Eles começaram resolvendo disputas entre presos. Agora, são comerciantes e moradores de bairros dominados pelo tráfico que recorrem aos “tribunais” do Primeiro Comando da Capital. “São pessoas que não acreditam ou não tiveram problemas solucionados pela polícia ou Justiça”, diz o delegado responsável por uma central de escuta telefônica que acompanha ligações feitas para presos no interior paulista. “Esse tipo de ‘julgamento’ está entupindo nosso trabalho de escutas. Agora o PCC ‘julga’ pequenas dívidas, furtos de bairros e até briga de marido e mulher.” A reportagem é de Chico Siqueira e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 17-02-2008.
As escutas revelaram episódios como o da doméstica Simone, que vivia se queixando do marido às amigas e admitiu que teve um caso. O marido, do PCC, recorreu a um “tribunal”. Foi autorizado a dar uma surra em Simone, que passou dois dias no hospital, em Penápolis, a 491 quilômetros de São Paulo.
Essa “pena” foi bem mais leve que a do agricultor Everardo Roque de Lima, primeiro julgamento acompanhado por escutas. No Natal de 2006, ele saiu de um forró com uma mulher. Os dois beberam, ela passou mal e ele a levou para casa. Acusado de estupro, foi condenado e morto em Limeira, a 151 quilômetros de São Paulo. Antes, Lima teve o antebraço decepado e os olhos arrancados.
Casos como o de Lima ainda são decididos pelos tribunais de presídios. Mas, para ganhar a simpatia dos vizinhos, traficantes da facção organizam tribunais paralelos para julgar e punir culpados. O credor ou a vítima é que estabelece a punição ao infrator, que também é ouvido.
O pior é que a inteligência da Polícia Civil constatou que os tribunais são procurados agora por pessoas sem ligação com o PCC. Como ocorreu em Presidente Prudente, a 530 km de São Paulo, quando ladrões atacaram o bar de J. A. P. “Nem precisei ir à polícia. Um menino que vem aqui disse que poderia recuperar o prejuízo e aceitei”, conta J. “Três dias depois, devolveram tudo. Até dez pacotes de cigarro, intactos.”
Novas regras do PCC deixam governo em alerta
No mês passado, a Secretaria de Segurança Pública distribuiu comunicado às delegacias do Estado avisando sobre a suposta decisão do PCC de liberar bandidos para praticar crimes sem autorização de chefes. Nele, o Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol) avisa que a facção determinou que assassinatos de policiais, “talaricos” (homens que assediam mulheres de membros da facção), estupradores e alcagüetes não precisam de “autorização”.
O objetivo, segundo o serviço de inteligência da Polícia Civil, é evitar que líderes sejam condenados como mandantes do crime. “Líderes que votavam no tribunal acabavam denunciados como mandantes dos crimes”, explicou o agente da inteligência da Polícia Civil.
Líder do PCC numa cidade de 30 mil habitantes do Oeste do Estado, C. M. O., de 26 anos, atua como “disciplina da quebrada”, espécie de coordenador regional. Conta que, pelas regras do “partido”, “crime de vida se paga com vida”, mas estupro e “traição” ao comando (delação) também podem ser motivos para morte. “Todos eles precisam de autorização dos superiores, mas damos chance de o acusado se defender.”
E que casos não dependem de autorização? “Pequenas dívidas, furtos e outras distorções pequenas podem ser resolvidas pelo disciplina da quebrada. Mas tem outros que precisam ser fechados com disciplinas regionais e sintonias e, se for o caso, levado a sintonias de outras áreas e gerais e até ao comando fora e dentro do sistema (das penitenciárias).”
Como “disciplina da quebrada”, ele decidiu há pouco tempo o caso de uma mulher que teve a casa assaltada. “Primeiro ela chamou a polícia, que não achou nada. Então avisou a gente e fomos lá e recuperamos os pertences dela.” E o que aconteceu com o ladrão? “A gente avisou o moleque para não dar bobeira. Da próxima vez, leva corretivo. Podemos dar um pau nele. Esse tipo de vacilo não precisa de autorização de cima.”
Diretor regional do Departamento de Polícia Judiciária do Interior, Antonio Mestre Filho admite que traficantes podem assumir o papel de “justiceiros” para manter a polícia longe e atrair a simpatia de moradores. Mas diz que isso ocorre até mesmo com bandidos não ligados ao PCC. Experiente no combate ao crime, ele afirma que o PCC se enfraqueceu após os ataques e agora tenta se reorganizar. “Não podemos ver esses quadrilheiros como entidade. É isso que eles querem.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário