Pra que suar tanto? O tempo de trabalho no século XXI é o mais longo da história
O tempo de trabalho no século XXI é o mais longo da história. A despeito do avanço tecnológico, da modernidade, dos ganhos de produtividade e do estágio atual da ciência, nunca se trabalhou tanto. Desafia-se a letra da lei em todo o mundo, com cargas diárias de 16, 18 horas. O trabalhador de hoje deveria ter inveja da jornada comum nos primórdios do capitalismo. A reportagem é de Jorge Félix e publicada pelo jornal Valor, 17-08-2007.
O aquecimento global, novas doenças e até mesmo - ou principalmente - a violência urbana passaram a constar da lista de desdobramentos da legitimação do trabalho intensificado. O assunto é debatido em países como França, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a jornada vai de 35 a 39 horas por semana. No Brasil, onde foram necessários 50 anos para se chegar à jornada de 44 horas, pesquisadores e sindicalistas conduzem a discussão sob várias óticas. Afinal, é possível trabalhar menos?
O tempo de trabalho é o conceito básico da economia, tradicionalmente. Uma coisa só tem valor de acordo com a quantidade de suor humano despendido para sua produção. Dito assim, a teoria pode insinuar uma falsa simplicidade. Desde os fisiocratas, no século XVIII, há polêmica em torno da geração de riqueza. François Quesnay acreditava que apenas o tempo do trabalho agrícola deveria ser considerado, pois a indústria e o comércio atuariam de maneira "estéril". Adam Smith cravou sua bandeira na teoria do valor-trabalho. Uma mercadoria valeria, para ele, o tanto de trabalho ali "contido". David Ricardo defendeu o montante de tempo de trabalho "demandado" para a produção. Karl Marx sentenciou que o valor é a "quantidade de trabalho socialmente necessário".
Este "socialmente", como se sabe, é que faz toda a diferença. Foi interpretado de inúmeras formas: "cristalizado", "médio", "contido". Este conceito transforma o autor de "O Capital" em escritor de nossos tempos. O "socialmente" é aquele quantum de trabalho referendado por uma sociedade, em determinado país, em determinado tempo, sob tais e tais condições de produção. A teoria marxista sobrevive, portanto, porque considerou as transformações da sociedade. Quais transformações? Qualquer uma originada no processo de produção capitalista. Seja qual for, será absorvida no "socialmente necessário". No planeta de relações globalizadas, essas condições ora provocam um efeito de homogeneidade entre os países, ora de concorrência diante da possível mobilidade dos fatores de produção (máquinas, matérias-primas, instalações, ciência-técnica ou pesquisa, organização empresarial e mão-de-obra). Ou seja, produzir onde há mais competitividade. E esta, como reza a teoria, é fruto do trabalho.
No saco sem fundo da competição, todo o tempo de trabalho será pouco para garantir condição de sobrevivência no mercado mundial. É por isso que os acadêmicos estão pensando a redução do tempo trabalhado com base em outros objetivos. Esqueça-se a pregação do ócio criativo do pensador italiano Domenico de Masi ou da diminuição das horas no arcaico cartão de ponto com a meta de criar mais postos de trabalho - embora os sindicatos ainda afirmem isso. O alvo agora é a própria razão de viver. Portanto, torna-se uma opção da sociedade, sem relação com as chances de escolha de cada trabalhador.
O economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea e professor da Unicamp, embora defenda a redução do tempo de trabalho, afirma que o caminho tem sido inverso. As empresas impedem até o empregado de acessar a internet ou controlam o tempo do cafezinho. Há um esforço "insano", define Pochmann, no mundo corporativo, para "reduzir a porosidade do tempo de trabalho". Os próprios funcionários vigiam-se uns aos outros, comprometendo ainda mais a sociabilidade. Enquanto a tecnologia e os novos processos - quase todos, desdobramentos do fordismo, do toyotismo ou do taylorismo - catapultaram os índices de produtividade para patamares nunca antes imaginados, o trabalho ganhou intensidade.
"A produtividade é muito maior do que os dados demonstram, mas não é compartilhada, o que obriga a um maior tempo de trabalho", afirma Pochmann. Em 1990, de acordo com a pesquisa industrial do IBGE, um trabalhador produzia 100 unidades de produto e hoje, com o mesmo tempo trabalhado, produz 213. A participação da massa salarial no PIB em 1990 era de 45% para empregados, 7% para autônomos e 15% para impostos. Em 2003, essas proporções passaram, respectivamente, para 36%, 5% e 17%, enquanto a participação do excedente nacional bruto (lucros) saiu de 33% para 43% no mesmo período. "Ou seja, além do setor privado, o governo também se apropria cada vez mais da produtividade, sem devolvê-la em serviços ou investimentos em infra-estrutura", afirma Pochmann.
Contudo, é preciso pensar no que as pessoas irão fazer com o tempo livre. Essa é outra linha de análise dos especialistas. Seria necessário, então, ao menos em tese, organizar a sociedade para que todos - pais, mães e filhos - desfrutem do ócio ao mesmo tempo. Não aquele determinado pela vontade de cada indivíduo ou cada empregador.
O economista Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), defende um dia único de descanso na semana. "É fundamental determinar que domingo não tem trabalho e ponto final. É um dia para a vida social, para a família", afirma. E aí chega-se ao segundo desafio. "Se as pessoas forem para dentro de um shopping, a batalha estará perdida", critica Pochmann. "O tempo livre não pode ser para mais compras, para fazer com que a pessoa tenha mais dívidas e, logo, precise trabalhar mais."
Outros acadêmicos acreditam que, no atual estágio do capitalismo, com a produção totalmente integrada na lógica do capital financeiro, pensar em redução da jornada soa como uma tese de Thomas More, autor de "Utopia", ou Paul Lafargue, com seu "Le Droit à la Paresse" (O direito à preguiça). "Como bem demonstrou Marx já no século XIX, este tema não é técnico, pois a extensão da jornada não deriva da produtividade e sim da luta entre o capital e o trabalho por sua partilha", afirma a professora Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Somente será possível trabalhar menos se as condições que determinam a jornada forem radicalmente alteradas. O referencial de jornada, salário e direitos passou a ser o trabalhador chinês", observa.
"O fato de se ganhar produtividade não conduz obrigatoriamente a aumentar custos. Vivemos, sim, numa competitividade sem fronteiras, de competição aberta, que impede a empresa de se comprometer com aumentos na folha de pagamentos", reconhece Dagoberto Lima Godoy, presidente do conselho de relações do trabalho e desenvolvimento social da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "É preciso lembrar que o governo apropria-se de boa parte dessa produtividade, com uma carga tributária de quase 40% do PIB, sem devolvê-la em serviços ou investimentos", afirma.
O economista Cássio Calvete, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), provou em sua tese de doutorado o impacto, no custo das empresas, da redução da jornada para 40 horas semanais: apenas 1,99%. De acordo com seus cálculos, em menos de seis meses esse custo estaria compensado com mais produtividade. Calvete lamenta que o governo Lula tenha abandonado a reforma sindical e trabalhista, que certamente implicaria o debate do tema. "Em 2002, víamos como uma possibilidade. Agora não. Este governo não entra em polêmica. Mas seria natural, com o crescimento econômico, a inflação em queda. Seria uma tendência viável", afirma o economista do Dieese.
Embora dependa, em boa parte, de mudanças na sociedade de consumo, no modelo financista ou em termos de vontade política, a luta pela redução da jornada de trabalho continua na agenda dos sindicatos. Nos próximos meses, o debate estará na pauta das categorias mais importantes. Mesmo debilitadas por suas vinculações com o governo Lula, as centrais sindicais prometem uma estratégia eficaz para garantir a redução da jornada. Há algumas dificuldades. Nos bastidores, os especialistas reconhecem que a diminuição das horas trabalhadas tem pouca repercussão na geração de novos postos, mas, de toda forma, o argumento de que se criam mais empregos será mantido na campanha unificada das centrais sindicais. Caso contrário, o trabalhador hesitaria em aceitar a tese.
"Há o risco de se repetir o que ocorreu na França. Quando a obrigação de gerar emprego caiu, a redução da jornada significou intensificação, o trabalhador trabalhou mais naquele curto tempo e voltou-se contra a própria lei", explica Ana Cláudia Cardoso, técnica do Dieese e doutora pela USP e Universidade de Paris VIII, com tese sobre o tema. Em sua opinião, é importante considerar um novo conceito de jornada: o tempo dedicado. "Hoje, trabalha-se mais não só por estarmos sempre conectados, à disposição da empresa, mas porque antes se levava-trabalho para casa fisicamente e agora se leva na cabeça, porque é sempre exigido pensar em idéias, sugestões ou preocupações."
As centrais sindicais (CUT, Força Sindical e a nova UGT) decidiram mudar a tática em relação ao movimento de 2004. Em lugar de uma campanha nacional, as batalhas serão por setores. "As categorias de ponta, como metalúrgicos, bancários e químicos, já têm uma jornada menor, mas ainda se pode negociar fora dos centros de produção mais dinâmicos, porque esta não é uma realidade de todas as categorias e muito menos de todo o país", afirma João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
No comércio, setor em que estão os menores salários e os maiores percentuais de horas trabalhadas, a negociação promete ser dura e a intenção é justamente derrubar o acordo que permite o trabalho aos domingos. Zylberstajn, porém, vê um risco em incorporar a tese da redução na pauta de reivindicações das datas-base. "Acaba sempre servindo de moeda de troca. A verdade é que as categorias têm conseguido um percentual de reajuste acima da inflação e os sindicatos precisam agora melhorar a situação de trabalho e não somente o salário, mas se usarem isso como pressão correm o risco de desmoralizar a tese", alerta.
O inglês Guy Ryder, secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), concorda. Em visita ao Brasil, em julho, Ryder defendeu uma reivindicação para valer. "A luta pela redução do tempo de trabalho extrapola as categorias e as reivindicações, como no passado. Agora é universal e filosófica. Deve levar em conta a necessidade da empresa e também da sociedade", disse Ryder.
Estudiosos apontam as exigências hedonistas e futuras, acirradas sob o fenômeno da longevidade, como uma das razões de se trabalhar em excesso. "A redução do tempo de trabalho, o tempo livre e o processo de individualização levaram à multiplicação dos temas e conflitos ligados ao tempo. Às contradições objetivas da sociedade produtivista se justapõe agora a espiral das contradições existenciais", afirma Gilles Lipovetsky, autor de "Os tempos hipermodernos". "A modernidade se construiu em torno da crítica à exploração do tempo de trabalho. A hipermodernidade é contemporânea da sensação de que o tempo se rarefaz", completa.
O economista Eduardo Giannetti acompanha Lipovetsky em vários aspectos das escolhas intertemporais como determinantes da qualidade de vida. "Existe algo profundamente errado com a idéia de transpor para o emprego do tempo a lógica maximizadora da utilidade e do dinheiro", escreve em "O Valor do Amanhã". Como o tempo de trabalho esgarçado é democrático, sem distinguir gênero ou classe social - altos executivos reclamam tanto quanto cortadores de cana - Giannetti alerta: "A partir de certo nível de renda que permita atender às necessidades básicas, o uso do tempo passa a depender muito mais das prioridades e valores do indivíduo do que do imperativo de obter uma renda - ou aumentá-la - a qualquer custo".
O aquecimento global, novas doenças e até mesmo - ou principalmente - a violência urbana passaram a constar da lista de desdobramentos da legitimação do trabalho intensificado. O assunto é debatido em países como França, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a jornada vai de 35 a 39 horas por semana. No Brasil, onde foram necessários 50 anos para se chegar à jornada de 44 horas, pesquisadores e sindicalistas conduzem a discussão sob várias óticas. Afinal, é possível trabalhar menos?
O tempo de trabalho é o conceito básico da economia, tradicionalmente. Uma coisa só tem valor de acordo com a quantidade de suor humano despendido para sua produção. Dito assim, a teoria pode insinuar uma falsa simplicidade. Desde os fisiocratas, no século XVIII, há polêmica em torno da geração de riqueza. François Quesnay acreditava que apenas o tempo do trabalho agrícola deveria ser considerado, pois a indústria e o comércio atuariam de maneira "estéril". Adam Smith cravou sua bandeira na teoria do valor-trabalho. Uma mercadoria valeria, para ele, o tanto de trabalho ali "contido". David Ricardo defendeu o montante de tempo de trabalho "demandado" para a produção. Karl Marx sentenciou que o valor é a "quantidade de trabalho socialmente necessário".
Este "socialmente", como se sabe, é que faz toda a diferença. Foi interpretado de inúmeras formas: "cristalizado", "médio", "contido". Este conceito transforma o autor de "O Capital" em escritor de nossos tempos. O "socialmente" é aquele quantum de trabalho referendado por uma sociedade, em determinado país, em determinado tempo, sob tais e tais condições de produção. A teoria marxista sobrevive, portanto, porque considerou as transformações da sociedade. Quais transformações? Qualquer uma originada no processo de produção capitalista. Seja qual for, será absorvida no "socialmente necessário". No planeta de relações globalizadas, essas condições ora provocam um efeito de homogeneidade entre os países, ora de concorrência diante da possível mobilidade dos fatores de produção (máquinas, matérias-primas, instalações, ciência-técnica ou pesquisa, organização empresarial e mão-de-obra). Ou seja, produzir onde há mais competitividade. E esta, como reza a teoria, é fruto do trabalho.
No saco sem fundo da competição, todo o tempo de trabalho será pouco para garantir condição de sobrevivência no mercado mundial. É por isso que os acadêmicos estão pensando a redução do tempo trabalhado com base em outros objetivos. Esqueça-se a pregação do ócio criativo do pensador italiano Domenico de Masi ou da diminuição das horas no arcaico cartão de ponto com a meta de criar mais postos de trabalho - embora os sindicatos ainda afirmem isso. O alvo agora é a própria razão de viver. Portanto, torna-se uma opção da sociedade, sem relação com as chances de escolha de cada trabalhador.
O economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea e professor da Unicamp, embora defenda a redução do tempo de trabalho, afirma que o caminho tem sido inverso. As empresas impedem até o empregado de acessar a internet ou controlam o tempo do cafezinho. Há um esforço "insano", define Pochmann, no mundo corporativo, para "reduzir a porosidade do tempo de trabalho". Os próprios funcionários vigiam-se uns aos outros, comprometendo ainda mais a sociabilidade. Enquanto a tecnologia e os novos processos - quase todos, desdobramentos do fordismo, do toyotismo ou do taylorismo - catapultaram os índices de produtividade para patamares nunca antes imaginados, o trabalho ganhou intensidade.
"A produtividade é muito maior do que os dados demonstram, mas não é compartilhada, o que obriga a um maior tempo de trabalho", afirma Pochmann. Em 1990, de acordo com a pesquisa industrial do IBGE, um trabalhador produzia 100 unidades de produto e hoje, com o mesmo tempo trabalhado, produz 213. A participação da massa salarial no PIB em 1990 era de 45% para empregados, 7% para autônomos e 15% para impostos. Em 2003, essas proporções passaram, respectivamente, para 36%, 5% e 17%, enquanto a participação do excedente nacional bruto (lucros) saiu de 33% para 43% no mesmo período. "Ou seja, além do setor privado, o governo também se apropria cada vez mais da produtividade, sem devolvê-la em serviços ou investimentos em infra-estrutura", afirma Pochmann.
Contudo, é preciso pensar no que as pessoas irão fazer com o tempo livre. Essa é outra linha de análise dos especialistas. Seria necessário, então, ao menos em tese, organizar a sociedade para que todos - pais, mães e filhos - desfrutem do ócio ao mesmo tempo. Não aquele determinado pela vontade de cada indivíduo ou cada empregador.
O economista Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), defende um dia único de descanso na semana. "É fundamental determinar que domingo não tem trabalho e ponto final. É um dia para a vida social, para a família", afirma. E aí chega-se ao segundo desafio. "Se as pessoas forem para dentro de um shopping, a batalha estará perdida", critica Pochmann. "O tempo livre não pode ser para mais compras, para fazer com que a pessoa tenha mais dívidas e, logo, precise trabalhar mais."
Outros acadêmicos acreditam que, no atual estágio do capitalismo, com a produção totalmente integrada na lógica do capital financeiro, pensar em redução da jornada soa como uma tese de Thomas More, autor de "Utopia", ou Paul Lafargue, com seu "Le Droit à la Paresse" (O direito à preguiça). "Como bem demonstrou Marx já no século XIX, este tema não é técnico, pois a extensão da jornada não deriva da produtividade e sim da luta entre o capital e o trabalho por sua partilha", afirma a professora Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Somente será possível trabalhar menos se as condições que determinam a jornada forem radicalmente alteradas. O referencial de jornada, salário e direitos passou a ser o trabalhador chinês", observa.
"O fato de se ganhar produtividade não conduz obrigatoriamente a aumentar custos. Vivemos, sim, numa competitividade sem fronteiras, de competição aberta, que impede a empresa de se comprometer com aumentos na folha de pagamentos", reconhece Dagoberto Lima Godoy, presidente do conselho de relações do trabalho e desenvolvimento social da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "É preciso lembrar que o governo apropria-se de boa parte dessa produtividade, com uma carga tributária de quase 40% do PIB, sem devolvê-la em serviços ou investimentos", afirma.
O economista Cássio Calvete, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), provou em sua tese de doutorado o impacto, no custo das empresas, da redução da jornada para 40 horas semanais: apenas 1,99%. De acordo com seus cálculos, em menos de seis meses esse custo estaria compensado com mais produtividade. Calvete lamenta que o governo Lula tenha abandonado a reforma sindical e trabalhista, que certamente implicaria o debate do tema. "Em 2002, víamos como uma possibilidade. Agora não. Este governo não entra em polêmica. Mas seria natural, com o crescimento econômico, a inflação em queda. Seria uma tendência viável", afirma o economista do Dieese.
Embora dependa, em boa parte, de mudanças na sociedade de consumo, no modelo financista ou em termos de vontade política, a luta pela redução da jornada de trabalho continua na agenda dos sindicatos. Nos próximos meses, o debate estará na pauta das categorias mais importantes. Mesmo debilitadas por suas vinculações com o governo Lula, as centrais sindicais prometem uma estratégia eficaz para garantir a redução da jornada. Há algumas dificuldades. Nos bastidores, os especialistas reconhecem que a diminuição das horas trabalhadas tem pouca repercussão na geração de novos postos, mas, de toda forma, o argumento de que se criam mais empregos será mantido na campanha unificada das centrais sindicais. Caso contrário, o trabalhador hesitaria em aceitar a tese.
"Há o risco de se repetir o que ocorreu na França. Quando a obrigação de gerar emprego caiu, a redução da jornada significou intensificação, o trabalhador trabalhou mais naquele curto tempo e voltou-se contra a própria lei", explica Ana Cláudia Cardoso, técnica do Dieese e doutora pela USP e Universidade de Paris VIII, com tese sobre o tema. Em sua opinião, é importante considerar um novo conceito de jornada: o tempo dedicado. "Hoje, trabalha-se mais não só por estarmos sempre conectados, à disposição da empresa, mas porque antes se levava-trabalho para casa fisicamente e agora se leva na cabeça, porque é sempre exigido pensar em idéias, sugestões ou preocupações."
As centrais sindicais (CUT, Força Sindical e a nova UGT) decidiram mudar a tática em relação ao movimento de 2004. Em lugar de uma campanha nacional, as batalhas serão por setores. "As categorias de ponta, como metalúrgicos, bancários e químicos, já têm uma jornada menor, mas ainda se pode negociar fora dos centros de produção mais dinâmicos, porque esta não é uma realidade de todas as categorias e muito menos de todo o país", afirma João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
No comércio, setor em que estão os menores salários e os maiores percentuais de horas trabalhadas, a negociação promete ser dura e a intenção é justamente derrubar o acordo que permite o trabalho aos domingos. Zylberstajn, porém, vê um risco em incorporar a tese da redução na pauta de reivindicações das datas-base. "Acaba sempre servindo de moeda de troca. A verdade é que as categorias têm conseguido um percentual de reajuste acima da inflação e os sindicatos precisam agora melhorar a situação de trabalho e não somente o salário, mas se usarem isso como pressão correm o risco de desmoralizar a tese", alerta.
O inglês Guy Ryder, secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), concorda. Em visita ao Brasil, em julho, Ryder defendeu uma reivindicação para valer. "A luta pela redução do tempo de trabalho extrapola as categorias e as reivindicações, como no passado. Agora é universal e filosófica. Deve levar em conta a necessidade da empresa e também da sociedade", disse Ryder.
Estudiosos apontam as exigências hedonistas e futuras, acirradas sob o fenômeno da longevidade, como uma das razões de se trabalhar em excesso. "A redução do tempo de trabalho, o tempo livre e o processo de individualização levaram à multiplicação dos temas e conflitos ligados ao tempo. Às contradições objetivas da sociedade produtivista se justapõe agora a espiral das contradições existenciais", afirma Gilles Lipovetsky, autor de "Os tempos hipermodernos". "A modernidade se construiu em torno da crítica à exploração do tempo de trabalho. A hipermodernidade é contemporânea da sensação de que o tempo se rarefaz", completa.
O economista Eduardo Giannetti acompanha Lipovetsky em vários aspectos das escolhas intertemporais como determinantes da qualidade de vida. "Existe algo profundamente errado com a idéia de transpor para o emprego do tempo a lógica maximizadora da utilidade e do dinheiro", escreve em "O Valor do Amanhã". Como o tempo de trabalho esgarçado é democrático, sem distinguir gênero ou classe social - altos executivos reclamam tanto quanto cortadores de cana - Giannetti alerta: "A partir de certo nível de renda que permita atender às necessidades básicas, o uso do tempo passa a depender muito mais das prioridades e valores do indivíduo do que do imperativo de obter uma renda - ou aumentá-la - a qualquer custo".
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