Com o fracasso das negociações na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro confirma que vai partir em busca de acordos comerciais bilaterais e não descarta a retomada do diálogo entre o Mercosul e os Estados Unidos. Outra prioridade será a União Européia (UE). Mas Bruxelas alerta que os problemas na Rodada não vão desaparecer e, portanto, também prevê um processo difícil. “Eu e muitas pessoas havíamos apostado todas as fichas em Doha”, disse o chanceler brasileiro Celso Amorim. Com o fracasso da Rodada, a própria política comercial brasileira deverá passar por uma revisão. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-07-2008.
“A OMC era a prioridade, pois somente aqui é que poderíamos tratar de subsídios. Mas agora vamos ter de nos concentrar em coisas que dão resultados. Não posso ficar pendurado aqui por mais quatro anos”, disse Amorim. Perguntado como veria a OMC a partir de agora, o ministro foi direto: “De longe”.
Para muitos ontem em Genebra, o fracasso da Rodada põe em risco credibilidade da OMC como o centro das negociações internacionais. Países em diversos cantos do mundo vão buscar soluções bilaterais e os acordo regionais devem proliferar.
Amorim reconhece que as negociações com a UE terão de partir de uma nova base. Mas a comissária de Agricultura da Europa, Marianne Fischer Boel, alerta que os problemas continuarão. “O que foi problemático aqui também será entre o Mercosul e a UE.”
Sobre um acordo com os Estados Unidos, Amorim deixa claro que o modelo da Alca não poderá ser repetido. Mas admite conversar. “Vamos ver com o Mercosul”, disse Amorim. “Não excluo essa possibilidade, mas não como vinha sendo proposto, com leis de patentes e investimentos. Não será fácil, mas, se houver uma tentativa realista, por que não?”
No Brasil, a Fiesp já tem uma agenda de acordo que gostaria de ver negociado, enquanto sul-africanos, asiáticos e latino-americanos devem buscar o mesmo caminho. Já a França alerta que também bloqueará essas iniciativas se elas signifiquem a abertura de seus setores agrícolas.
INDÚSTRIA PEDE AÇÃO
“Não podemos mais apenas reagir ao cenário internacional. Precisamos ser ativos e buscar acordos”, disse Mario Marconini, diretor de Relações Internacionais da Fiesp. Em sua agenda está a retomada de um acordo com a Europa, além de mais acessos aos mercados vizinhos, entre eles Peru e Colômbia.
Na Confederação Nacional da Indústria (CNA), a pressão é para que o governo passe a buscar acordos e retomar as negociações entre o Mercosul e os europeus. O processo foi interrompido em 2004, depois que as duas regiões não conseguiram se entender sobre o preço que os sul-americanos precisariam pagar pelas concessões no setor agrícola da UE.
Desde então, a esperança era de que a Rodada Doha fosse concluída e, a partir daí, uma base fosse criada para o entendimento regional. Mas, com o fracasso de ontem, tanto o Mercosul como a UE terão de repensar sobre que bases negociarão.
“Vamos ter de recomeçar do zero todas nossas negociações, já que as bases são outras”, disse Nestor Stancanelli, negociador-chefe da Argentina. Para ele, nenhum acordo conseguirá ser concluído antes do fim de 2009. “Haverá um congelamento da situação internacional.”
O embaixador da França na OMC, Phillip Gros, também alertou que o fracasso de Doha não significa que os acordos bilaterais serão fáceis. “Nos países democráticos, os governos precisam levar em consideração a opinião pública. Hoje, essa opinião pública pressiona por certas medidas protecionistas e precisamos respeitá-las, se um governo pretende representar a população.” Os franceses estão entre os mais protecionistas da Europa e recebem metade dos subsídios da UE por ano.
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