Afirmar que os meios digitais condicionaram o consumo cultural é, a esta altura do desenvolvimento da internet e da massividade alcançada pelos dispositivos móveis, pecar por prudência. O acelerado desenvolvimento da tecnologia na vida cotidiana dos cidadãos do século XXI transformou definitivamente os costumes que assinalavam a tradicional relação do público com a cultura. A informação – de importância capital nas sociedades da informação – é, talvez, o bem mais apreciado da nova era. Em conseqüência, os meios de comunicação souberam entender mais cedo que nunca que o futuro passa pela internet. E o jornalismo foi e é uma das profissões que mais e melhor abraçaram a digitalização. A mudança de paradigma na profissão que produziu o desembarque dos jornais na internet é, ainda hoje, tema de análises no mundo inteiro. “As grandes editoras de jornais tiveram cedo a consciência da necessidade de estabelecer-se na internet”, sublinha o argentino Luis Albornoz, especialista em comunicação, tecnologia e sociedade.
Autor de Periodismo digital. Los grandes diarios en la Red (La Crujía), Albornoz plasmou no livro os resultados de uma exaustiva e complexa pesquisa sobre a maneira como os jornais mais importantes da Iberoamérica se adaptaram à internet. Vencendo o preconceito inicial que havia no mundo editorial sobre a nova plataforma digital e ultrapassando a mera repetição da informação publicada em suas versões impressas, os jornais on-line se encontram em pleno processo de busca de um modelo de comunicação que se ajuste às demandas e hábitos dos internautas. E que seja rentável para as empresas.
“Longe de reproduzir uma pequena parte das notícias publicadas em seus ‘irmãos’ de papel, hoje os principais jornais on-line contam com uma atualização permanente, de 24 horas, em seus conteúdos informativos e complementam, em muitas ocasiões, as edições impressas”, conta Albornoz a Página/12, ele que é doutor da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madri. “Esta produção permanente de um fluxo noticioso – explica – aproxima os cabeçalhos digitais das lógicas de funcionamento dos sinais todo notícias de rádio e televisão. A internet outorga às editoras a possibilidade de oferecer novos serviços que buscam atrair potenciais usuários e satisfazer suas distintas necessidades. Há jornais on-line que oferecem versões especialmente diagramadas para deficientes visuais, espaços virtuais para guardar artigos de interesse ou envios de manchetes de uma determinada seção por correio eletrônico”.
Segue a íntegra da entrevista que Luis Albornoz concedeu ao jornal Página/12, 26-08-2007. A tradução é do Cepat.
Quais são, para os jornais impressos, os maiores obstáculos que devem enfrentar na hora de compreender o consumo on-line?
A irrupção das novas redes digitais, junto com a presença dos tradicionais meios de informação, veio complexificar os sistemas de informação e entretenimento. Estamos numa etapa de reequilíbrios em que um conjunto de agentes luta por captar o tempo e a atenção – recursos finitos – dos usuários. Neste novo e competitivo cenário midiático, a presença das editoras de imprensa em castelhano se encontra tensionada por uma série de fatores exógenos e endógenos. Entre os primeiros se situam o escasso poder aquisitivo de amplos setores da população, o que condiciona o gasto familiar em informação e ócio ao tempo que atenta contra a imposição de modelos de pagamento neste setor, os baixos índices de leitura de imprensa escrita, ou a escassa penetração de conexões com banda larga suficiente para descarregar conteúdos em questão de segundos. No caso dos fatores relacionados às editoras, cabe assinalar o peso (prestígio, acordos comerciais, etc.) que têm os cabeçalhos “irmãos” de papel no desenvolvimento dos sítios web, o pertencimento ou não a conglomerados multimidiáticos, a falta de modelos de negócios que deram certo ou, por último, o olhar que o próprio jornal on-line tem acerca de seus potenciais usuários.
Se bem que em seus princípios os jornais só reproduziam a versão impressa na rede, de alguns tempos para cá passaram a constituir no portal uma equipe específica para a criação de conteúdos e a utilização de uma linguagem multimídia. Essa mudança no paradigma se deve ao fato de que os meios de comunicação entenderam que o consumo on-line se tornou inevitável?
O crescimento do parque de computadores em nível empresarial e doméstico, a conexão destes à internet e o significativo aumento de conexões de banda larga suficiente para carregar/descarregar conteúdos audiovisuais e multimídia incidem no aumento de conteúdos e serviços de todo tipo através da rede. Os jornais, como empresas privadas e comerciais, têm hoje necessidade de incursionar nas redes digitais de maneira a obter sucesso. E para isso necessitam criar sítios web atrativos: a atração traz prestígio e visitas; o prestígio, influência e as visitas, publicidade e vendas. Pois bem, como conseguir sítios atrativos é a pergunta que os responsáveis pelos jornais on-line se fazem. Diante desta pergunta surgem múltiplas respostas em função dos recursos e experiências de cada editora.
Mas nenhuma opção na web pode deixar de lado a sinergia multimídia (fotos, vídeos, infografias com movimento).
Se bem que o peso da palavra escrita – e das fotografias – ainda seja determinante, existe um processo de audiovisualização crescente. Neste sentido, observam-se claras diferenças entre aqueles jornais on-line que pertencem a conglomerados empresariais multimídia e aqueles que não. A pertença a um grupo multimídia permite estabelecer uma série de reenvios, através de ligações, entre as diferentes unidades informativas (rádio, televisão). Assim, por exemplo, uma notícia escrita e ilustrada com fotografias se vê complementada pelo áudio de uma entrevista ou as imagens dos protagonistas. Para muitas editoras a produção de áudio e vídeo é um desafio novo, algo totalmente alheio às habituais rotinas jornalísticas. Por outro lado, a criatividade e a confluência de diferentes saberes profissionais estão dando lugar a atraentes gráficos animados. Herdeiros da infografia, estes se vão perfilando como uma nova maneira de relatar e construir sucessos de interesse geral.
A tendência que vai se impondo nos jornais é o da gratuidade dos conteúdos? Que modelo de negócio prevalecerá no futuro?
Uma primeira aproximação pode levar a pensar que os jornais on-line se dividem em dois grandes grupos: os gratuitos e os pagos. No entanto, quase todos os jornais em formato digital oferecem, em diferente proporção, tanto conteúdos e serviços pagos (as versões em formato PDF das edições impressas, por exemplo) como gratuitos. Neste sentido, todos os jornais on-line tendem a conformar uma carteira diversificada de fontes de ingressos econômicos, onde a publicidade se revela como a principal. Além disso, há aqueles conteúdos e serviços que requerem uma assinatura prévia, onde os usuários dão informações que ajudam na construção de perfis de consumidores e de consumo. Uma informação de grande importância na hora de estabelecer tarifas publicitárias e acordos comerciais. Atualmente, o crescimento lento mas sustentado dos ingressos publicitários na internet está permitindo que um modelo de negócio centrado na pauta publicitária – como no rádio e na TV generalista, ou na imprensa gratuita – seja possível a médio prazo. Hoje, a realidade é que a grande maioria dos principais jornais on-line em castelhano é deficitária, sendo subsidiados por outras unidades empresariais às quais pertencem as editoras. Anos atrás, alguns analistas anunciaram o fim da gratuidade dos grandes cabeçalhos na rede. Contudo, como assinala o consultor norte-americano Vin Crosbie, o modelo pago parece estar reservado só a alguns poucos eleitos: aqueles que provêm uma informação que pode ajudar a fazer ganhar ou economizar dinheiro, aqueles que dão uma informação que nenhum outro meio proporciona ou aqueles que são número um em sua especialidade.
Como os jornais resolveram a difusa fronteira entre a publicidade e as notícias que colocam em formato on-line?
Este é um tema não resolvido. A necessidade de ganhar, ou ao menos, de não perder dinheiro levou as casas editoras a diversificar sua oferta de conteúdos e serviços. Nessa diversificação as editoras encontraram novos sócios, como empresas de telecomunicações ou programadores informáticos, por exemplo, diluindo em muitos casos a linha divisória – clássica na imprensa escrita – entre a área comercial e a área de notícias. Dentro da publicidade on-line empregada pelas principais cabeçalhos on-line em castelhano se encontram formatos elaborados com o apoio editorial do jornal. Assim mesmo, fruto de acordos comerciais entre as editoras e outras empresas comerciais se detecta a oferta de guias (de restaurantes, hotéis, viagens, centros comerciais, etc.), de assinatura de diferentes newsletters ou de coberturas em tempo real das bolsas. Como proteger a oferta de conteúdos e serviços informativos da influência dos interesses econômicos e políticos é uma questão central que deve figurar na agenda de prioridades de qualquer empresa informativa. Quando a independência informativa corre perigo, o prestígio e a credibilidade de um meio são arranhados.
A interatividade apregoada pelos jornais on-line é real?
A interatividade, uma palavra na moda que remete a uma realidade imprecisa, é neste momento mais uma promessa do que uma realidade. Se nos detivermos em analisar os mecanismos de participação dos leitores/usuários, um dos aspectos examinados no livro que poderia estar potenciado pelas possibilidades interativas da rede, vemos que estes estão amplamente controlados pelos próprios meios e parcialmente infrautilizados. Além disso, a maioria dos jornais on-line estabeleceu a figura do moderador, que se encarrega de intermediar entre os leitores/usuários e o próprio meio. Por outro lado, é clara a falta de conexão que existe entre os artigos jornalísticos assinados por jornalistas profissionais e os conteúdos elaborados pelos leitores. A própria dinâmica de interação meio-audiências na internet está em plena evolução. Pense-se que se num primeiro momento a participação dos públicos se dava fundamentalmente através da palavra escrita, novos formatos de participação estão surgindo: desde as fotografias captadas por telefones celulares após os atentados no metrô de Londres até os vídeos de aficionados que filmaram as conseqüências da tsunami que devastou o sul da Ásia.
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