“Se você já trabalhou para uma grande organização ou, aliás, se você é leitor da tira de quadrinhos "Dilbert", decerto conhece a "estratégia do organograma". Para esconder a falta de idéias práticas sobre o que fazer, dirigentes gostam de promover grande algazarra quando reorganizam as caixinhas e linhas de um organograma informando quem se reporta a quem. Pronto: você acaba de descobrir o princípio que embasa a nova proposta do governo Bush para a reforma financeira, anunciada formalmente ontem. O objetivo é criar a aparência de que as autoridades estão respondendo à crise atual, sem na prática fazer nada de substantivo”, escreve Paul Krugman, economista, colunista do New York Times e professor na Universidade Princeton (EUA) em artigo publicado nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, 01-04-2008. Segundo ele, “as crises financeiras norte-americanas vêm crescendo. Uma década atrás, a perturbação nos mercados que se seguiu ao colapso da Long-Term Capital Management foi considerada um evento grave, assustador; mas, comparada à crise atual, não passou de uma sacudidela. Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser ainda maior. E eu tenho certeza de que não quero viver uma reprise da década de 1930”.
Eis o artigo.
Os eventos financeiros dos últimos sete meses, e especialmente das últimas semanas, convenceram todo mundo, exceto os mais renitentes, de que o sistema financeiro norte-americano precisa de uma séria reforma. De outra forma, cambalearemos de crise em crise, e as crises se tornarão cada vez mais graves.
Os bancos tradicionais, que oferecem contas a depositantes, operam regulamentados desde os anos 1930, porque a experiência da Grande Depressão demonstrou de que maneira falências de bancos podem ameaçar toda a economia. Instituições que não aceitam depósitos, como o Bear Stearns, no entanto, supostamente não precisavam de regulamentação, porque a "disciplina do mercado" asseguraria que fossem dirigidas de maneira responsável.
Quando a situação ferveu, no entanto, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) não ousou permitir que a disciplina do mercado resolvesse a situação. Em lugar disso, correu em resgate do Bear Stearns, colocando em risco bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o colapso de uma grande instituição financeira colocasse em risco o sistema financeiro como um todo.
E se protagonistas das finanças como o Bear Stearns vão receber essa espécie de resgate, anteriormente limitada aos bancos que aceitam depósitos, a implicação parece óbvia: eles também devem ser regulamentados como bancos.
Mas o governo Bush passou os últimos sete anos tentando eliminar a fiscalização governamental sobre o setor financeiro. De fato, o novo plano havia sido originalmente concebido como uma forma de "promover um setor de serviços financeiros competitivo, que lidere o mundo e apóie a inovação continuada das finanças".
Desregulados
Isso é jargão de banqueiro para a eliminação de qualquer regulamentação que possa incomodar os grandes operadores financeiros.
Para reverter o curso agora, e procurar regulamentação mais ampla, o governo teria de recuar com relação à sua ideologia de livre mercado e também teria de encarar o fato de que estava errado. E esse governo nunca, nunca mesmo, admitirá que cometeu um erro.
Por isso, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declara que não acredita que seja justo ou acurado imputar a culpa pelos recentes tumultos à nossa estrutura regulatória.
E, pelo menos de acordo com o sumário do novo plano do governo, a regulamentação certamente parece limitada a instituições que recebam garantias federais explícitas, ou seja, às instituições que já estão regulamentadas e não foram a origem dos atuais problemas.
Quanto aos demais componentes do sistema, o plano insensatamente declara que "a disciplina de mercado é a mais efetiva ferramenta para limitar o risco sistêmico".
O que significa que o governo nada aprendeu com a crise atual. Mas é preciso, como questão política, que crie a ilusão de estar fazendo alguma coisa.
Assim, o Tesouro anunciou, com grande alarde -e vocês sabem o que virá a seguir-, seu apoio a uma reorganização das caixas do organograma. OCC, OTS e CFTC estão fora; PFRA e CBRA entram na parada. Quem se importa?
Alguma diferença?
Será que reorganizar as caixas fará alguma diferença? Fiquei decepcionado por algumas organizações noticiosas estarem reportando como notícia a história que o governo inventou para encobrir os fatos: a alegação de que a falta de coordenação entre as agências regulatórias foi um fator importante para as atuais dificuldades.
A verdade é que não foi isso o que aconteceu, de maneira alguma. As diversas agências regulatórias de fato se saíram bastante bem quanto à coordenação de suas ações. Infelizmente, elas foram coordenadas na direção errada.
Por exemplo, houve um evento montado para fins de relações públicas em 2003 no qual dirigentes de diversas agências posaram com podadeiras e serras como se estivessem podando e abatendo pilhas de regulamentações bancárias.
A ocasião simbolizava a determinação compartilhada dos funcionários apontados pelo governo Bush quanto a abandonar a fiscalização do mercado por adultos exatamente no momento em que este começava a se comportar de maneira irresponsável.
Oh, e o governo Bush na prática impediu que governos estaduais tentassem proteger famílias contra práticas predatórias de empréstimos. Assim, o plano do governo terá sucesso? Não pergunto se terá sucesso em prevenir futuras crises, já que não é esse o seu propósito. A questão, em lugar disso, é determinar se obterá sucesso em confundir a questão o bastante para bloquear reformas reais.
Esperemos que não. Como eu disse, as crises financeiras norte-americanas vêm crescendo. Uma década atrás, a perturbação nos mercados que se seguiu ao colapso da Long-Term Capital Management foi considerada um evento grave, assustador; mas, comparada à crise atual, não passou de uma sacudidela.
Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser ainda maior. E eu tenho certeza de que não quero viver uma reprise da década de 1930.
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