Padrões de uma beleza vulgar
Dizia o poeta Vinícius de Moraes: “Me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”. A frase é muito mais provocativa para o radicalismo do movimento feminista da época do que conceitual. Ela é repetida exaustivamente, até hoje, por papagaios que, como a ave, não conseguem contextualizar nem refletir sobre o que estão falando. Demonstram total incapacidade de compreender que a beleza dita por um poeta é bem mais subjetiva do que o padrão plástico vigente. Não é à toa que, grande apreciador do sexo feminino, Vinícius colecionou diversidades em suas conquistas amorosas.
A ditadura da beleza que vemos hoje vem no rastro do movimento de “celebrização”, em que pessoas se digladiam por um lugar na “calçada da fama”, mesmo que dure apenas 15 minutos. São "famosos" inconsistentes, que vivem de valores fugazes e superficiais. Os modelos de pessoas bem-sucedidas são ocupadas instantaneamente por aspirantes a “célebres”, que têm pouco mais a oferecer que a beleza padrão. Reparem que quase todos apresentam rigorosamente o mesmo biótipo! Até as “diferenças” são padronizadas!
Como exemplo, é só sintonizarmos no “Big Brother”. Com raras exceções, não dá mais para distinguir quem é quem. São cópias! Até as diferenças são xerocadas. O afro-descendente de “beleza branca”, o homossexual de classe média alta bem resolvido, um falso-intelectual e um falso pobre de classe média. Mas todos padronizadamente bonitos. No Brasil, o programa sempre teve essa característica, mas antes, ainda existia um canal de diversidade, uma vaga na casa global preenchida por meio de sorteio feito por uma revista. Esse dispositivo, que garantia algumas diferenças reais, foi banido.
Outro exemplo. As “modelos e manequins”, que sempre surgem nos carnavais, festivais de moda ou programas de TV com “celebridades desconhecidas”, hoje, possuem as mesmas caras e corpos. Isso, graças à evolução das cirurgias plásticas, cosméticas, botox, silicones, aumento de bustos e das modelações feitas em série nas academias e com anabolizantes. Parece uma invasão de centenas de gêmeas, uma produção fabril. No carnaval, com raras exceções, tive a impressão que eram as mesmas, multiplicadas em frente das baterias, em carros alegóricos e bailes.
Mas começo a ver uma luz no fim dessa passarela da “beleza”. Rivalizando com a globalização estética, vamos refletir sobre o Miss Mundo. O decadente concurso nunca tinha tido uma repercussão tão grande, desde o tempo de Martha Rocha, derrotada nos anos 50 por algumas polegadas a mais na cintura. Mas voltou à baila, por conta de outra polêmica estética: a atual Nathália Guimarães, que perdeu para uma oriental. A pobre vencedora foi massacrada esteticamente não só pela imprensa brasileira, mas pela de muitos países ocidentais. Que Nathália é linda, não há dúvida. Mas quem garante que a vencedora também não pode ser de um outro padrão estético? Será que não pode existir uma beleza diferente da nossa?
E como o mercado não é nada bobo, e para sobreviver está sempre antecipando tendências, destaco a campanha internacional de uma empresa de cosméticos que atua, inclusive, no Brasil. Aposta no abandono da uniformização estética para propor a descoberta da própria beleza de cada um.
Para não maquiar este conceito, a multinacional buscou refletir a diversidade na pesquisa. Ampliou o recorte além da faixa sempre ouvida nesse tipo de consulta. Foi dos 20 aos 70 anos, com mulheres de seis nações: Alemanha, França, Rússia, China, Estados Unidos e Brasil.
Não foi à toa que fomos escolhidos entre os 65 países para pesquisa. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, ocupamos a terceira colocação do mercado mundial desse tipo de produtos, movimentando cerca de R$ 40 bilhões — atrás apenas do Japão e Estados Unidos.
A pesquisa, no entanto, não revela nada diferente do que nós, esteticamente medianos já sentimos na pele: a ditadura de um molde estético e o peso da idade pendendo na balança da beleza, que aqui está muito mais associada a uma aparência jovem. Coincidência? Resultado semelhante ao do Brasil foi constatado no estudo realizado nos Estados Unidos. A Alemanha, ao contrário, não demonstra preocupação visual com o envelhecimento.
Já as chinesas preferem produtos clareadores: o tom de pele, para elas, indica posição social privilegiada. As francesas, é claro, preferem os perfumes. As emergentes russas são apaixonadas por cabelos e tinturas, mas dedicam muito pouco tempo ao cuidado com os corpos — afinal, com o frio, raramente estão à mostra.
Que tal aproveitarmos essa pesquisa e procurarmos a nossa beleza? Esqueça os padrões em que não nos encaixamos, por mais que nos violentemos. Se abandonarmos esse modelo externo imposto, será muito mais fácil encontrarmos as nossas belezas interior e exterior.
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