O banqueiro Daniel Dantas é um homem de superlativos. Suas atividades agropecuárias lhe rendem o título de cidadão com mais terras no Pará: 510 mil hectares, gleba pouco menor que todo o Distrito Federal, distribuídos por 43 fazendas em nove cidades. A reportagem é de Henrique Gomes Batista e publicada pelo jornal O Globo, 27-07-2008.
Nesta imensidão pastam 500 mil bois, rebanho que deve ser duplicado até 2010. O sócio do Opportunity, porém, também já é considerado por autoridades locais seu maior problema fundiário. Seu reinado na região de Marabá pode ter causado um rombo de meio bilhão de reais aos cofres públicos, o que deve fazer de Dantas o principal réu do Pará ainda este ano, segundo a Procuradoria Geral do Estado.
O grupo é suspeito ainda de plantar cana-de-açúcar, visando à produção de etanol, sem licenciamento ambiental.
— Sem dúvida nenhuma Daniel Dantas é o nosso caso mais emblemático e importante no esforço que estamos fazendo para regularizar a situação fundiária no Pará — afirma o procurador-geral do estado, Ibrahim José Rocha.
A ofensiva é decorrente dos métodos que Dantas utilizou para montar seu império. A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, braço de agronegócio do grupo de Dantas, adquiriu propriedades que estavam em aforamento — autorização para a exploração de terra pública — que, em tese, não poderiam ser vendidas, segundo o governo. Outros empresários adquiriram terra da mesma forma.
Vendedor fica com as pendências dos imóveis
Além disso, o grupo, segundo Rocha, utiliza uma profusão de contratos de gaveta, que dificultam a investigação das origens dos recursos e da real titularidade das terras. Alguns dos documentos estabelecem, entre outras coisas, que caberá ao vendedor resolver todas as pendências dos imóveis no governo do Pará — o que, para alguns especialistas do mercado, significa uma assunção da irregularidade jurídica dos imóveis por parte dos compradores.
Este é o caso da Fazenda Cedro, uma espécie de “fazenda modelo” de 4 mil hectares em Marabá: adquirida há dois anos do pecuarista Benedito Mutran Filho, ela continua registrada em seu nome no cartório local, apesar de ser administrada pela Santa Bárbara, que ostenta seu nome em um grande pórtico na propriedade. Este tipo de entrada, aliás, se repete nas outras propriedades do grupo, sempre muito bem vigiadas por seguranças armados e pela comunicação por rádio entre funcionários uniformizados, se destacando em relação às demais fazendas da região.
— Isto dificulta a investigação, mas sabemos que ele (Dantas) é o proprietário deste imóvel e de outros que estamos pesquisando, junto a um levantamento inédito das propriedades do estado — informou José Helder Benatti, presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa).
Benatti sustenta que o problema de Dantas não é apenas com a compra de terras de aforamento e seus contratos de gaveta. Segundo ele, o Iterpa identifica fortes indícios de compra de terras griladas:
— Em dois anos eles adquiriram mais de meio milhão de hectares. Acompanhamos, há quatro anos, uma tentativa da Vale de comprar cem mil hectares legalizados e ela não conseguiu.
Porque praticamente não há terras legais disponíveis no estado, apenas 20% do total.
O procurador do estado acredita que, somando os casos de compra por aforamento e de fazendas em áreas “griladas”, o prejuízo que Dantas causou ao estado pode chegar a R$ 500 milhões. Só a Fazenda Cedro foi vendida, segundo o mercado local, por R$ 85 milhões.
O vendedor da Cedro, Benedito Mutran, afirma que não tem a obrigação de confirmar o valor porque já o teria informado à Receita Federal. Segundo ele, a propriedade já estava escriturada em seu nome e, assim, não era necessário pedir autorização para vendê-la, embora a legislação estadual diga o contrário.
Ao ser questionado por que a fazenda ainda está em seu nome no cartório de Marabá, Mutran alterou sua versão:
— Ela ainda está em processo de venda. Tenho uma promessa de compra e venda com Carlos Rodemburgo (ex-cunhado de Dantas e dirigente da Santa Bárbara, que também teve a prisão pedida na Operação Satiagraha) e vou transferi-la após a conclusão do pagamento.
O presidente do Iterpa afirma que não se trata de uma investigação específica contra Dantas, mas de tentar regularizar as terras públicas do estado, algo que sempre gerou conflitos.
Este levantamento ficará pronto entre o fim de agosto e o começo de setembro.
— Ao concluirmos este levantamento, vamos tentar resolver o problema destas fazendas e acionar Dantas, inclusive judicialmente, ainda este ano — disse o procurador, segundo o qual o grupo do banqueiro será o maior réu do Pará tanto em valores cobrados quanto em importância do caso.
Ele disse que não está certo se o governo tentará receber os valores das propriedades ou se tentará obter sua posse real, para revendê-las ou fazer reforma agrária. Isso será decidido no momento oportuno.
Santa Bárbara diz que compra foi legal
Em nota, a Santa Bárbara informou que não procedem as acusações de irregularidades nas negociações que efetuou no Sul do Pará. A empresa confia que o processo de investigação do governo estadual vai concluir que a compra das terras foi legal.
O grupo informou ainda, por meio de sua assessoria, entender que as propriedades de Mutran não eram mais aforamentos quando foram adquiridas pela Santa Bárbara e sustentou que está em curso um processo de regularização junto ao Iterpa de seis dos 11 lotes comprados do empresário. O instituto, porém, diz que para obter a regularização, a Agropecuária Santa Bárbara terá que comprovar a exploração de castanhas nas terras, como prevê a legislação.
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