“Se restava alguma dúvida sobre o quanto estamos mal preparados para enfrentar a mudança climática, esta desapareceu neste mês quando dois mini-submarinos russos submergiram a três quilômetros de profundidade em meio ao gelo do Ártico, até chegar ao fundo do oceano”, diz Jeremy Rifkin. A região é vista como reserva potencial de petróleo e gás. “Os geólogos acreditam que 25% do petróleo e gás não descobertos da Terra estejam incrustados nas rochas que estão debaixo do oceano Ártico”, acrescenta Rifkin.
O fato de a Rússia ter enviado uma expedição ao fundo do mar no Ártico está provocando uma nova “corrida ao ouro” que, desta vez, implica numa nova fronteira geográfica, no caso o Ártico, com tudo o que isso implica em termos de inacessibilidade. E Rifkin chama a atenção para um círculo vicioso que se estabelece neste caso: a exploração do petróleo e do gás nesta área só é possível com o aquecimento global que pode ser agravado com a exploração e a queima dos combustíveis daí extraídos. Com o agravante de que o aquecimento global pode colocar na atmosfera grandes quantidades de metano, em decorrência do derretimento do permagel. “Uma vez que se chegue a esse ponto, não haverá nada que os seres humanos possam fazer, de natureza política ou tecnológica, para frear um efeito de retro-alimentação descontrolado”, alerta Rifkin em artigo publicado no Clarín, 29-08-2007.
Segue a íntegra do artigo de Jeremy Rifkin traduzido pelo Cepat.
Se restava alguma dúvida sobre o quanto estamos mal preparados para enfrentar a mudança climática, esta desapareceu neste mês quando dois mini-submarinos russos submergiram a três quilômetros de profundidade em meio ao gelo do Ártico, até chegar ao fundo do oceano, e fincaram ali uma bandeira russa feita de titânio.
Esta primeira missão tripulada até o fundo do Ártico, que foi cuidadosamente organizada para a audiência televisiva do mundo, foi o ápice do reality geopolítico. O presidente russo Vladimir Putin felicitou os tripulantes enquanto seu governo anunciava sua autoridade sobre cerca da metade do leito oceânico do Ártico. O governo russo sustenta que o leito marinho que se encontra debaixo do pólo, conhecido como Cordilheira Lomonosov, é uma extensão da massa continental da Rússia e faz parte, portanto, do território russo. Para não ficar para trás, o primeiro ministro canadense, Stephen Harper, arranjou uma visita de última hora de três dias ao Ártico para fazer presente o reclamo de seu país sobre a região.
Se bem que em alguns aspectos todo o fato teve algo de gracioso – uma espécie de caricatura de expedição colonial de final do século XIX –, o objetivo foi muito sério. Os geólogos acreditam que 25% do petróleo e gás não descobertos da Terra estejam incrustados nas rochas que estão debaixo do oceano Ártico.
As companhias de petróleo já se apressam para estar na primeira fila e buscam fechar contratos para explorar essa vasta riqueza potencial de petróleo que está escondida debaixo do gelo do Ártico. A petroleira BP criou uma sociedade com a Rosneft, a petroleira estatal russa, para explorar a região. Além da Rússia e do Canadá, três outros países, Noruega, Dinamarca (Groenlândia é uma propriedade dinamarquesa que chega até o Ártico) e Estados Unidos reclamam o leito marinho do Ártico como extensão de suas plataformas continentais e território soberano.
Segundo a Lei do Tratado do Mar, adotada em 1982, as nações signatárias podem atribuir-se zonas econômicas exclusivas para sua exploração comercial, até 320 quilômetros de distância a partir de suas águas territoriais. Os Estados Unidos nunca assinaram este tratado por temor de que outras de suas cláusulas pudessem minar-lhe a soberania e a independência política. Agora, no entanto, o repentino interesse no petróleo e gás do Ártico exerceu uma pressão sobre os legisladores norte-americanos para que ratifiquem o tratado, de modo que os Estados Unidos não fiquem excluídos da febre de petróleo do Ártico.
Mas o que torna todo este fato deprimente é que o novo interesse na exploração do leito marinho do Ártico em busca de gás e petróleo só é possível hoje em razão da mudança climática. Durante milhares de anos, os depósitos de combustível fóssil permaneceram presos debaixo do gelo, inacessíveis. Hoje, o aquecimento global derrete o gelo do Ártico tornando possível pela primeira vez a exploração comercial dos depósitos de gás e petróleo. Ironicamente, o mesmo processo de queima de combustíveis fósseis libera quantidades massivas de dióxido de carbono e provoca um aumento da temperatura terrestre, o que por sua vez derrete o gelo do Ártico, tornando disponíveis mais petróleo e gás para a energia. A queima destes potenciais novos depósitos de gás e petróleo aumentará ainda mais as emissões de CO2 nas próximas décadas, reduzindo o gelo do Ártico a uma velocidade ainda maior.
Mas a história não termina aqui. Existe um fator muito mais perigoso neste drama que está sendo produzido no Ártico. Os especialistas em climatologia estão preocupados com outra coisa que está enterrada sob o gelo e que ao ser desenterrada poderia fazer estragos na biosfera terrestre, com conseqüências calamitosas para a vida humana.
A maior parte da região siberiana do Ártico sul, uma zona do tamanho da França e Alemanha juntos, é uma vasta turfeira congelada. Antes da era glacial precedente, a zona estava representada majoritariamente por pastagens com vida silvestre. A chegada dos glaciares enterrou a matéria orgânica debaixo do permagel, onde ficou deste então. (Em geologia, denomina-se permagel ou permafrost a camada de gelo permanentemente congelada nos níveis superficiais do solo das regiões muito frias ou periglaciares como é a tundra.) À medida que a superfície da Sibéria é majoritariamente desértica, há tanta matéria orgânica enterrada debaixo do permagel como a existente em todos os bosques tropicais do mundo.
Hoje, em momentos em que a temperatura da Terra aumenta de forma sustentada por conta do CO2 e de outras emissões de gases de efeito estufa, o permagel está se derretendo, tanto na superfície da terra como nos leitos marinhos. Se o derretimento do permagel se produz em presença de oxigênio na terra, a decomposição de matéria orgânica leva à produção de CO2. Se o permagel se derrete ao lado de lagos, na ausência de oxigênio, a matéria que se desintegra libera metano na atmosfera. O metano é o mais poderoso dos gases de efeito estufa, com um efeito 23 vezes maior que o do CO2.
Os pesquisadores já começaram a advertir sobre a chegada de um ponto crítico em algum momento deste século, quando a liberação de metano e dióxido de carbono poderia criar um efeito de retro-alimentação incontrolável, que elevará de forma dramática a temperatura da atmosfera, o que por sua vez aumentará a da Terra, dos lagos e do leito marinho, derretendo ainda mais o permagel e liberando à atmosfera mais CO2 e metano. Uma vez que se chegue a esse ponto, não haverá nada que os seres humanos possam fazer, de natureza política ou tecnológica, para frear um efeito de retro-alimentação descontrolado.
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