As empresas e o governo brasileiros estão entre os mais expostos no mundo a crimes de colarinho branco, revela levantamento feito pela KPMG. De acordo com estimativas da consultoria, o país perde anualmente cerca de R$ 160 bilhões — ou 6% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) — com corrupção e fraude, envolvendo principalmente crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. As operações suspeitas, detectadas por bancos e remetidas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), têm aumentado com força no Brasil. Este ano, são esperados pelo Coaf 300 mil registros de movimentações atípicas no sistema financeiro. A reportagem é de Bruno Rosa e publicada pelo jornal O Globo, 28-07-2008.
O número é 112,77% maior em relação ao do ano passado, quando foram verificadas 141 mil operações com indícios de irregularidade.
Os bloqueios feitos pela Justiça Federal em contas bancárias este ano mostram a força da corrupção no maior país da América Latina.
Coaf bloqueou este ano R$ 17 milhões
Segundo dados do Coaf, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, cerca de R$ 17 milhões foram bloqueados pelo Poder Judiciário entre janeiro e junho deste ano. É o mesmo valor apreendido em todo o ano passado. Em 2008, a Polícia Federal PF) já deflagrou 117 operações, entre elas a Satiagraha, cujo alvo é o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, e a Toque de Midas, que investiga a MMX, do empresário Eike Batista.
De acordo com Antônio Gustavo Rodrigues, presidente do Coaf, 30% das ações feitas pela PF contaram com o apoio do conselho. Segundo ele, a PF e o Ministério Público Federal (MPF) são sempre informados sobre as “operações estranhas”, registradas pelo sistema, como depósitos que não correspondem ao rendimento do dono da conta, transferências ao exterior e seguros com apólices muito elevadas.
— O caso mais freqüente é quando uma pessoa recebe mais dinheiro na conta do que recebe de salário. Na maioria das vezes, ela se recusa a informar ao banco. Dentro do grupo de registros financeiros, o número de operações atípicas no sistema bancário deve chegar a 17 mil neste ano, contra 15,8 mil em 2007. Às vezes, essas operações podem até ser legítimas, mas a circunstância em que foram feitas é irregular — diz Rodrigues.
Pelos dados da KPMG, cerca de 69% das companhias brasileiras já sofreram com a corrupção de seus funcionários. O país só perde para os Estados Unidos, onde o total de companhias afetadas é de 75%.
Em seguida, está a Austrália, com 47%. Na opinião de Werner Scharrer, sócio de uma das divisões da KPMG, os fraudadores são experientes, pois já cometerem diferentes crimes antes. Ele acrescenta que, na maioria dos casos, o fraudador trabalha na companhia há alguns anos:
— As empresas no Brasil sofrem mais com corrupção do que em outros lugares do mundo. Há a questão cultural, pois a sensação de impunidade no país é grande.
Scharrer observa que a abertura da economia também contribuiu para o aumento das irregularidades, já que atraiu mais dinheiro para o país e mecanismos financeiros sofisticados, com operações pela internet.
Ele acha, no entanto, que as operações da PF estão começando a mudar a sensação de impunidade, embora a Justiça ainda seja lenta:
— No caso da Satiagraha, a polícia fez um bom trabalho, e a percepção de que algo acontece no país começa a mudar. Por outro lado, o Judiciário não consegue acompanhar com a mesma velocidade.
A estimativa de perdas no país de 6% do PIB considera projeções de seguradoras, bancos, associações e organismos internacionais, explica.
Segundo Scharrer, o Brasil tem muita corrupção, o que acaba afastando os investidores internacionais e, assim, adiando investimentos e impedindo a criação de novas vagas de trabalho. Maíra Richa Machado, professora de Direito Penal da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), cita outro complicador nos casos recentes de corrupção:
— As operações desses crimes ficam cada vez mais complexas, pois há intercâmbio de operações com o sistema financeiro internacional. Por isso, o Estado tem de sofisticar sua forma de atuar e identificar os casos. E o pior é que os acusados não vão para a cadeia, pois acabam cobrindo penas alternativas — diz ela.
USP: há sensação de impunidade
Segundo o procurador Roberto Livianu, do Ministério Público Federal de São Paulo, não há cultura de respeito à lei no Brasil:
— A linha entre o público e o privado se perdeu. E isso é muito nocivo. Há um inchaço hoje no número de casos de cargos de confiança. A questão é que a Justiça não prioriza a condenação de acusados por crimes de colarinho branco, diferente do que acontece com alguém que matou. E isso é curioso, pois esses crimes desviam milhões dos cofres públicos, que poderiam ser canalizados para saúde e educação.
Segundo a advogada Janaína Paschoal, professora e doutora do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), o imaginário coletivo está permeado pelo mito de que o criminoso, seja ele qual for, é inteligente, tem dinheiro e poder. Enquanto não se modificar isso, o crime, em todas as camadas, vai continuar imperando, completa ela. Em sua opinião, é “uma questão de educação, de formação do indivíduo”:
— Em relação à lavagem de dinheiro e à evasão de divisas, creio que tem havido, na prática, uma generalização, que implica investigar tudo e mais um pouco, o que gera a sensação de impunidade.
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