D. Roosevelt, que pode ser atribuída a declaração desavergonhada, cínica e a sangue frio que habitualmente lhe é atribuída – "Somoza [ditador da Nicarágua] pode ser um filho da puta, mas ele é o nosso filho da puta".
[*]
Ex-embaixador da Índia e analista político.
Da mesma forma, Ford desempenhou um papel seminal no seu posto seguinte como embaixador, em Damasco em 2011, ao conseguir desencadear com êxito a guerra civil síria. Ford é a encarnação viva da espantosa realidade de que entre as administrações George W. Bush e Barack Obama não houve qualquer mudança real nas políticas dos Estados Unidos no Médio Oriente destinadas a perpetuar sua hegemonia regional.
Não há dúvida de que o plano de jogo dos EUA é desestabilizar e destruir o Egipto, do mesmo modo como o Iraque e a Síria foram destruídos a fim de assegurar a segurança absoluta de Israel na região no futuro concebível.
Esta é a conclusão que certamente se podia retirar quando na quarta-feira a junta egípcia efectuava o assassinato em massa de centenas de manifestantes egípcios. Começou então um banho de sangue de horrendas proporções no Egipto.
Os militares egípcios são literalmente a criação dos EUA. A ajuda militar americana é vital para a junta egípcia. A agenda real por trás do derrube do governo eleito do presidente Mohamed Morsi não pode mais ser escondida. As desculpas da América propalam por toda a parte a estória de que Morsi pagou o preço da intransigência política e de fechar as portas à democracia "inclusiva".
Mas o banho de sangue que começou no Egipto revela que a agenda americana real conta uma estória diferente. Esta é que começou um processo para empurrar aquele país para o abismo de uma guerra civil, da qual poderá nunca mais retornar na condição de coração vibrante do "arabismo".
A junta militar não tem intenções de transferir o poder para um governo democraticamente eleito. Os americanos estiveram a fazer movimentos no sentido de persuadir a junta a retornar aos quartéis de um modo calibrado, tendo em vista criar a impressão de que Washington está no "lado certo da história" no Médio Oriente.
Mas na realidade Washington conta com a junta para perseguir políticas de segurança que sirvam os interesses de Israel. Este é ponto principal para a administração Obama e a junta também sabe disso. O esquivar da palavra "golpe", o despacho de importantes enviados para encontrarem-se com Morsi na prisão, o aparecimento de John McCain no Cairo – tudo isso são meros diversionismos para enganar a opinião pública internacional.
O cerne da questão é que os EUA estão imensamente satisfeitos em que a junta egípcia esteja a apertar os parafusos sobre o Hamas e a ajudar a reimpor o bloqueio de Gaza. Por outro lado, o Cairo tornou-se outra vez o poço de abastecimento para o presidente palestino Mahmoud Abbas – como costumava ser na era de Hosni Mubarak – o qual é um boneco sobre a corda desejoso de dançar no tom de Washington e Tel Aviv, o que por vez serve para criar a ilusão de um processo de paz no Médio Oriente sob mediação americana, onde realmente não existe nenhum.
Em suma, o que emerge é que há acordo conjunto americano-saudita-israelense sobre o Egipto. O regime saudita nunca escondeu sua antipatia para com o governo de Morsi e sua obsessão com a Irmandade Muçulmana. O regime saudita está mortalmente temeroso de que a ascendência da Irmandade no Egipto dentro de um quadro democrático estabeleça um exemplo irresistível para a "Rua Árabe" nas oligarquias do Golfo Pérsico. Os sauditas, em poucas palavras, estão desejosos de financiar a junta egípcia desde que esta suprima a Irmandade e impeça os Irmãos de avançarem seu programa de forçar mudanças de regime nos estados do Conselho de Cooperação do Golfo.
Para a administração Obama, também, o papel saudita é crucial para que a mudança de regime no Cairo não custe nada ao contribuinte americano e para que os EUA não sejam chamados a gastar dinheiro para salvar a economia egípcia. Basta dizer que a convergência de interesses entre os EUA, Israel e Arábia Saudita é de quase 100 por cento no que se refere à preservação da junta militar no Egipto – politicamente, financeiramente e militarmente.
A voz solitária da Turquia que fala sem rodeios e exprime persistente oposição à tomada de poder militar no Egipto está a demonstrar-se ineficaz conta uma falange tão formidável dos EUA e seus aliados regionais a posicionarem-se por trás da junta. De qualquer modo, a Turquia desacreditou-se extremamente por si própria pela sua interferência na Síria e falta-lhe postura moral para defender outra vez a Primavera Árabe e a reforma no Médio Oriente. Além disso, é objecto de discussão se o governo islâmico na Turquia chegaria a sobreviver se não se encostasse a Israel o suficiente e repelisse suas políticas regionais independentes.
Também o Irão tem seguido um caminho duplo em relação ao Egipto no período que se seguiu ao derrube do governo Morsi. Por um lado, ironicamente, partilha a apreensão saudita de que a Irmandade exerça um grau de influência regional (especialmente sobre o conflito na Síria) que a torne um trunfo no baralho do Médio Oriente. Por outro lado, ficou desapontado e sentiu-se frustrado pelo pragmatismo mostrado pelo governo Morsi ao não confrontar Israel vigorosamente e, ao invés, manter uma boa química com a administração Obama. Naturalmente, a Irmandade retirou o Hamas do campo da "resistência" liderado pelo Irão e ajudou a cimentar os dois anos de galanteios do Hamas com o regime do Qatar, o que por sua vez ajudou a reforçar o eixo regional anti Irão envolvendo a Turquia, o Qatar e o Egipto.
Dito isto, o Irão também vê claramente a mão americana-israelense-saudita a escorar a junta militar no Egipto e tem a esperança pouco viável de que acabariam por se levantar contradições entre os protagonistas. Em última análise, a ascensão das forças salafistas no Egipto, a qual está a verificar-se sob a junta militar com protecção saudita, não é definitivamente do interesse do Irão. O Irão deve saber que é uma questão de tempo até que a subida salafista se torne um instrumento de políticas regionais para os EUA e a Arábia Saudita em variados teatros no Grande Médio Oriente – que vão desde o Levante até o Afeganistão e a Ásia Central.
Acima de tudo, o Irão também está ansioso por promover os incipientes contactos governo-a-governo entre Teerão e Cairo, o que o torna reticente em alienar os novos dominadores no Egipto. Na verdade, o desligamento da junta egípcia do conflito sírio é em si próprio um desenvolvimento positivo na perspectiva iraniana. Portanto, a política iraniana em relação aos desenvolvimentos no Egipto está realmente presa nos espasmos de um dilema sem esperança, o qual não vai ser fácil resolver.
Em grande parte do mundo não muçulmano em geral, a tendência despreocupada tem sido encarar os desenvolvimentos egípcios como um conflito entre secularismo e Islão político. Há, não surpreendentemente, um sentimento de empatia nos democratas para com as forças "laicas" no Egipto. (A saída do Prémio Nobel Mohamed El Baradei do governo interino deveria no entanto abrir os olhos.) Consequentemente, desenvolveu-se uma ambivalência estratégica – como aconteceu durante a brutal guerra civil na Argélia – em que se considera ser o Islão político uma coisa perniciosa e antitética à democracia pluralista e aos direitos humanos, e daí por vezes a coerção e mesmo a força militar pode tornar-se necessária para conter o seu surto.
Portanto, na sua quinta-essência, a batalha que está a ser travada pela alma do Egipto é inteiramente geopolítica. Mesmo a pretensão final de que tudo isto é acerca da mítica Primavera Árabe está a ser descartada. Da perspectiva de Washington, o Egipto é um jogador demasiado importante no tabuleiro de xadrez do Médio Oriente. E a administração Obama está determinada a manter o Egipto como seu estado vassalo a qualquer custo pois do contrário toda a estratégia regional dos EUA no Médio Oriente cravada na dominância de segurança e militar de Israel começaria a descarrilar. Ponto.
A alta probabilidade, portanto, é que a junta militar egípcia não será denegrida pela sua repressão da Irmandade. A junta fez cuidadosamente o seu trabalho de casa e concluiu que pode tomar como garantida a cobertura de Washington – mesmo enquanto a administração Obama continua a falar de boca para fora em "democracia inclusiva" nas margens do Nilo para impressionar os árabes e a opinião pública mundial – ao mesmo temo que colabora com o establishment de segurança de Israel. A generosa assistência financeira saudita cria muito espaço para a junta egípcia manobrar e cria espaço para a sua sobrevivência.
Obama pode também adoptar uma visão estóica de que afinal de contas foi a um presidente americano que ele considera como modelo, Franklin D. Roosevelt, que pode ser atribuída a declaração desavergonhada, cínica e a sangue frio que habitualmente lhe é atribuída – "Somoza [ditador da Nicarágua] pode ser um filho da puta, mas ele é o nosso filho da puta".
O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/article35880.htm
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