"Talvez essa nova fase do processo produtiva da informação tenha sido mais efetiva em termos de controle de conteúdo", e sem dúvida proporcionou condições pouco propícias à reflexão. Mas a informação, em qualquer hipótese, é uma elaboração intelectual que chega ao público como mercadoria - e essa mercadoria é parte de um todo orgânico, o veículo de comunicação, que atua na mediação entre o Estado e a sociedade civil", escreve Maria Inês Nassif, jornalista, em artigo publicado no jornal Valor, 31-07-2008. Segundo a jornalista,"a informação hoje vale dinheiro e poder - e não necessariamente ela enche o bolso de quem fez jus ao dinheiro, ou dá poder a quem deveria ter acesso legítimo a ele. Talvez seja a hora de refletir seriamente sobre isso".
Eis o artigo.
Para quem opera diariamente na linha de produção dos meios de comunicação, é cada vez mais complicado entender o alcance da informação, isto é, a função que ela exerce num mundo globalizado, onde invade todas as áreas do conhecimento, é parte do processo de acumulação e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, é cada vez mais compartimentada. De qualquer forma, no processo de produção de informação, o que é menos relevante é a intenção daquele que produz a notícia. O que importa é a função que ele exerce naquele momento. E aí, de boas intenções o inferno está cheio.
A profissão de jornalista sofreu significativa mudança na última década. Após o Plano Real, quando o país entrou definitivamente na órbita do capital globalizado, a produção informativa deixou de funcionar apenas como formuladora de consensos e passou a ser parte integrante do processo de acumulação financeira. A informação hoje é um dado de qualquer movimento especulativo - as mesas de operação precisam da informação assim como do dinheiro para especular. Simultaneamente, os meios de comunicação, enquanto investiam numa rápida transformação tecnológica, fizeram do jornalista um "apertador de parafusos". Em "Os jornais, a democracia e a ditadura do mercado", defini esse período como a "era taylorista da informação", onde os "operários da notícia são obrigados a ajustar a sua produção a uma esteira que adquire cada vez mais velocidade, impulsionada por investimentos em tecnologia - e, na outra ponta, por sucessivos processos de reestruturação de material humano".
"Talvez essa nova fase do processo produtiva da informação tenha sido mais efetiva em termos de controle de conteúdo", e sem dúvida proporcionou condições pouco propícias à reflexão. Mas a informação, em qualquer hipótese, é uma elaboração intelectual que chega ao público como mercadoria - e essa mercadoria é parte de um todo orgânico, o veículo de comunicação, que atua na mediação entre o Estado e a sociedade civil.
O ator envolvido na elaboração da notícia é parte de um processo de amoldamento da opinião pública. O pensador italiano Antonio Gramsci entendia que a "imprensa marrom" e o rádio (esse veículo era a mass media no entre-guerras) eram os principais instrumentos para a consolidação de sensos comuns que poderiam forjar verdades favoráveis a uma das partes de uma disputa pela hegemonia. Uma das formas de se obter isso, ainda segundo Gramsci, era forjando "explosões de pânico ou entusiasmo fictícios". Isto é, provocando uma "predominância emotiva" e, com base numa onda emocional, forjando entendimento que passa a ser um consenso, uma opinião pública dominante, sem, contudo, ser necessariamente verdade - ou ser necessariamente importante. Apesar de Gramsci ter elaborado as suas teorias na primeira metade do século passado, e na Itália, a conjuntura recente do Brasil está cheia de exemplos de como as "explosões" interferem nos movimentos de opinião pública. E a imprensa que mediou essas pressões não pode ser considerada "marrom".
Um exemplo quase caricato é o das eleições de 1989, quando a campanha do candidato do PRN à Presidência, Fernando Collor, fez crer, e os meios de comunicação trataram como uma verdade ao reproduzir essa afirmação acriticamente, que Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT que disputava com ele o segundo turno das eleições, desapropriaria apartamentos grandes e neles abrigaria várias famílias; ou que o fato de ter um som "três em um" era um luxo que certamente era produto de corrupção (embora Lula jamais tivesse ocupado um cargo público); ou que o fato de ter tido uma filha fora do casamento o tornava como ameaça à família. Foi o caso também das eleições de 2002, quando os jornais reproduziram acriticamente "razões" de mercado para movimentos especulativos que quase quebraram o país e contribuíram para que o candidato petista, mesmo antes de ser eleito, jogar o seu programa econômico na lata do lixo - uma situação meio maluca onde o candidato que nunca tinha ocupado o governo federal foi responsabilizado sistematicamente por uma crise financeira que decorria de forte movimento especulativo, ampliado por uma fragilidade externa que era dada pelo endividamento do país.
Um leitor deixou recado em dois blogs, pedindo explicações sobre o fato de eu ter afirmado, na coluna da semana passada, que o governo, ao afastar o delegado Protógenes Queiroz, da PF, das investigações sobre o esquema Dantas, respondia a uma pressão mediada pela imprensa. Essa coluna imensa é uma tentativa de responder à sua pergunta. Existem sutilezas na veiculação de notícias que funcionam - têm a função, embora não necessariamente a intenção - como instrumentos de pressão. As "explosões de pânico ou entusiasmo" são instrumentos eficientíssimos de pressão. Essas "explosões" são a formulação teórica do que se aponta como "sensacionalização" da notícia, do fato. O sensacional não é sutil, mas há uma sutileza na forma como se procede à pressão dos agentes políticos pela sensacionalização da notícia - não necessariamente o noticiarista emite um juízo de valor, mas quando torna escandaloso o que não é necessariamente escandaloso, ou retrata como anormal um fato que não é necessariamente anormal, ele embute um juízo de valor numa notícia que é tecnicamente dada como neutra. Quando a essa forma de tratamento da notícia se adicionam páginas editoriais, a uma informação "neutra", que teoricamente é o retrato da realidade, somam-se opiniões definidas como a "racionalidade", visto que baseadas na "fotografia" do fato. A expressão da "verdade" e da "realidade", nesses termos, não é necessariamente verídico, nem real, nem destituído de intenção política.
Do ponto de vista do profissional da imprensa - aquele a quem se ensina, na escola de jornalismo, que a informação tem que ser neutra - existe uma confusão que tem sido a propulsora de "explosões" sucessivas: o conceito do "furo". A informação exclusiva é importante para diferenciar os veículos de comunicação, mas ela jamais pode ser a informação pela metade. Afinal, informação hoje vale dinheiro e poder - e não necessariamente ela enche o bolso de quem fez jus ao dinheiro, ou dá poder a quem deveria ter acesso legítimo a ele. Talvez seja a hora de refletir seriamente sobre isso.
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