Um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo, o Aqüífero Guarani já foi visto como um imenso mar de água doce sob a América do Sul, que teria uma capacidade quase inesgotável, com potencial para abastecer a população brasileira por cerca de 2.500 anos. Agora novos estudos feitos nos quatro países por onde ele se estende (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) começam a mostrar que a situação não é bem assim. A reportagem é de Giovana Girardi para o jornal O Estado de S.Paulo, 20-03-2008.
As pesquisas, coordenadas pela Organização dos Estados Americanos e pelo Banco Mundial, buscam responder qual o real potencial do aqüífero. Os primeiros resultados já mostram que pontos de difícil acesso e água salobra ou quente demais reduzem um bocado o volume que realmente pode ser usado pelo homem. Além disso, o consumo excessivo em certas regiões de afloramento ameaça a manutenção do manancial que, se esperava, duraria para sempre.
Para começar, o próprio tamanho do aqüífero está sendo revisto. Inicialmente se imaginava que ele tinha cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, mas os pesquisadores descobriram que na Argentina ele é um pouco menor. Um mapa das características hidrogeológicas do aqüífero deve sair até o fim do ano, derrubando de vez o senso comum de que o Guarani é contínuo e homogêneo, com a mesma disponibilidade de água potável em toda a extensão.
“Essa é uma idéia que surgiu por causa das características do aqüífero em São Paulo. Como no Estado ele é bem conhecido e bastante aproveitado, muita gente pensou que ele fosse inteiro assim. Mas não é”, afirma o pesquisador Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. “Acima do Paraná a água é muito boa, mas abaixo nem tanto.”
Estudos anteriores no Rio Grande do Sul já mostravam que, em vez de uma grande caixa d’água subterrânea, o aqüífero é compartimentado e heterogêneo. Agora os cientistas estão notando isso em todo o reservatório. “Está mais para uma caixa de ovos com areia e água”, define Luiz Amore, secretário-geral do projeto. Alguns trechos têm muito arsênico ou flúor ou sal, outros são quentes demais. E em certos pontos a produtividade é baixa.
Há ainda o problema do acesso. Apenas 10% do sistema está em formato de afloramento - trechos em que o arenito se eleva até a superfície. Em suas bordas e arredores é onde a água pode ser mais facilmente obtida. Tanto que cerca de 90% da extração feita hoje ocorre em média numa faixa de 150 km a partir desses locais. Pelas contas preliminares de pesquisadores da Unesp que estão fazendo o mapeamento, isso representa mais ou menos 40% do reservatório. No resto, o acesso fica mais difícil, quando não é inviável. A maior parte do aqüífero está confinada sob rochas de basalto, que atingem em alguns trechos até 1,5 km de profundidade.
“Um problema de extrair das partes mais profundas é que nessas áreas a reposição de água é lentíssima. Uma vez retirada, não volta mais”, diz Didier Gastmans, do Laboratório de Estudo de Bacias da Unesp. Segundo ele, o trajeto da água entre um ponto de recarga e um trecho mais profundo pode levar até 15 mil anos. Isso sem contar que, quanto mais fundo, além de ficar mais cara a perfuração, maior é a temperatura da água, que precisa ser resfriada para consumo. Os pesquisadores acreditam que esses dados poderão ajudar a guiar a gestão dos recursos do Guarani. “Ele é muito importante para algumas regiões, mas, para outras, não”, diz Gastmans.
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