Estudo mostra que economia brasileira cresce mais lentamente que o número de pessoas qualificadas. Segue reportagem de Felipe Laufer publicada na Gazeta do Povo, 07-07-2008.
Embora o Brasil esteja longe de ser um expoente mundial em termos de educação, o país vive um paradoxo: sua economia cresce mais lentamente que o contingente de pessoas qualificadas. O resultado disso é a subutilização de mão-de-obra especializada, uma vez que o país não oferece oportunidades para a utilização da qualificação obtida por sua população. A conclusão é do economista Roberto Cavalcanti de Albuquerque, diretor-técnico do Fórum Nacional, organizado pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), em estudo divulgado recentemente. “É o paradoxo brasileiro. O país tem uma força de trabalho pouco qualificada, mas ao mesmo tempo não tem sabido utilizá-la. A economia, nos anos 80 e 90, não foi capaz de utilizar essa força integralmente”, avalia Albuquerque.
No estudo, o economista chegou ao Índice de Capital Humano (ICH), que mede a “qualidade” da população com mais de 15 anos de idade a partir de seus anos de estudo, desde a década de 70. O crescimento do ICH foi comparado, ano a ano, com o avanço do Produto Interno Bruto (PIB). Quando a expansão do PIB é maior que o ICH, a conclusão é de que o país está aproveitando seu estoque de pessoal qualificado. O cenário dá a entender que a economia aquecida abre oportunidades para seus profissionais.
No entanto, quando o ICH cresce a taxas superiores às do PIB, ocorre o inverso: mais qualificações e menos oportunidades. “E aí é que vemos exemplos de engenheiros trabalhando como taxistas, advogados como investigadores de polícia e outros profissionais com mestrado e doutorado prestando concurso para cargos de nível médio.”
Outro reflexo dessa situação é a exportação de talentos, uma vez que outros países têm condições de absorver melhor que o Brasil a mão-de-obra especializada. “Hoje o Brasil paga muito menos por um nível de qualificação que outros países. É claro que há casos inversos, mas para demandas muito específicas. No geral, o país paga pouco.”
O casal de engenheiros Pedro Paulo e Themis de Mello, após concluírem programas de mestrado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), trabalham hoje numa unidade da Airbus na Inglaterra. Os dois eram funcionários da brasileira Embraer – o mestrado faz parte do programa de especialização da companhia –, mas viram na fabricante francesa de aviões melhores oportunidades. “Sem dúvida lá fora há muito mais vagas nessa área”, diz Themis. Ela conta que cerca de 20% dos colegas de mestrado também estão, como ela e o marido, trabalhando fora do país. Além do trabalho na Airbus, o casal abriu uma empresa de certificação de aeronaves. “A gente até pensa em voltar para o Brasil e talvez abrir uma empresa aqui, mas o mercado ainda está muito imaturo.”
Décadas anêmicas
Nas três décadas e meia avaliadas pelo estudo, somente os anos 70 tiveram um real aproveitamento de mão-de-obra. Também pudera. De 70 a 79, o país cresceu a uma média de 9% ao ano, uma verdadeira “fábrica de empregos”, como definiu o ex-ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen. A relação ICH/PIB é menor que 1, o que denota intenso uso produtivo do capital humano.
De 80 pra cá, o cenário mudou. “Depois disso, tivemos duas décadas anêmicas do ponto de vista do crescimento”, diz o Roberto Albuquerque. A relação ICH/PIB, nestas décadas, foi de 2,28 no período entre 1980 e 2000. O resultado, segundo o estudo, foi a “elevada subutilização do capital humano representada pelo aumento da desocupação” nestas duas décadas.
A boa notícia que a pesquisa traz é que, de 2000 para cá, o cenário está mudando. A economia tem esboçado sinais de maior crescimento (o avanço do PIB do primeiro trimestre do ano veio acima das expectativas, com expansão de 6,8%) e o desemprego tem diminuído. A relação ICH/PIB, entre 2000 e 2006, caiu para 1,37. “A fase de grande escassez do emprego está mudando nos últimos três ou quatro anos. Eu acho que o maior crescimento vai absorver esse volume de desemprego. E o nível de salário tende a se elevar. Até 2006 a gente tem estatísticas que mostram que o salário real está aumentando em termos reais”, avalia Albuquerque.
Por outro lado, como há um estoque de mão-de-obra “sobrequalificada”, a faixa da população com menos anos de estudo tende a ter dificuldade de se colocar, segundo o autor da pesquisa.
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