viomundo - publicado em 20 de agosto de 2013 às 4:52
Carajás é da China
A nova frente de produção que a Vale está abrindo em Carajás, no
Estado do Pará, é superlativa. Trata-se do maior investimento as
mineradora em toda a sua história, de 70 anos. Quando os 19,7 bilhões de
dólares (em torno de 40 bilhões de reais) tiverem sido inteiramente
aplicados, a mina de Serra Sul estará em condições de acrescentar 90
milhões de toneladas anuais à produção da ex-estatal. Com duas outras
expansões na área, a província mineral de Carajás passará de 120 milhões
para 250 milhões de toneladas por ano de minério de ferro.
Isso acontecerá em 2017, quando o Pará passará à frente de Minas
Gerais como a maior fonte de minério de ferro da antiga Companhia Vale
do Rio Doce. Será mais do que a relação de 250 milhões para 200 milhões
de toneladas de produção entre os dois principais Estados mineradores do
Brasil.
O minério de Carajás é mais rico e mais fácil de extrair. Com a
exaustão de algumas jazidas de Minas, a Vale terá que se aventurar no
seu Estado de origem pelo itabirito, minério mais duro e pobre, para
manter a escala de produção.
A diferença mais importante, porém, é o destino da produção. Carajás
consolidará a posição da Vale de maior vendedora interoceânica de
minério de ferro do mundo. Seu minério, com teor de hematita superior a
66%, tem mercado garantido no exterior, enquanto o produto de Minas será
cada vez mais destinado a abastecer o mercado nacional. Carajás será a
principal mina de atendimento internacional que existe.
Daí a dimensão extraordinária do projeto de expansão. Enquanto a
primeira jazida levou alguns anos para chegar ao seu tamanho de projeto,
de 25 milhões de toneladas, S11D dará partida já com 90 milhões de
toneladas na bitola.
A partir do início das obras de terraplenagem, que aconteceu no
começo deste mês, essa meta será atingida em apenas quatro anos, graças
às inovações e à diretriz de investir maciçamente no empreendimento, 30%
maior do que o custo da polêmica hidrelétrica de Belo Monte.
O mundo tem pressa de se servir de um minério rico, fácil de extrair e
de custo proporcionalmente inferior ao de qualquer outra mina das
mesmas dimensões, em valores absolutos, embora sem o mesmo teor. Por
isso, imune – ou, pelo menos, bem protegido em relação – às flutuações
previstas para o setor pelos próximos anos. Uma fonte cativa para os
grandes consumidores de minério, sobretudo as siderúrgicas asiáticas, à
frente a China.
Mas isso interessa realmente ao Pará e ao Brasil? Numa entrevista que deu ao Valor,
o geólogo Breno Augusto dos Santos, o primeiro a identificar o minério
de ferro de Carajás, em 31 de julho de 1967 (cujos 46 anos da descoberta
motivaram o interesse do jornal paulista), observou: “Se Carajás fosse
na China, na Coréia ou na Alemanha, de lá estariam saindo automóveis,
locomotivas ou computadores”. E logo acrescentou: “Mas essa não é uma
função da Vale”.
Não é mesmo? Este é o aspecto chave da questão. A Vale se livra das
responsabilidades pela exploração de minério bruto alegando ser apenas
uma mineradora. Outras empresas deviam cuidar do beneficiamento. E o
governo, principalmente, devia exercer o seu papel de fomentador desses
investimentos.
A empresa não tem culpa se as outras partes não fazem o que lhes
cabe. Daí a inexpressividade dos rendimentos que uma atividade de tão
grande porte proporciona ao Pará.
O Estado não tem agregação de valor à sua riqueza natural e ainda é
privado da receita tributária que essa atividade devia lhe oferecer, por
causa da imunidade conferida às matérias primas e produtos semiacabados
pela nefanda “lei Kandir”, de autoria do então deputado e economista de
São Paulo, que lhe emprestou o nome.
Não é bem assim. O Programa Grande Carajás foi induzido pela então
estatal CVRD durante o início do governo Figueiredo, o último do regime
militar, a partir de 1980. Interessava à empresa ter um prospecto de
aproveitamento econômico mais amplo, que valorizasse e legitimasse a
concessão federal dada à ferrovia de Carajás.
Fazendo uma análise retrospectiva do “Carajazão”, delegado a um
conselho interministerial, diretamente subordinado à presidência da
república, pode-se chegar à conclusão de que foi um foguetório de
ilusão, uma espécie de para-raios e habeas corpus a um projeto de mera
extração mineral. Um boi atirado às piranhas para permitir a passagem da
boiada de minério.
Mesmo com a Vale estatal já era difícil ao governo exercer controle
sobre os impulsos da empresa e a teia dos seus interesses
internacionais, criados, confirmados e cultivados por seus agentes, uma
autêntica tecnoburocracia cosmopolita (cujo modelo é Eliezer Batista, o
pai de Eike).
Essa lacuna se acentuou com a privatização. Tornou-se mais nítida a
distinção entre os negócios feitos pela empresa no exterior e os
interesses nacionais. Mais do que distinção, o antagonismo.
Ficou evidente o interesse da Vale em agradar aos seus grandes
clientes chineses, japoneses e de outros países, sem os quais sua
grandiosidade estaria comprometida. A empresa passou a atuar como
viabilizadora desses interesses na medida em que se restringia à
extração mineral em escala crescente para a exportação.
Adaptando a frase de Breno, pode-se dizer que nenhum governo na
China, Coréia e Alemanha permitiria que uma empresa de mineração
crescesse de forma a exercer controle total sobre o circuito da
extração, transporte e exportação de matéria prima bruta, como faz a
Vale no Brasil.
É por isso que sua parte de logística cresceram para dar suporte à
sua atividade de mineradora. Ela se agigantou ainda mais, num esquema
que tem proporcionado mais divisas ao país, como nunca, mas à custa da
exaustão de uma riqueza natural não renovável, como o minério de ferro.
Tente-se calcular quanto o Brasil perdeu por não ter feito o
beneficiamento do minério de ferro de Carajás. Um cálculo simples levará
a muitos bilhões de dólares em quase 30 anos de extração maciça de
minério bruto, que, no caso, é quase sinônimo de minério puro, tal a
riqueza de hematita contida na rocha de Carajás.
Para se ter uma ideia da grandeza do novo capítulo que se inicia em
Carajás, basta considerar que a Serra Sul possui 10 bilhões dos 18
bilhões de toneladas estimados de reserva, com teor médio de 66,5% de
ferro. O primeiro corpo a ser lavrado nessa mineração, que leva a letra D
do título do projeto, acumula 4,2 bilhões de toneladas, com nove
quilômetros de extensão, a uma profundidade de até 250 metros.
Ao ritmo previsto, a jazida terá 40 anos de vida útil. Ao fim desse
período, a maior mina de ferro do planeta será só lembrança – amarga e
frustrante por certo, para os nativos. Chegará ao fim sem motivar
qualquer reação dos paraenses, que veem o buraco ser aberto sem usufruir
o melhor que o minério lhes poderia dar.
A quem interessa ou deveria interessar as notícias de que o Brasil está se tornando um mero exportador de commodities, está se desindustrializando? Onde estão as políticas econômicas do Estado. Aproveitando meu comentário no artigo de Katia Baggio, onde está a diferença da "esquerda" nesse caso?
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