Com 28 dias em vigor, a lei de tolerância zero ao álcool que reduziu em 35% os atendimentos de urgência da Samu em Porto Alegre dá sinais de que traz mais benefícios do que prejuízos à população. Passada a má impressão da medida restritiva, apenas um setor da economia sente o impacto negativo da Lei Seca, o de bares e restaurantes. A reportagem é de Dionara Melo e João Guedes e publicada pelo jornal Zero Hora, 18-07-2008.
A favor do consumidor está a expectativa de diminuição nos preços dos seguros de automóveis, diante da redução de acidentes. O segmento de telentrega, principalmente o de alimentação, já sente um crescimento no volume de serviços, mesmo em meio ao veranico atípico de julho. Para os próximos meses, quem projeta expansão nas vendas são os segmentos de supermercados e, ainda, os de táxis e vans.
Para os governos federal, estadual e municipais, também não há do que se queixar. As multas beiram R$ 500 mil. Nesse ritmo, em 12 meses, só com a Lei Seca devem ser arrecadados cerca de R$ 6 milhões.
A norma ainda pode provocar alterações na estrutura de transporte público da Capital. Em agosto, a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre, em parceria com entidades de transportadores de táxis-lotação, taxistas e veículos escolares, vai entrevistar 3 mil pessoas em bares e casas noturnas para avaliar o tamanho e as características da demanda pelo serviço. Os resultados podem gerar a criação de novas linhas e horários noturnos para ônibus e lotação, além da instalação de novos pontos de táxi a partir de setembro.
Seguradoras estimam que, a curto prazo, o preço dos seguros vai cair em razão da queda do número de acidentes, como conseqüência da Lei Seca. Jayme Garfinkel, presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), fixou em três meses o prazo para o mercado reavaliar os valores.
Conforme a FenSeg, as indenizações pagas por colisões representaram 54% dos desembolsos totais feitos no ano passsado, o equivalente a R$ 2,5 bilhões. Garfinkel lembra que o mercado de seguros experimentou uma queda de sinistros nos primeiros meses do Código de Trânsito, em 1998. A nova legislação terá impacto se as pessoas acreditarem que haverá fiscalização, diz o presidente.
Sérgio Petzhold, presidente em exercício da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), estima que em seis meses os valores pagos pelos serviços devem cair em 10%. O dirigente calcula, que além da redução dos acidentes, haverá reflexos nos roubos de veículos, devido à redução de carros em circulação nas cidades. Em contrapartida, pagando menos pelo serviço, Petzhold acredita que mais pessoas passem a aderir às seguradoras, o que compensa a queda nos valores pagos. Nos próximos meses, a Fenacor pretende lançar uma campanha para atingir a consciência de quem dirige um veículo.
- O foco é o mesmo: direção e álcool não combinam - afirma Petzhold.
Quem também tem o que comemorar é o meio hospitalar. O Hospital Pronto-Socorro, em Porto Alegre, o maior especializado em trauma do Estado, por exemplo, viu a o número de acidentados cair por causa da legislação. Em uma semana, o número de pacientes vítimas de acidentes de trânsito que chegaram à instituição baixou 31%, de 97, na semana em que a lei seca entrou vigor, para 66, na semana seguinte. Com menos acidentados, abre-se espaço para o atendimento de outras pessoas que, normalmente, têm de ser encaminhadas às demais instituições.
Menos vendas em bares e restaurantes
Atuando com bares há mais de 20 anos, Fabiano Fontana, gerente do Bar do Beto, na Capital, avalia que a Lei Seca representa o pior baque sofrido pelo segmento nos últimos anos, superando os prejuízos provocados pelos planos econômicos dos anos 1980. O efeito da tolerância zero ao álcool foi imediato, derrubando em 30% o movimento no restaurante no dia seguinte à vigência da norma. Em média, os restaurantes sentiram queda de 20% de clientes e, os bares, 30%.
Em uma previsão pessimista, de 15% a 20% dos mais de 40 mil funcionários do setor empregados em Porto Alegre e Região Metropolitana podem perder seus empregos nos próximos meses, calacula Edemir Simonetti, vice-presidente do Sindicato da Hotelaria e Gastronomia da Capital.
Na Serra, o impacto é um pouco mais ameno. Por conta da vocação turística, a maior parte dos estabelecimentos da região tem vans ou carros que levam e buscam clientes.
Expectativa de mais compras nos supermercados
O tradicional happy hour depois do trabalho virou coisa do passado para o advogado Gerson Daniel, de Porto Alegre. O bate-papo semanal com os colegas em algum bar da cidade foi substituído por uma providencial ida ao supermercado para comprar a bebida.
- Agora eu compro cerveja no súper para beber em casa - observa Daniel, que costumava ir de carro aos encontros com os colegas.
Daqui para frente, o advogado pretende restringir suas idas a bares e restaurantes aos finais de semana:
- Mas aí é minha mulher que dirige para mim - diverte-se.
A mudança de hábito da Daniel reforça a expectativa do presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, de que a venda de bebidas nos estabelecimentos de auto-serviços deve crescer. A tendência é a de que com o maior rigor na fiscalização as pessoas optem por consumir em casa. No inverno, as bebidas representam 3% do total do faturamento dos supermercados. No verão, puxado pela cerveja, a participação costuma ser um ponto percentual maior.
- O setor de bebidas nos supermercados deve crescer a participação de 5% e 10% até o final do ano - afirma Longo.
Na contramão dos supermercadistas gaúchos, a entidade nacional não tem a mesma percepção. Para o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, ainda é cedo para fazer o retrato do impacto da nova lei no setor.
Expansão das telentregas
Com menos pessoas circulando à noite, as telentregas vêem seus lucros crescerem. Luiz Carlos Mello, diretor presidente do Sindicato das Empresas de Teleserviços e Entregas Rápidas da Capital, aponta expansão de 20% no volume de serviços e estima aumento de 60% nos próximos dois anos. Hoje, o segmento emprega 5 mil pessoas.
Gerente de marketing do Pizza Hut no Estado, Cíntia Monguilhott, conta que apesar do calor registrado neste mês (o que não é favorável ao setor), as encomendas devem atingir o mesmo volume de igual período do ano passado, quando o frio imperou durante os 30 dias.
- Devemos atingir 23,5 mil entregas em julho - calcula.
Acréscimo aos cofres públicos
A arrecadação com as multas supera os R$ 480,5 mil até quarta-feira no Estado a serem distribuídos entre os órgãos de fiscalização federal, estadual e municipal. A maior parte das multas vem sendo aplicada pela Brigada Militar, dentro das cidades e nas estradas estaduais, pelo comando rodoviário.
Embora tenha crescimento no volume de multas, o dinheiro pode demorar a chegar aos cofres públicos. Nesse tipo de autuação, são aceitos recursos em primeira e segunda instâncias. No caso de o condutor ter mesmo de pagar, o prazo máximo para quitação é na época de licenciar o automóvel.
Mas o governo pode sofrer impacto negativo no retorno do ICMS cobrado das indústrias, se constatar a redução no consumo de bebidas alcóolicas como um todo no Estado.
Melhor para as vans do que para os taxistas
Quem se beneficiou com a lei foram as empresas de fretamento de vans, que viram crescer suas contratações em 15%, impulsionadas pelos aluguéis para festas e por restaurantes que buscam o serviço para levar seus clientes para casa, segundo a Associação Gaúcha de Vans e Similares.
Mas o faturamento dos taxistas na Capital também deve subir a partir de setembro, projeta o presidente do Sindicato dos Taxistas, Luiz Nozari.
- Esperamos um crescimento entre 20% e 30% depois do final do inverno, quando as pessoas começam a sair mais - explica o dirigente.
Até agora, porém, a nova lei alterou pouco a demanda por táxis em Porto Alegre. A avaliação do sindicato é que, com medo das multas, as pessoas deixaram de sair à noite em vez de trocar o carro pelo táxi. A frota de Porto Alegre, conforme Nozari, seria suficiente para atender a maior procura pelo serviço. Dos 3.925 táxis licenciados, cerca de 2 mil não trabalham à noite por falta de passageiros.
Para incentivar o uso desse transporte, taxistas articulam convênios com restaurantes, como desconto de 20% no valor das bebidas de quem apresenta um recibo de táxi.
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