No segundo trimestre deste ano, a indústria de transformação cresceu 7,2% e puxou o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no período. Este comportamento recente, contudo, não acalmou os ânimos de um grupo crescente de economistas, que está convencido que o país contraiu em algum grau a chamada doença holandesa e por isso está em curso um processo precoce de desindustrialização da economia. O principal argumento deste grupo são os dados compilados pelo Instituto de Desenvolvimento Industrial (Iedi), pelos quais a participação da indústria no PIB caiu de 33% na média do início dos anos 90 (1991 a 1995) para 22% dez anos depois (2001 a 2005). A reportagem é de Denise Neumann e publicada pelo jornal Valor, 19-09-2007.
Para esses economistas, a forte alta de preço das commodities agrícolas e metálicas dos últimos dois anos reforçou um espaço que já existia para o desenvolvimento da versão brasileira da doença holandesa - nome que deriva dos problemas provocados naquele país europeu nos anos 70, quando as exportações de uma reserva de gás recém-descoberta elevaram muito o valor da moeda e afetaram a competitividade do resto do setor produtivo, especialmente a indústria. A indústria brasileira, dizem esses economistas, está cada vez mais dependente da exploração de recursos naturais e vem perdendo espaço na produção de bens de maior valor agregado.
Ontem, na terceira sessão do 4 Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a tese da desindustrialização dividiu opiniões. Entre o grupo reunido, o ex-secretário da Câmara de Comércio Exterior (Camex), José Roberto Mendonça de Barros ficou quase sozinho na defesa de que o Brasil não foi acometido por esse "mal". "Não consigo perceber sinais de doença holandesa. O que eu vejo é que a dinâmica da indústria está se alterando, há uma mudança estrutural em curso", afirmou ele.
No campo oposto - dos que vêem sinais de doença holandesa - ficaram o coordenador do Fórum, professor Luiz Carlos Carlos Bresser-Pereira, e os economistas ligados à indústria, Edgard Pereira, do Iedi, e André Rebelo, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Para Bresser-Pereira, o Brasil vem há muitos anos (desde o começo dos anos 90) cultivando sua própria doença holandesa. A combinação de um câmbio fora do lugar (na maior parte das vezes por conta do juro elevado) e de uma exploração sem precauções dos seus recursos naturais resultaram no baixo crescimento do país e na perda crescente de valor da produção industrial.
Bresser-Pereira argumenta que o governo brasileiro deveria se inspirar no caso norueguês, cujo governo, quando descobriu imensas reservas de petróleo, agiu para neutralizar o efeito que a exportação deste recurso natural abundante poderia ter sobre o câmbio e, consequentemente, sobre os demais setores da economia. "Abandonamos políticas de neutralização na década de 90", diz ele. No caso da Noruega, a "neutralização" ganhou forma na criação de tarifas de exportação sobre o petróleo.
Mendonça de Barros também usa os países escandinavos como exemplo, mas para defender que o Brasil aprofunde um modelo que está em curso em algumas cadeias produtivas - a agregação de conhecimento, de tecnologia e de inovação para a exploração de recursos naturais. Hoje, diz ele, as cadeias baseadas na exploração de recursos naturais representam um quarto do PIB, mas uma parte bastante expressiva agrega produtos e serviços de alta tecnologia. "Não podemos mais analisar a economia brasileira pela divisão clássica de setor primário, secundário e terciário. Essa é uma visão muito pobre do que ocorre hoje no país", insistiu Mendonça de Barros.
Pereira, do Iedi, argumenta que o Brasil chegou muito cedo a um perfil produtivo de países de renda média elevada (acima de US$ 11 mil anuais). Nesse perfil, quem comanda a economia é o setor de serviços. No Brasil, contudo, a capacidade desse setor em estimular a economia é muito pequena, segundo dados organizados pela Fiesp. No mundo, cada 0,66% de crescimento da indústria de transformação gera 1% de alta no PIB. No Brasil, é preciso menos: cada 0,42% de alta desse setor gera 1% de aumento do PIB. Já o setor de serviços precisa crescer 1,41% para ter impacto positivo de 1% no PIB brasileiro, explica Rebelo.
Embora divergindo sobre a existência ou não de doença holandesa no Brasil, economistas e empresários presentes ao Fórum da FGV concordaram que falta ao país uma estratégia de desenvolvimento. "E uma estratégia nacional precisa ser associada a políticas regionais e setoriais", defendeu o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Rodrigo Loures.
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