darussia.blogspot -Sábado, Agosto 11, 2012
Texto traduzido e enviado pelo leitor Pippo:
"09 de agosto de 2012 | 0900 GMT
Stratfor
Por Eugene Chausovsky
Desde 2010, a Ásia Central tornou-se
cada vez mais volátil, e muitos atribuem a tendência ao aumento do
islamismo militante. A militância tem de facto aumentado desde 2010, mas
a noção de que os militantes islamitas são os principais responsáveis
pela volatilidade da Ásia Central é um exemplo de miopía, porque
ignora outras dinâmicas políticas e económicas em jogo na região.
Mas se essas dinâmicas, que não são
produto dos jihadistas, inspiram grande parte da recente actividade
militante da região, a iminente retirada dos EUA do Afeganistão em 2014
poderá colocar na Ásia Central em maior risco de islamismo militante no
futuro. Combinado com mudanças de liderança em vários Estados da Ásia
Central, a retirada pode complicar um já complexo cenário militante na
região.
Militância Regional: final dos anos 1990 e início de 2000
A Ásia Central era uma região importante
para a militância islâmica na década de 1990 e início de 2000. A região
é predominantemente muçulmana, embora, como todas as práticas
religiosas, o Islão fora reprimido durante a era soviética. Dada a
secularização da região sob domínio soviético, muitos grupos e figuras
religiosas, ou foram para a clandestinidade, ou praticaram a sua
religião de forma mais ou menos aberta, na medida em que os soviéticos o
permitiam. Estes grupos e indivíduos concentraram-se no Vale de
Fergana, o núcleo demográfico da Ásia Central que abrange partes do
Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão. Os islamistas eram
particularmente prevalentes no Uzbequistão, que é sede de várias
organizações religiosas e culturais importantes situadas em locais como
Samarkanda e Bukhara.
Quando os países da Ásia Central
conquistaram a sua independência na década de 1990, a religião começou a
ser praticada de forma mais aberta, e os elementos islamitas que
operavam à margem da sociedade usaram essa liberdade para se abrirem à
sociedade. O ambiente islamista fortaleceu-se, da mesma forma que a
capacidade dos novos regimes da Ásia Central para controlar e suprimir
os movimentos islamistas enfraqueceu. Como resultado, alguns grupos
islamitas começaram a apelar à criação de um califado regional regido
pela Sharia.
Entre esses grupos estão o Movimento
Islâmico do Uzbequistão e o Hizb al-Tahrir, os quais inspiraram-se nos
Mujahideen afegãos que lutaram contra a União Soviética de 1979 até
1989. Apesar das suas semelhanças - ambos defendiam a expulsão do
presidente uzbeque Islam Karimov - os dois grupos diferiram de maneira
fundamental: considerando que o Movimento Islâmico do Uzbequistão usava a
violência em prol da sua causa, o Hizb al-Tahrir não. Outros grupos,
como o Akromiya, mais tarde adoptaram o uso da violência, tal como o
Movimento Islâmico do Uzbequistão, ao mesmo tempo que defendiam a
ideologia do Hizb al-Tahrir.
Karimov apertou o cerco contra esses
grupos no início e meados da década de 1990, mas o Movimento Islâmico do
Uzbequistão ganhou refúgio no Tadjiquistão, que foi devastado pela
guerra civil de 1992 a 1997. Por causa do vácuo de poder resultante e a
sua fronteira, muito porosa, com o Afeganistão, o Tadjiquistão tornou-se
a principal base de operações para o Movimento Islâmico do Uzbequistão.
No final dos anos 1990 e início de 2000, multiplicaram-se os ataques do
grupo a partir do Tajiquistão, realizados no Vale Fergana e no sul do
Quirguistão e Uzbequistão.
Em 2001, a invasão dos EUA no
Afeganistão, um país cujo regime talibã ultra-conservador forneceu
apoio ideológico e material a grupos islamitas na Ásia Central, reduziiu
a actividade e ambições jihadista na Ásia Central. Com a ajuda do
Exército dos EUA, incluindo as Forças de Operações Especiais
norte-americanas, o Movimento Islâmico do Uzbequistão foi em grande
parte expulso da Ásia Central, encontrando refúgio na zona da fronteira
Afeganistão-Paquistão. Por sua parte, o Hizb al-Tahrir refugiou-se n a
clandestinidade.
Os regimes da Ásia Central,
especialmente o de Karimov, foram capazes de reprimir os militantes
islamitas remanescentes. Os ataques islamitas tornaram-se mais raros ao
longo da década seguinte, dado que os grupos militantes islamitas
lutavam para sobreviver num Afeganistão ocupado pelas forças
norte-americanas.
Militância Desde 2010
O ataques de militantes na região
tornaram-se mais frequentes em junho de 2010, quando ecolodiram
confrontos entre quirguizes e uzbeques no sul do Quirguistão, nas
províncias do Vale de Fergana de Osh e Jalal-Abad. Como resultado, as
autoridades do Quirguistão conduziram operações de segurança através de
bairros predominantemente uzbeques sob o pretexto de os extirpar de
suspeitos de militantância islâmica.
Na realidade, essas operações foram
provavelmente dirigidas contra a etnia uzbeque. Muitos quirguizes
suspeitam de etnia uzbeque no Quirguistão, que constitui uma parte
substancial da população de Osh e Jalal-Abad. Assim, estas operações com
vista a securizar estas zonas e a resistência armada resultante não se
encaixam necessariamente nas reivindicações do extremismo religioso.
Pelo contrário, a actividade militante pode estar relacionada com as
tensões internas e as políticas entre quirguizes e uzbeques. Na verdade,
estas tensões surgiram periodicamente desde o colapso da União
Soviética.
Uma dinâmica semelhante pode ser vista
no Tadjiquistão. Após a guerra civil do país, militantes islamitas
conciliáveis, tal como os do Partido do Renascimento Islâmico do
Tadjiquistão, foram incorporados no governo e nas forças de segurança,
enquanto o Movimento Islâmico do Uzbequistão e outros elementos
jihadistas foram suprimidos. A violência atingiu um pico no início de
2000, após o que Tadjiquistão experimentou uma década de relativa calma.
No entanto, uma badalada fuga da prisão em Dushanbe em Agosto de 2010
interrompeu essa calma. Durante a fuga, cerca de 24 prisioneiros tidos
como sendo ex-membros do Movimento Islâmico do Uzbequistão fugirm para o
vale de Rasht, no leste do Tadjiquistão. Esta ocorrência originou
operações de segurança no Vale de Rasht, o que resultou em ataques a
comboios militares no Tadjiquistão - ataques esses que o governo
tadjique atribuiu a militantes islamitas.
Estes “militantes” eram, muito mais
provavelmente, indivíduos associados aos elementos da oposição da
guerra civil no país, ao invés de militantes jihadistas. (O facto de
terem fugido para o Leste é revelador: os habitantes das províncias
orientais do Garm e Gorno-Badakhshan opunham-se aos indivíduos que
chegaram ao poder nas províncias ocidentais de Leninabad e Kulyab.) A
fuga da prisão pode ter levado - ou sido meramente um sintoma de - ao
resurgimento da luta de poder entre clãs tadjiques, luta essa que era
comum durante os primeiros anos de independência do país. Em si, a fuga
da prisão pode não significar um ressurgimento jihadista.
De igual modo, as operações militares em
torno de Gorno-Badakhshan podem ser vistas a uma luz semelhante. As
forças de segurança foram mobilizadas para a região após as forças leais
ao senhor da guerra e ex-líder da oposição Tolib Ayombekov supostamente
terem morto um oficial superior da segurança da região. Provavelmente,
contudo, Ayombekov não terá morto o oficial sob quaisquer motivações
religiosas. Pelo contrário, são as alegadas ligações de Ayombekov com as
lucrativas redes de contrabando regionais, bem como sua resistência ao
regime de Rakhmon Emomali, o que levou à realização das operações de
segurança e, finalmente, à morte do referido oficial. Tal como a
militância no Quirguistão, grande parte da militância do Tadjiquistão é
provavelmente mais o resultado de rivalidades políticas e étnicas do que
do extremismo religioso.
Da mesma forma, o Cazaquistão desafia a
teoria de que está proliferando militância islâmica na região. Dada a
sua separação geográfica do Vale de Fergana e uma sociedade
comparativamente menos religiosa, o Cazaquistão não teve militância
islâmica na década de 1990 e 2000. No entanto, em 2011, o Cazaquistão
assistiu, pela primeira vez na sua História moderna, a ataques de
militantes islamitas. Que os ataques tenham sido realizados usando
táticas diferentes por todo o país, incluindo Almaty, Atyrau e Taraz, é
algo particularmente anómalo.
O governo cazaque culpou militantes
islamitas e grupos de propaganda religiosa que alegadamente circulam por
todo o País. No entanto, o timing desses ataques é curioso, porque eles
ocorreram a meio a uma batalha política crescente acerca da sucessão a
longo prazo do presidente do país, Nursultan Nazarbayev. Conclui-se que
esses ataques poderiam ter sido menos inspirado pelo radicalismo
islamita, o que tem sido pouco evidente no Cazaquistão durante os
últimos 20 anos, e mais pela luta de poder entre diversos actores que
buscam posicionar-se para a sucessão de Nazarbayev.
Notavelmente, um grupo jihadista chamado
“Os Soldados do Califado” assumiu a responsabilidade por alguns dos
ataques, incluindo os atentados de Outubro de 2011 em Atyrau. As
reivindicações sugerem que há uma genuína ameaça de militantes islamitas
no Cazaquistão. No entanto, o grupo era desconhecido até 2011, e há
pouca informação sobre os seus membros e de liderança.
Mais recentemente, o Uzbequistão e o
Turcomenistão têm assistido a menos ataques e a registos de actividade
militante. Isto sugere que as respectivas situações internas são
relativamente estáveis e que os seus governos já estão seguros o
suficiente para não terem que usar o radicalismo islamita para
justificar a repressão de segurança.
Enquanto isso é provavelmente verdade
para o Turquemenistão, a situação é menos clara no que diz respeito ao
Uzbequistão, que tem sido mais estável do que seus vizinhos do Vale de
Fergana. No entanto, o Uzbequistão testemunhou uma explosão numa linha
férrea, perto da fronteira tadjik em Novembro de 2011. O governo
classificou o incidente um ataque terrorista. Dado que a explosão
ocorreu numa área remota com pouco significado estratégico, muitos
especularam que o foi o Governo uzbeque quem realizou esse ataque para
impedir o tráfego de mercadorias de e para o Tadjiquistão, com o qual
Tashkent ja teve várias disputas.
Enquanto isso, o Uzbequistão está
passando por uma luta de sucessão, o que poderá resultar em
instabilidade política. Com efeito, recentemente tem havido relatos de
protestos no Vale de Fergana, na província de Andijan, o local de uma
operação de segurança em 2005 que matou centenas de pessoas. Neste caso,
mais uma vez, o governo culpou o Movimento Islâmico do Uzbequistão e
militantes islamitas. No entanto, assim como no Quirguistão e
Tadjiquistão, iste foi, mais provavelmente, o resultado de lutas de
poder dentro do país.
Ressurgimento potencial
Como a dinâmica e as circunstâncias nos
países da Ásia Central sugerem, muitas vezes, é do interesse do governo
referir-se a qualquer actividade militante como sendo islamita. Se o
fizer, tal sugere que essa é uma actividade política transnacional, ao
invés de se limitar a elementos indígenas, havendo assim uma desculpa
para se acabar com esses elementos.
Claro, grupos e elementos jihadistas
existem na Ásia Central, mas há indícios de que uma parte substancial
dos elementos jihadistas mais importantes foram em grande parte
eliminados, marginalizados ou empurrados para dentro do teatro
Afeganistão-Paquistão. No entanto, a retirada dos EUA do Afeganistão
poderá provocar um ressurgimento jihadista na região. O vácuo de
segurança criado pela saída do pessoal dos EUA e da Força Internacional
de Assistência também poderá desestabilizar o Afeganistão, ao mesmo
tempo que várias forças internas competem para preencher o vazio.
Devido à proximidade da Ásia Central com
o Afeganistão e com a fronteira porosa e mal vigiada entre o
Afeganistão e o Tadjiquistão, há certamente potencial para a violência e
instabilidade transbordarem. Particularmente preocupante para os
regimes da Ásia Central são os militantes islamitas na zona da fronteira
Afeganistão-Paquistão que, sobrevivendo à guerra, tornaram-se
endurecidos veteranos da guerra contra as forças ocidentais. No entanto,
há relatos de que Abu Usman Adil, o líder do Movimento Islâmico do
Uzbequistão, foi morto a 4 de Agosto por aviões remotamente tripulados
no Paquistão, sugerindo que o grupo pode estar lutando pela
sobrevivência, mesmo na área entre o Afeganistão eo Paquistão.
O grau em que elementos e militantes
islamitas poderão tornar-se activos na Ásia Central dependerá da
retirada dos EUA e do estado em que se encontrar o Movimento Islâmico do
Uzbequistão. Até então, todos os desenvolvimentos na frente militante
na região precisam ser analisados no contexto das dinâmicas internas de
poder e as lutas políticas de cada país, para além do ângulo islamita. É
somente nesse contexto que as motivações subjacentes aos ataques e aos
actores militantes da Ásia Central podem realmente ser determinadas e
previstas.
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