Acostumados a tratar a pobreza apenas como uma questão internacional, os europeus começam a descobrir e a se preocupar com o próprio continente. Dados revelados pela Comissão Européia ontem apontam que 78 milhões de pessoas no bloco estão “à beira” da pobreza, 16% da população da União Européia, hoje com 27 países. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 15-12-2007.
O número inclui os cidadãos dos dois mais recentes países da UE, Bulgária e Romênia, além dos imigrantes que todos os dias desembarcam no continente vindos da África, Ásia e América Latina. Mas as autoridades em Bruxelas alertam que o problema não vem apenas no Leste Europeu ou dos estrangeiros. Nas periferias de Paris ou Roma, cresce o número de bairros com populações que vivem longe da imagem de glamour dessas duas capitais.
Os europeus não contam a pobreza nos mesmos termos internacionais. Segundo a ONU, a linha da pobreza é marcada por quem ganha menos de US$ 2,00 por dia. Na Europa, uma família que ganhe menos de 60% da média do país pode ser considerada pobre. Mas as diferenças regionais são enormes, segundo os estudos da Fundação Robert Schuman. Um pobre nos países nórdicos - onde existe a melhor qualidade de vida do mundo - pode ser considerado classe média em Portugal.
Como comparação, a UE estima que a pobreza na Estônia inclua todos aqueles que ganham menos de US$ 2,1 mil por ano. Em Luxemburgo, é considerado pobre quem ganha abaixo de US$ 14 mil por ano.
Em Paris, os enfrentamentos entre os jovens da periferia com a polícia há dois anos - que se repetiram há duas semanas - recolocou o tema da exclusão social na agenda dos políticos europeus.
Dados divulgados pela União Européia nesta semana apontam que o problema da exclusão social está espalhado pelo continente. “A luta contra a pobreza e exclusão social é um dos objetivos centrais do bloco”, afirmou Vladimir Spidla, comissário para assuntos sociais da UE. O objetivo dos europeus é o de erradicar a pobreza no continente até 2010. No total, 75 bilhões irão para programas sociais na Europa até 2013.
Uma das preocupações é com as populações mais idosas. A consultoria Mature Market acredita que existam 14 milhões de idosos na Europa que correm o risco de cair abaixo da linha da pobreza em termos relativos. Chipre, Irlanda, Espanha e Portugal estão entre os que mais correm esse risco. Ao contrário do que se poderia imaginar, os idosos nos países do Leste Europeu correm risco menor. Apenas 6% desse grupo mais vulnerável na Europa viria dos novos membros.
Mas a pobreza entre as crianças começa a ser alarmante. Segundo a Unicef, 19% das crianças no bloco vivem sob risco de sofrer com a pobreza. A incidência é mais comum no Reino Unido, Irlanda e Itália. 10% delas ainda vivem em casas onde nem o pai nem a mãe trabalham.
Um sintoma disso tudo tem sido o debate sobre os mendigos nos centros urbanos da Europa. Em Roma, a pobreza bate à porta do Vaticano todos os dias. Algumas dezenas de mendigos dormem nos muros da Santa Sé e, ao lado da Basílica de São Pedro, uma fila é formada todas as manhãs e nos finais de tarde para receber alimentação. “Nos restam poucas alternativas, e uma delas é contar com o que a Igreja nos dá”, afirmou Iamadou, imigrante muçulmano do Senegal.
A pobreza rural também preocupa as autoridades e os subsídios bilionários - que chegam a US$ 45 bilhões por ano -, não estão resolvendo os problemas. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já alertou que os subsídios ajudam praticamente apenas os grandes produtores, com ganhos pequenos para os pequenos agricultores.
O maior desafio agora é lidar com a pobreza no campo nos 12 novos países do bloco. 90% do novo território é composto de zonas rurais, e mais da metade da população do Leste Europeu tem alguma relação com a agricultura. Na Romênia, 40% da população trabalha diretamente no setor. Desde 2004, esses países já receberam mais de US$ 10,4 bilhões em ajuda direta. Até 2013, o valor deve aumentar para US$ 16,9 bilhões.
De fato, as diferenças sociais entre o Leste e os demais países do bloco exigirão investimentos pesados. Só para a Polônia a UE anunciou ontem um pacote de investimentos de até 2013 de 27 bilhões, o maior pacote de desenvolvimento já dado pela Comissão Européia a um país.
Isso tudo para evitar o que já começa a acontecer no bloco: a migração interna de cidadãos do próprio mercado europeu em busca de melhores salários. Em apenas seis meses, 300 mil romenos foram viver na Espanha. Em 2006, os romenos que vivem em outros países da Europa enviaram quase US$ 3,5 bilhões de volta a suas famílias, 50% acima do valor de 2005.
Diante dessa realidade, Bruxelas sabe que o projeto de ajudar os países do Leste é o único que pode funcionar. A estratégia foi a mesma adotada com Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda nos anos 70 e 80. A Espanha, de um país rural e pobre nos anos 70, passou a ser uma das locomotivas da Europa e suas empresas conquistaram o mundo nos últimos anos.
Segundo pesquisas do Hospital Val D’Hebron, de Barcelona, até a altura média do espanhol aumentou. Nos últimos 20 anos, a população cresceu em média 3,5 centímetros com as melhores condição de vida, alimentação e saúde.
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