Dr. Rosinha: Em sociedade machista, estuprador vive livre e a vítima presa
publicado em 21 de agosto de 2013 às 16:27
Da violência me libertei
Dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Luciana (nome fictício para preservá-la) é uma mulher jovem e
inteligente. Aos 12 anos, foi violentada e estuprada. Pela exigência da
moral cristã, dos bons costumes e da família e também pelo machismo e
por uma cultura nacional (hoje, acredito, restrita a algumas regiões e
famílias), foi obrigada a se casar. Casar com o estuprador, que era um
conhecido (amigo) da família. A partir do estupro começa uma vida de
muito sofrimento.
Casada com seu algoz teve três filhos, nenhum fruto do amor, mas todos amados pela mãe e violentados pelo pai.
Atualmente, por ordem judicial, Luciana vive na Casa Abrigo, e também
por ordem judicial perdeu o direito de morar na casa financiada em seu
nome pela Caixa Econômica Federal. Também por ordem judicial perdeu o
direito de plantar num pequeno lote, que também é seu, onde é, ou
melhor, era assentada.
Decide o juiz que esse pequeno patrimônio (casa e sítio), que
pertence à Luciana, enquanto não for julgado todo o processo do qual é
vítima, é de usufruto do ex-marido, pois ele precisa da renda desse
pequeno patrimônio, segundo o juiz, para pagar a pensão. Coisa que nunca
fez.
Ao conhecer o caso de Luciana, lembrei-me do “Estatuto do Nascituro”
que está tramitando na Câmara dos Deputados. Projeto, na minha
concepção, legitimamente chamado pelas feministas de “Bolsa Estupro”.
Esse projeto estabelece uma ajuda (bolsa) financeira à mulher vítima de
estupro. Ao propor isso, legitima a violência contra a mulher.
O projeto, ao permitir o reconhecimento do filho por parte do
estuprador, transforma o agressor (criminoso) em genitor. Isso é cruel
com a mulher (vítima). Já a mulher que fizer o aborto passa a ser vista
pela sociedade como alguém sem coração. Em ambos os casos, vítimas duas
vezes.
A bolsa estupro criará centenas ou milhares de Lucianas. Lucianas estupradas e violentadas serão obrigadas a se casarem.
Afirma Luciana: “da violência me libertei, fugi de casa”. Libertou-se
da violência, mas ao ser obrigada a ficar na Casa Abrigo, passa a ser
prisioneira do Estado. Libertou-se da violência física, mas não do medo.
Libertou-se, mas perdeu o direito de ir e vir. Não ganhou a liberdade.
Na audiência com a promotora do Ministério Público, esta pediu a
Luciana para retirar a queixa da violência e do estupro sob a alegação
que ele “é um coitadinho, um ser humano”. Luciana termina de fazer esse
relato e com os olhos cheios de lágrimas e tristeza nos pergunta: “e eu o
que sou? Sou o que? Não sou humana?” Não bastasse isso, o Ministério
Público pediu a absolvição do agressor.
Hoje Luciana está proibida de sair da Casa Abrigo. Abrigada não pode
sair para estudar, visitar amigos e parentes. Para que os filhos
pudessem estudar teve que entrar na Justiça e ganhar esse direito das
crianças.
A (in)justiça está presente em toda história de Luciana. Como
demonstração, reproduzo uma frase da decisão proferida em juízo,
absolvendo o denunciado (ex-marido de Luciana) pela prática de crimes
contra a mulher:
“Ademais, não se pode olvidar que a
vítima mentiu quando disse que não havia traído o réu, eis que seu
próprio ‘ficante’ afirmou em juízo que os relacionamentos amorosos
ocorreram enquanto ainda persistia convivência marital (vide depoimento
de fl.)! Aliás, parece ter mentido por duas vezes, pois quanto ao
suposto enforcamento, em que pese repousar nos autos prova das lesões
sofridas, observo que a testemunha …….., vizinha do casal, confirmou
versão do acusado ao expor que a própria vítima foi quem se autolesionou
em franca tentativa de incriminar o réu”.
Segundo análise da advogada que acompanha o fato, a
“motivação é preocupante. De um lado, não
existe qualquer excludente de ilicitude ou de culpabilidade dos crimes
de violência doméstica relacionada à infidelidade conjugal. De outro, em
não sendo a infidelidade um ilícito, é completamente dispensável a
menção a esse fato na sentença, que sugere um julgamento moral e não
jurídico da mulher vítima de violência. Além disso, o magistrado
dispensa uma prova pericial de lesão corporal face a uma prova
testemunhal, sem maiores justificações para fazê-lo”.
Apesar da prova pericial demonstrando a agressão (tentativa
de feminicídio por enforcamento), o juiz afirma textualmente que a
vítima se autolesionou. O juiz usa a “traição” para justificar a ação do
agressor, quando a infidelidade não é crime.
Na nossa sociedade machista, de instituições machistas, o criminoso
vive livre e a vitima presa na Casa Abrigo, já por cerca de sete meses.
Dr. Rosinha, médico pediatra é deputado
federal (PT-PR) e presidente da Comissão de Seguridade Social e Família
da Câmara dos Deputados. No twitter: @DrRosinha.
Absurda a decisão judicial. Não quero acreditar que essa decisão seria dada por outros magistrados. Mais uma prova de que o judiciário necessita de uma fiscalização externa. E que esse tipo de magistrado seja excluído e não aposentado.
Nunca imaginei uma pessoa tentando se enforcar como afirma o magistrado seria capaz de ir tão longe a ponto de provocar lesões. A única coisa que me ficou a dúvida no caso é: foi enforcamento? Ou o magistrado e advogada precisam estudar melhor os termos.
Pois se foi enforcamento. Como a vítima se salvou? Houve a ruptura da "corda" que a prendia (no caso de ter sido a mesma que se autoflagelou) ou como o agressor conseguiu pôr a vítima em uma condição de enforcamento? Muito esquisito o caso. Ou, os termos estão errados e tanto o magistrado, quanto a advogada, não sabem a diferença entre esganadura (que pelo relato, penso ser o caso) e enforcamento.
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