"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, julho 14, 2008

A toga em pé de guerra. Juízes lançam manifesto contra Mendes

Instituto Humanitas Unisinos - 12/07/08


A toga está em pé de guerra. O alvo é Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário. Motivo: o ministro encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão que fiscaliza e tem poderes para punir magistrados - cópia da decisão do juiz Fausto Martin De Sanctis, que numa penada só mandou trancar na Custódia da Polícia Federal toda a cúpula do Grupo Opportunity. A reportagem é do jornal O Estado de S.Paulo, 12-07-2008.

Os colegas de Sanctis vêem no gesto do ministro uma intimidação, mesmo ameaça, à autonomia funcional da classe. Independência é o princípio que eles mais prezam. Sem ela o juiz perde a segurança para decidir, alegam. Tolhidos, planejam ato público na segunda-feira.

A insurreição veio logo ao amanhecer, quando a rede exclusiva dos magistrados federais na internet foi tomada por uma intensa e nervosa troca de e-mails, mensagens que revelam a ira e a indignação da categoria. Logo, surgiu um manifesto que aponta críticas a Mendes e enaltece o trabalho de Sanctis. Os revoltosos não escolheram o conforto do anonimato. Fizeram questão de subscrever o documento que foi disponibilizado no site da toga – 121 juízes aderiram ao movimento, inicialmente, efetivo que subiu para 180 até o fim da sexta-feira.

"Não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico", reagem os federais, preocupados com a possibilidade de serem atirados ao banco dos réus por terem exercido seu papel constitucional.

A rebelião da toga tem um caráter inédito porque nasceu espontaneamente, sem a intervenção das entidades representativas - mais tarde, as associações entraram no circuito e também declararam apoio e solidariedade a Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, magistrado há 17 anos, reconhecido por sua capacidade na condução de ações sobre crimes financeiros.

"A independência é prerrogativa funcional indispensável ao exercício da atividade jurisdicional", assinalou o juiz Fernando Moreira Gonçalves. "É princípio sagrado para os juízes, requisito inerente à função. Se roubarem sua independência ele deixa de ser juiz."

"A insurgência decorre do fato de o ministro ter encaminhado cópias da medida adotada pelo juiz (Sanctis) a órgãos administrativos que não têm o poder de reformar aquela decisão", alertou Nino Toldo, juiz-titular da 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo e vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). "Ficamos indignados com a atitude do ministro. Causou espanto, é forma de intimidar. O juiz dá uma decisão e fica sujeito à corregedoria? Isso é muito ruim. Se o juiz não tem independência para julgar, o Estado Democrático de Direito fica ameaçado, enfraquecido."

"É comum o juiz tomar uma decisão e ela sofrer reformas, mas no âmbito adequado, que são os tribunais", observou o juiz Ricardo de Castro Nascimento, da 19ª Vara Federal. "O ministro Gilmar tomou sua decisão, tem sua autonomia que deve ser respeitada. Podemos discordar ou não, tudo dentro das regras do jogo. Assim deve ocorrer com a decisão do juiz Fausto De Sanctis. Em nenhum momento ele assumiu conduta inadequada. Advogados podem discordar, mas ninguém ousa contestar a lisura do seu procedimento."

O presidente da Ajufe, Fernando Cesar Baptista de Mattos, disse que "nenhum juiz pode ser punido apenas porque decidiu, muito menos porque, aparentemente, sua decisão poderia ser entendida como afrontosa a decisão de instância superior".

Em Carta aos Magistrados, a desembargadora Marli Ferreira, presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) 3, destacou: "O apelo que o Judiciário sempre fez e fará aos milhares de juízes deste país é que nunca se verguem ante interesses subalternos, pois ceder à campanha que se arma para desonrar qualquer de seus membros é amesquinhar a função judicial de aplicar e dizer o direito."

Procuradores da República engrossaram o protesto que denominaram "dia de luto" para as instituições. Atribuíram a Mendes "malsinada decisão, proferida em tempo recorde". "Os procuradores não podem permanecer silentes frente à descarada afronta às instituições democráticas, sob pena de assim contribuírem para a falsa aparência de normalidade que se pretende instaurar."

A íntegra do documento:

Nós, juízes federais da Terceira Região abaixo assinados, vimos mostrar, por meio deste manifesto, indignação com a atitude de Sua Excelência o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou o encaminhamento de cópias da decisão do juiz federal Fausto De Sanctis, atacada no Habeas-Corpus n. 95.009/SP, para o Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho da Justiça Federal e à Corregedoria Geral da Justiça Federal da Terceira Região.

Não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico. Ao contrário, a independência de que dispõe o magistrado para decidir é pilar da democracia e princípio constitucional consagrado. Ninguém nem nada pode interferir na livre formação da convicção do juiz, no direito de decidir segundo sua consciência, pena de solaparem-se as próprias bases do Estado de Direito.

Prestamos, pois, nossa solidariedade ao colega Fausto De Sanctis e deixamos clara nossa discordância para com este ato do Ministro Gilmar Mendes, que coloca em risco o bem tão caro da independência do Poder Judiciário.

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