"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, julho 03, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA. Reportagem é desmentida
A reportagem de Larry Rohter, publicada no jornal New York Times e traduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-06-2007 é contestada por Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva. advogada. que leu o texto nas Notícias do Dia e nos enviou a mensagem apontando os erros de cada parágrafo da notícia.
Agradecendo o envio dos esclarecimentos, publicamos na íntegra a mensagem.
"Apontarei os erros de cada parágrafo da notícia do Sr. Larry Rohter, "Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA", reproduzida em seu portal no dia 21 de junho, para tornar mais fácil a leitura:
1) "Em 1996, uma nova equipe os visitou, prometendo remédios caso eles doassem mais sangue...". Em primeiro lugar, não se trata de uma "nova" equipe, mas de uma *completamente diversa* equipe. Enquanto que o grupo liderado pelo Dr. Black tinha o propósito de coletar material para pesquisa, a equipe de 1996 tinha como objetivo produzir um documentário ("Into the Unknown: the Giant Sloth", Canal Discovery, 1997) entre os Karitiana. Assim, frise-se, não houve coleta de material para pesquisa em 1996.Hilton Pereira da Silva acompanhava, na condição de antropólogo, os cinegrafistas britânicos que filmavam o documentário. Entretanto, sendo ele também médico, viu-se diante de uma situação de emergência, em função do precário estado de saúde dos índios Karitiana, e prestou-lhes atendimento por solicitação destes.
Não houve em 1996 uma relação transacional entre sangue e oferta de medicamentos; houve a solicitação de atendimento médico, o que foi feito, voluntária e gratuitamente, em circunstâncias emergenciais;
2) " Quando a equipe entrou na reserva, porém, um médico brasileiro, Hilton Pereira da Silva, e sua mulher começaram a conduzir pesquisas médicas sem autorização...".
Por solicitação dos Karitiana, após as filmagens do documentário, Dr. Hilton prestou atendimento médico emergencial, o que é totalmente diferente de "pesquisa médica", conforme insinuado na reportagem. O sangue coletado pelo médico destinou-se exclusivamente à tentativa de estabelecer um diagnóstico mais específico de doenças como, por exemplo, anemias, hepatites, doenças do colágeno, doenças sexualmente transmissíveis, HIV, doenças de origem genética , sendo este procedimento propedêutico corriqueiro na prática clínica (prática inclusive familiar aos próprios Karitiana para investigação de malária, que é endêmica na região), e este material nunca saiu do Brasil: esteve de 1996 a 1998 (quando foi requisitado e entregue às autoridades de Rondônia) depositado na Universidade Federal do Pará.
Ademais, a pessoa referida como esposa do Dr. Hilton não é profissional de saúde, nem tampouco é sua esposa. Ela participou do documentário e desenvolveu apenas atividades lúdicas com as crianças.
Finalmente, sobre a necessidade de autorização da FUNAI, crê-se que era desnecessária naquele momento, pois: a) configurava-se uma emergência médica, e o atendimento do médico era mandatório frente o imperativo legal do art. 135 do Código Penal e as recomendações éticas dos arts. 57, 58 do Código de Ética Médica; b) não sendo mais os índios "tutelados", admite-se que sua solicitação por atendimento é de todo válida e suficiente; c) o Chefe do Posto da FUNAI foi consultado e concordou com o pedido dos Karitiana.
3) "Se alguém adoecer, enviaremos remédios, muitos remédios". Em 1996, não houve promessa de futuros envios de remédios, nem poderia haver, pois esta é uma atribuição do Poder Público além de configurar uma tarefa inviável para um médico sozinho, enquanto pessoa física.
4) "Eles tiraram sangue de quase todo mundo, incluindo as crianças. Mas, assim que conseguiram o que queriam, não nos mandaram remédio algum" . Em 1996, coletou-se sangue apenas das pessoas que mais necessitavam para complementação de diagnóstico. Seria uma impossibilidade "tirar sangue de todo mundo", pois Dr. Hilton não estava preparado para atender toda uma etnia, dispondo somente de um kit de emergências para si e para seu grupo, equipamento que carrega consigo sempre que viaja a campo.
5) "Em comunicado, Pereira da Silva diz que explicou os propósitos de sua pesquisa "em linguagem acessível" e que prometeu que "quaisquer possíveis benefícios que resultem do trabalho com o material recolhido reverterão integralmente às pessoas que o doaram"".
Dr. Hilton jamais esteve em contato com os senhores Larry Rohter ou com o responsável pela tradução da notícia para o português, até porque não foi procurado por nenhum dos dois.
Dr. Hilton também não emitiu qualquer comunicado nos termos apresentados. Em carta aos Karitiana datada de 20 de fevereiro de 1997, o médico afirma que "da parte dos pesquisadores da Universidade Federal do Pará, que correntemente detêm as amostras de sangue Karitiana que eu coletei, está sendo desenvolvido um documento que garantirá que qualquer benefício econômico ou outro advindo por ventura da pesquisa com material biológico, de qualquer origem, seja repassado na sua totalidade para a comunidade ou grupo de onde o material foi coletado. Desta forma, não haverá qualquer perigo que material biológico coletado para fins de pesquisa seja destinado a objetivos comerciais agora ou no futuro".
O documento mencionado estava sendo elaborado pelos pesquisadores daquela Universidade, para todas as amostras das quais dispunham – não especificamente às Karitiana -, tratando-se de documento institucional e não de sua autoria.
Muito obrigada pela oportunidade de repor a verdade.
Outros esclarecimentos e as repercussões jurídicas do caso podem ser encontrados em http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18451 .
Cordialmente,
Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva
Advogada
OAB/Pa 12.530

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