O descarte desse material, que preocupa ambientalistas de várias partes do mundo, foi um dos temas centrais do I Encontro Nacional de Reciclagem, realizado em Curitiba em 12 e 13 de junho. Organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o evento reuniu ambientalistas e pesquisadores de várias áreas, vindos de todo o país.
O químico Júlio Carlos Afonso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abordou no encontro os desafios do lixo eletrônico. Na opinião de Afonso, o lixo eletrônico é mais um produto da moderna sociedade de consumo, que se firma sobre um modelo totalmente insustentável. Aparelhos de telefone, produtos de informática, eletrodomésticos, equipamentos médico-hospitalares e até brinquedos são alguns dos novos vilões do meio ambiente. Dentro de um computador, podemos encontrar quase uma tabela periódica inteira, segundo o químico.
A reciclagem desse material pode ser vista de duas maneiras: uma boa, outra ruim. A boa é que muitos aparelhos têm grande potencial para reciclagem, devido à presença de metais preciosos em alguns circuitos eletrônicos. A ruim é que esse potencial raramente é explorado, uma vez que reciclar lixo eletrônico é um desafio. “Quanto mais complexa é a formulação de um material, mais difícil é a sua reciclagem”, diz Afonso.
Reaproveitar papel, plástico ou alumínio é fácil. Mas reciclar lixo eletrônico é um problema ainda sem solução. “O grande desafio é separar os metais nobres – como ouro, prata e cobre – dos elementos tóxicos, como mercúrio e cádmio”, disse o químico da UFRJ. Para cada tonelada de computadores, recupera-se mais ouro do que em 15 toneladas de minério bruto beneficiado para extração do metal.
Outro problema que vem tirando o sono dos ambientalistas é a implantação dos novos televisores de plasma e LCD. “Com o crescente número desses aparelhos no mercado”, prevê Afonso, “teremos milhões de televisores antigos, feitos com tubos de raios catódicos, indo para o lixo”. Cada um deles contém de três a quatro quilos de chumbo, e só pouco mais de 10% dos municípios brasileiros possuem aterros sanitários licenciados.
Números
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Onde isso tudo vai parar? “Não sabemos e nem temos ainda leis eficientes que dêem conta do problema”, disse Afonso. No Brasil, alguns estados começam a manifestar preocupação com o tema. No Paraná, por exemplo, já se discute uma medida que prevê a devolução do lixo eletrônico a seus fabricantes.
O primeiro grande impacto do lixo eletrônico não é o descarte dos aparelhos. A ameaça ambiental origina-se muito antes, na extração dos insumos necessários à sua fabricação. “É um lixo duplamente nocivo ao ambiente, pois causa problemas tanto ao ser descartado quanto ao ser produzido”, afirmou o químico.
Para a fabricação de um único computador, são necessárias duas toneladas de insumos. Recursos como água, combustíveis e outras matérias-primas resultam em uma conta astronômica, que dificilmente é objeto de reflexão por parte dos consumidores. Ao fabricar uma geladeira, por exemplo, a massa de matéria-prima utilizada é quase o dobro da massa do produto final. Aplicando-se o raciocínio aos produtos de informática, essa conta é ainda maior.
Problema social
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Os aparelhos vão para lixões a céu aberto, onde geralmente são incinerados, liberando dioxinas e gases tóxicos na atmosfera. Metais como chumbo e mercúrio oxidam-se e, transformados em poeira, são levados pelo vento. Uma vez queimado, esse material torna-se mais reativo, podendo ser dissolvido na água e absorvido pelo solo, contaminando assim o lençol freático.
Nas montanhas de sucata eletrônica brincam crianças, que freqüentemente se cortam com materiais pontiagudos. Afonso contou que certa vez, na África, um menino chutou um tubo de televisão, que explodiu e deformou metade de seu rosto. Como é comum, em países pobres, crianças andarem descalças sobre materiais tóxicos, o lixo eletrônico torna-se também uma questão de relevância social.
“Resolver esse problema transcende as barreiras científicas”, na óptica do pesquisador da UFRJ. Para ele, é sobretudo uma questão de educação ambiental. “Temos direito de consumir produtos que facilitem nossa vida cotidiana e é desejável que novas tecnologias sejam acessíveis a todos”, disse. Mas o problema, segundo ele, é a velocidade com que o fenômeno da obsolescência vem ocorrendo. “A sociedade se tornou vítima do consumo compulsivo, irresponsável e sem controle, alimentado pela última palavra da tecnologia e insustentável do ponto de vista ambiental.”
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