"A privatização, diga-se, foi apresentada como a fórmula mágica para retirar o Estado da cena e prevenir o dinheiro mal havido e a prática do ilícito. Na vida real, renovou o arranjo entre "os dois setores" e entregou o destino dos consumidores às avaliações dos bancos de investimento e às suas relações com os administradores do "capital líquido", hoje organizado sob a forma "coletiva" dos fundos mútuos, fundos de pensão, "private equity funds" e fundos de hedge", escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-07-2008. Segundo ele, "o relatório do dr. Protógenes demonstra que a privatização dos serviços públicos realizada sob o patrocínio do Estado não o eximiu de se envolver na luta entre os privados", E conclui que "na origem, no meio e no fim, a lógica da acumulação privada, a essência espiritual da sociedade, se apossa das burocracias".
Eis o artigo.
As porpostas de re-regulamentação sobrevoam ameaçadoras as cabeças do povo de Wall Street. No programa "Roda Viva" que será exibido na segunda-feira, 4 de agosto, um dos entrevistadores perguntou a Paul Krugman se isso não inibiria o espírito inovador dos mercados financeiros. Krugman respondeu: esse argumento é típico dos corifeus da inventividade - quebram instituições e apresentam a conta ao Tio Sam.
Em "A Economia das Fraudes Inocentes", John Kenneth Galbraith lança luz sobre as relações entre o público e o privado. No capítulo "O Mito dos Dois Setores", ele afirma: "O papel dominante do setor privado no setor público é uma evidência. Seria melhor afirmar isso claramente... A intrusão do setor nitidamente privado no setor público se generalizou. Dotados de plenos poderes na grande empresa moderna, é natural que os executivos estendam esse papel para a política e para o Estado".
A reprodução dessas relações sustentou o enriquecimento e aumentou o poder da elite financeira na América. Desde a Guerra de Secessão até a crise do "subprime", à exceção de Roosevelt e, talvez, do republicano Eisenhower e do democrata Lyndon Johnson, muitos contribuíram para o enterro do ideário do "New Deal". Reagan, Bush pai, Clinton até chegar a Bush Filho deslancharam a desregulamentação financeira, a liberalização das contas de capital e as privatizações. Reformas que prometiam mais eficiência e menos corrupção.
A privatização, diga-se, foi apresentada como a fórmula mágica para retirar o Estado da cena e prevenir o dinheiro mal havido e a prática do ilícito. Na vida real, renovou o arranjo entre "os dois setores" e entregou o destino dos consumidores às avaliações dos bancos de investimento e às suas relações com os administradores do "capital líquido", hoje organizado sob a forma "coletiva" dos fundos mútuos, fundos de pensão, "private equity funds" e fundos de hedge.
O objetivo de diversificar a riqueza de cada grupo privado e, ao mesmo tempo, concentrar a direção dos negócios, ensejando a participação nos vários mercados, sobrepujou, na maioria dos casos, os interesses dos consumidores. No jogo perigoso de fusões e aquisições, a transferência de ativos públicos a grupos privados não reduziu a intensidade do conflito e tampouco eximiu o Estado de intervir na concorrência predatória entre gigantes "coletivizados".
No caso das telecomunicações, a experiência internacional mostra que, depois de um breve período "concorrencial", as empresas buscam aumentar a sua capacidade de ganhos. Isso envolve economias de escala e, concomitantemente, a ampliação do "market share" e a recentralização do controle. O relatório do dr. Protógenes demonstra que a privatização dos serviços públicos realizada sob o patrocínio do Estado não o eximiu de se envolver na luta entre os privados.
Na origem, no meio e no fim, a lógica da acumulação privada, a essência espiritual da sociedade, se apossa das burocracias.
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