"O futuro suprimento venezuelano é estratégico para a retomada da industrialização brasileira e complemento para a termoeletricidade nacional", escreve Carlos Lessa, professor titular de Economia Brasileira da UFRJ e ex-presidente do BNDES, defendendo o gasoduto do sul, em artigo publicado no jornal Valor, 26-09-2007. Ele critica o ceticismo da Petrobras em relação à proposta de Hugo Chávez. Segundo Carlos Lessa, "se o governo brasileiro se definiu por uma estratégia de integração sul-americana, a Petrobras está obrigada, a exemplo da Pedevesa, a servir ao fortalecimento dessas relações". Segundo ele, "as petroleiras mundiais são contra os gasodutos; esta infra-estrutura as desloca, pois exige, tecnicamente, acordos geopolíticos fundamentais entre o produtor e o utilizador do gás". A Petrobras não pode ser simplesmente mais uma petroleira.
Eis o artigo.
"Em 2005 a Petrobras fechou acordo com a Pedevesa, compreendendo um elenco de projetos conjuntos. Haveria a troca de participações entre as duas estatais petroleiras sul-americanas, sendo que a Pedevesa participaria na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Petrobras no campo petrolífero Carabobo I (Venezuela). No mesmo bloco, haveria participação da Petrobras na exploração do extremamente importante e promissor depósito de gás na província de Mariscal Sucre. Há dois anos, está lançada a idéia de um gasoduto que remeteria gás natural das imensas jazidas venezuelanas para complementar o consumo industrial brasileiro e suprir Buenos Aires. Seria a coluna vertebral do início de uma integração pela energia na América do Sul.
Consistiria em um eixo que possibilitaria articular Uruguai, Paraguai e talvez Chile na equação energética continental com um combustível que, a cada dia, vê aumentada sua importância ante o débil crescimento das reservas internacionais de petróleo, frente à evolução do consumo internacional do combustível.
Nos últimos 20 anos, não foram descobertas novas bacias petrolíferas; o crescimento das reservas tem sido, basicamente, à base de reavaliações técnicas das jazidas conhecidas. A expansão do consumo mundial de petróleo vem elevando o preço relativo dessa energia, o que abre um horizonte extremamente promissor para a exploração de areias petrolíferas, petróleos ultra-pesados e, principalmente, de gás, quer como combustível, quer como matéria-prima. O gasoduto é vital para o balanço energético da Argentina, que necessita de combustível para seu desenvolvimento industrial, além do aquecimento doméstico durante os meses do inverno. Por outro lado, os dutos limitam a contribuição de gás boliviano ao Brasil. O futuro suprimento venezuelano é estratégico para a retomada da industrialização brasileira e complemento para a termoeletricidade nacional. Nosso país tem, ainda, disponível imenso potencial hidrelétrico, bem como pode ser o celeiro bioenergético do continente, porém não pode prescindir de gás. O gás é um ativo estratégico da Venezuela em seu futuro exportador de energia. O governo venezuelano é o que menos depende do gasoduto, do ponto de vista econômico trivial. Sabe que este combustível liquefeito será um energético com demanda explosiva nos próximos anos, e que deslocará a nafta como matéria-prima, ponto de partida da cadeia petroquímica.
Creio que com grande sabedoria estratégica e inspirado pela visão da integração sonhada por Simon Bolívar o governo venezuelano prioriza a construção do gasoduto. Desnecessário dizer que os laços da Venezuela com a Argentina, hoje importantes para o refinanciamento do passivo externo platino, estarão hiperconsolidados pelo gasoduto, que afastará Buenos Aires dos riscos de desabastecimento domiciliar no período invernal.
Para meu espanto, a Petrobras vem criando dificuldades no projeto de exploração de gás de Mariscal Sucre, autodefinindo-se como uma petroleira em competição com as demais irmãs, no nível do mercado global. A Petrobras vira as costas para a integração sul-americana e se encontra com "medo" do gasoduto, pois não quis rever de maneira fraterna o acordo com a Bolívia, firmado pelos presidentes neoliberais (FHC e o seu parceiro boliviano). No ano passado assisti um alto executivo da Petrobras definir que a missão da companhia era servir a seus acionistas. Claro que esta mesquinharia está reduzindo o Estado brasileiro a alguém que tem ações da companhia. Obviamente, com esse discurso banal a direção da Petrobras quer que os acionistas estrangeiros - mais de 40% do capital da companhia está em ADRs no exterior - se sintam priorizados. Coloca em risco a visão de futuro sul-americano em nome de uma prosaica autodefinição e um alinhamento ridículo com outras petroleiras. Afirmo que a missão histórica da Petrobras não se reduz a servir a seus acionistas, nem apenas a permitir as carreiras de seus funcionários.
A Petrobras nasceu da campanha "O Petróleo é Nosso". Foi construída com imenso esforço pelos brasileiros, que lhe garantiram o mercado interno, e viabilizaram uma robusta lucratividade em nome da soberania energética nacional. É uma empresa estatal estratégica para o futuro energético brasileiro. Deveria se definir como empresa de energia. É uma instituição pública com forma empresarial, que depende e deve estar a serviço do desenvolvimento nacional. Não é uma empresa "solta", cuja referência administrativa e teleológica seja a cotação de suas ações na bolsa de Nova Iorque. Se o governo brasileiro se definiu por uma estratégia de integração sul-americana, a Petrobras está obrigada, a exemplo da Pedevesa, a servir ao fortalecimento dessas relações. As petroleiras mundiais são contra os gasodutos; esta infra-estrutura as desloca, pois exige, tecnicamente, acordos geopolíticos fundamentais entre o produtor e o utilizador do gás. O gás liquefeito pode ser tratado como commodity, o que preservará o papel das petroleiras mundiais, agora ameaçadas pelo cenário futuro de um petróleo se esgotando. O consumo mundial projeta um progressivo encarecimento do petróleo. Países que esgotaram seu petróleo, exportando-o a US$ 3 o barril, são hoje importadores de óleo a mais de US$ 70. A Indonésia é um exemplo trágico de país que banalizou suas reservas. A China, com inteligência geopolítica, perfura poços e os mantém como estoque.
Ao invés de exportar excedentes nascidos de seu raquítico crescimento econômico nos últimos 25 anos, o Brasil deveria pensar no petróleo brasileiro como uma salvaguarda nacional e uma boa aplicação financeira para o futuro."
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