"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, abril 01, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 26/03/08

O ensino superior (e o projeto de nação) da China, para além dos clichês

O professor Marco Antonio Rodrigues Dias esteve várias vezes na China. Na última delas, em dezembro de 2007, apresentou seu trabalho Globalization and dialogue of civilizations: the role of China, cuja fundamentação teórica e conclusões serão mostradas em palestra que o especialista vai dar no próximo dia 28 no fórum Ensino Superior na República Popular da China, evento organizado pela Coordenadoria Geral da Universidade. Ademais, observa o docente, a piada aplica-se à ocasião, funcionando como metáfora nesses tempos de profusão de estudos, ensaios e reportagens sobre o país. Dias conclui que os ocidentais têm dificuldade de compreender o que se passa nos campos da cultura, da política, do comportamento e – mais ainda – na cabeça dos dirigentes de Pequim. “O certo é que os chineses têm um projeto de nação e estão trabalhando para torná-lo realidade”. Na entrevista que segue, o educador fala do papel do ensino superior no âmbito desse projeto e dá um panorama sobre os desafios e contradições enfrentados pelo país asiático.

O professor, radicado em Paris, concedeu uma entrevista a Álvaro Kassab e publicada pelo Jornal da Unicamp, 24 a 30 de março de 2008.

Marco Antonio Rodrigues Dias é atualmente representante da Universidade das Nações Unidas junto à Unesco e assessor especial do reitor da UNU. Foi diretor da Divisão de Ensino Superior da Unesco, em Paris, de 1981 a 1999. Nesta função, foi o coordenador principal da Conferência Mundial sobre Ensino Superior em 1998. Nos anos 60, foi jornalista em Minas Gerais e São Paulo, onde foi redator-secretário do jornal Última Hora. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1964), é titular de um diploma de terceiro ciclo em Comunicação pela Universidade de Paris (1968). Nos anos 70, foi professor, chefe de departamento, decano de extensão e vice-reitor da Universidade de Brasília (UnB). Autor de inúmeros artigos sobre educação, comunicação e política em diversos países, colaborou com instituições de todos os continentes. Recebeu diversas medalhas e condecorações, entre elas a Légion d’honneur francesa (1999) e a Ordem do Mérito Educativo no Brasil (1993). Em 2005, recebeu o título de doutor Honoris causa da Universidad del Noroeste de la Província de Buenos Aires (pública).

Eis a entrevista.

Em seu trabalho, o senhor mostra que a transformação em curso na China é muito maior do que se propaga. Em que medida essas mudanças podem ser consideradas um novo paradigma?

Quando há uma mudança radical ou pelo menos alterações de volume importantes em um país, tem-se a tendência de se mencionar um novo paradigma. O que acontece na China, parece-me, foi bem definido em 1998 pela então ministra da educação deste país, Chen Zilli, que, falando aos participantes da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, na Unesco, declarou que o objetivo das reformas da China era alcançar uma modernização em um país com 1,2 bilhão de pessoas (hoje é quase 1,4 bilhão), o que, no entender dela, constituía uma tarefa raramente vista na história da humanidade.

Este objetivo foi alcançado?

Quanto a isto, não há a menor dúvida. A tarefa é gigantesca. Veja só um elemento. Hoje, no Brasil, há um orgulho legítimo pelo fato de algumas dezenas de milhares de pessoas terem sido arrancadas da linha de extrema pobreza no país. A China, segundo declarou o ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn, conseguiu retirar da pobreza uma população de 420 milhões de pessoas, o que é mais que o dobro de toda a população brasileira. Ignoro dentro de que período isto foi alcançado. Estatísticas conhecidas mostram que ao atingir, já no século XXI, 1,3 bilhão de indivíduos, o país contava com 130 milhões de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia. Mas, sabe-se que, em 1990, para uma população menor, eram 377 milhões os que estavam na linha de pobreza. A redução é fantástica e um dos objetivos dos dirigentes chineses é justamente o de inserir a totalidade da população na vida econômica.

Que análise o senhor faz dessa transição no campo econômico?

Quando no final dos anos 70, Deng Xiaoping, após o longo reinado de Mao-Tsé-tung, lançou a política de fazer a China aceder à economia mundial, muitos prognosticaram que ele levaria o país a uma situação de dependência econômica como a que prevalecia antes da revolução comunista de 1949. O país abriu-se economicamente, atualmente faz esforços para conseguir uma abertura política pelo menos inicialmente no nível local, conseguiu firmar-se economicamente e resiste a toda tentativa de desestabilização.
Nos anos 90, questionou-se se o modelo de abertura política adotado pelos ex-países da União Soviética não seria adotado também pela China, e o que se viu foi justamente o contrário. Está claro que para os dirigentes chineses o que não devem fazer é justamente repetir a experiência principalmente da Rússia, onde, apesar da melhoria recente da macroeconomia, graças ao aumento do preço do petróleo e do gás, os índices de desenvolvimento social reduziram. O papel da Rússia no desenvolvimento científico e tecnológico tornou-se bastante reduzido em escala mundial. As fraturas sociais dentro da população atingiram níveis extraordinários, aumentaram os índices de mortalidade infantil, a situação de grande número de aposentados é catastrófica e, hoje, ninguém mais ousa apresentar o país como modelo de democracia política. Na China, há um novo paradigma, mas este tem de ser visto através de dados concretos.

Quais seriam esses dados?

Não basta dizer que a China está num período de transição de uma economia de planejamento socialista para uma economia de mercado socialista. Isto pode ser lido em qualquer documento oficial chinês. O mesmo pode-se dizer em relação a afirmações do tipo de que a China passa velozmente – o que é exato – de uma sociedade agrária a uma sociedade industrial e urbana. E, de fato, a taxa de urbanização, que era de 37% em 2001, já estava em 42,9% em 2005. Somente em 2003, o número de trabalhadores rurais que imigraram foi de 114 milhões. O importante em matéria de paradigma, insistamos, é ver como os objetivos anunciados se transformam ou não em realidade.

O senhor menciona também em seu estudo que, no âmbito das mudanças, há um projeto de nação. Quais são os pilares desse projeto?

Insisto em que não sou um sinólogo, nem um “chinólogo”. Seria fácil lançar algumas palavras-chaves que delimitam os objetivos a serem alcançados: desenvolvimento acelerado, acesso da riqueza a toda a população, modernização da economia, melhoria dos níveis de saúde, educação e de trabalho, desenvolvimento da capacidade de produzir ciência e tecnologia, e mesmo, como objetivo, melhoria gradual da liberdade de expressão.

Neste último caso, que avaliação o senhor faz da atuação dos governantes?

Pode parecer absurdo dizer isto quando se lêem todos os dias comentários na imprensa sobre repressão a intelectuais, sobre censura em internet, sobre a repressão no Tibete, sobre a permanência da pena de morte, o que, aliás, diga-se de passagem, é lamentável. Mas, a evolução nesta área é uma realidade observada por todos os que acompanham a vida chinesa. Exemplo foi a recente mudança de atitude da China em relação ao que se passa em países como Sudão e Miamar, onde a China é influente e, recentemente, requereu mais democracia.

Isto, porém, não significa ignorar o fato de que os problemas são enormes – não nos esqueçamos da escala que é única – e que as autoridades não os ignoram e, atualmente, buscam soluções para eles de maneira clara.

O senhor poderia exemplificar?

São as autoridades que informam que, em 2004, houve 74 mil manifestações de protesto em várias partes e por diversas razões. São elas que dizem que, em vez de diminuir, o número aumenta. Em 2005, atingiram mais de 87 mil.

São elas que, por primeiro, como fez recentemente Hu Jintao, o presidente da China e chefe do PC, fazem um diagnóstico, acentuando que as manifestações são o resultado da diferença gritante entre o meio urbano que se enriquece e o meio rural pobre e, ainda, a ausência de democracia dentro do próprio partido, impedindo que questões sejam discutidas com coragem.

Caso alguém se limite às declarações oficiais dos governantes, o projeto não seria diferente do que é apresentado por dirigentes de muitos países ocidentais. A linguagem é a mesma. Põem ênfase no interesse da China de estabelecer relações internacionais de amizade com o mundo inteiro baseadas no respeito e na solidariedade. E, internamente, de promover um desenvolvimento que beneficie a todos.

E o que ocorre na prática?

Temos de desenvolver a esperança de que, se transformando, como não há dúvidas de que já se transformou, em um superpoder no cenário mundial, seu comportamento não será o mesmo que o daqueles países que, na história recente, construíram e mantiveram impérios coloniais: Inglaterra, França e, principalmente, União Soviética e Estados Unidos. Em realidade, isto é importante, porque o mundo não tem necessidade de substituição de imperialismos, mas de construção de relações baseadas no diálogo de civilizações.

Olhando o que se passa na China, podemos observar coisas surpreendentes. Se a China dispõe de um território de 9.596.960 km2, relativamente pouco superior ao do Brasil, que tem 8.511.965 km2. Sua população de quase 1,4 bilhão representa 1/5 da população mundial, é mais de sete vezes a do Brasil, que anda por volta dos 190 milhões. E notem que a China é o quarto país em extensão e o Brasil, o quinto. A diferença de escala com a maioria dos países no mundo é brutal. Isto faz uma diferença enorme, que condiciona tudo. A China, hoje, consome metade do cimento produzido no mundo, 1/3 do aço, ¼ do alumínio, gasta hoje em importação de petróleo e de soja 35 vezes mais que em 1999. Calcula-se que atualmente a China é responsável pelo menos por 1/3 do crescimento econômico mundial. Em conseqüência, a economia de países como a Argentina (soja) e a Austrália (minério de ferro e carne) dependem da China para manter seu crescimento e progresso.

Não são poucos os analistas que criticam a condição do trabalhador chinês e, conseqüentemente, os meios de produção, por muitos considerados predatórios. O senhor concorda com essa visão?

Houve um fato que me impressionou bastante recentemente. Hoje, no mundo inteiro, fala-se na flexibilização do trabalho como fórmula para se criar riquezas. Na prática, flexibilização significa aumento da precariedade. Ora, se há um ponto essencial para que exista democracia social é o da dignidade do ser humano através da existência de condições de trabalho dignas.

No Brasil, vimos recentemente um presidente vangloriando-se de haver terminado com a Era Vargas e, se bem entendi, o que ele queria dizer, seu orgulho estava em ter conseguido acabar com muitos dos princípios da famosa CLTConsolidação das Leis do Trabalho, uma das grandes heranças sociais deixadas ao Brasil por Getúlio Vargas.

Na França, o partido de Sarkozy, dez meses após sua chegada ao poder, perde as eleições municipais e regionais, e seus adeptos anunciam que vão intensificar as reformas que estão implantando em particular no mundo do trabalho, onde, aparentemente, a precariedade se instala.

E o que a China vem fazendo?

Modifica suas leis do trabalho e, segundo as disposições que entraram em vigor a partir de primeiro de janeiro de 2008, como brasileiro, visitando a China em dezembro de 2007 e conversando com professores universitários e com cidadãos de classe média, poderia até imaginar que os dirigentes da China foram buscar na CLT brasileira a solução para garantir a dignidade do trabalhador chinês e assegurar mais estabilidade no trabalho. Não é o caso, mas há semelhanças gritantes.

Ora, o que vemos divulgado todo o tempo são notícias sobre más condições de trabalho na China, baixos salários e a existência de trabalho escravo. Mas quantos veículos de comunicação contaram, por exemplo, que, em 2007, policiais libertaram 570 trabalhadores que se encontravam em condições de semi-escravidão. Cento e sessenta pessoas foram presas e houve mesmo quem fosse punido com a pena capital – o que sem dúvida não é a solução – por ter provocado a morte de um trabalhador que era retardado mental. De acordo com a nova legislação, contratos por tempo indeterminado são estimulados. Após duas renovações, qualquer contrato se transforma automaticamente em contrato por tempo indeterminado. O período e experiência não podem exceder seis meses.

Quais foram os efeitos mais imediatos dessa medida?

O que se viu foi que empresas estrangeiras presentes na China começaram a demitir os empregados no final de 2007, para readmiti-los em 2008. O governo tratou de impedir a manobra. Muitas empresas, em particular coreanas, levando em consideração estas normas e os aumentos de salários que as acompanharam, anunciaram sua intenção de sair da China, buscando outros países onde o trabalho mal remunerado continua existindo. Numa cidade chamada Jiaozhou, na província de Shandong, recentemente 103 fábricas coreanas fecharam suas portas em razão das modificações no tratamento que têm de dar agora aos trabalhadores.

Os graves problemas ambientais são outra questão tratada freqüentemente pelos especialistas. O que vem sendo feito para mitigá-los?


Fala-se muito, e com razão, de que a China se transformou num grande país poluidor. O problema é real. As soluções não serão encontradas através de fórmulas mágicas, mas aí também nota-se que os problemas são reconhecidos pelas autoridades que, há tempos, buscam soluções. A decisão anunciada já em meados de março de 2008 de elevar o nível da agência de proteção ao meio ambiente ao de um superministério não é uma decisão formal.

A China é o maior consumidor mundial de carvão (38,6%) que é o elemento essencial na produção de energia (68%). Fica fácil então compreender que crescimento econômico na China, significando maior gasto de energia, de carvão principalmente, acarreta necessariamente mais poluição. Um informe do Banco Mundial de 2003 calculava que, naquele ano, o custo da poluição representava um custo de 35 bilhões de euros. Mas existe a consciência do problema. Na área governamental, a criação do superministério de meio ambiente é um sinal. Na sociedade civil, em 1994, havia uma ONG trabalhando com meio ambiente. No final de 2007, já eram 2.700.

Quais são os elementos que fazem essa transformação ser diferente de modelos adotados por outros regimes e nações?

De novo, é uma questão de escala, mas também de realismo. Tendo tido a oportunidade de visitar a China várias vezes nos últimos anos, não me transformei em especialista em sinologia. Entretanto, sinto que há um voluntarismo na busca de soluções e não se adota a política do avestruz ou aquela tão comum em políticos ocidentais de jogar a poeira para debaixo do tapete. Reconhece-se que o problema existe e que se buscam soluções.

Se de um lado há consenso no Ocidente de que a China é uma potência, de outro as análises divergem sobre vários aspectos. A que o senhor atribui essa discrepância?

É impossível não reconhecer que a China hoje é uma potência. Neste particular não se pode falar da China como emergente. Trata-se de um país que foi responsável por 1/3 do crescimento econômico mundial em 2007, que está presente e é influente economicamente em todos os continentes. No momento em que as grandes potências se defrontam com uma crise de conseqüências imprevisíveis, dispõe de reservas acumuladas superiores a 1,53 trilhões de dólares. Não ver ou desconhecer a posição predominante da China hoje significa não perceber a realidade.

Apenas um dado para reflexão: em setembro de 2007, a China criou fundo especial para investimentos nas maiores bolsas do mundo da ordem de 300 bilhões de dólares. Segundo alguns, com esse dinheiro, o país poderia assumir o controle de empresas como Microsoft, EDF. Société Générale e outras mais.
O problema é que a China não está agindo de acordo com os padrões clássicos determinados pelos economistas ocidentais que asseguram que nenhum país poderá controlar sua inflação, acelerar seu crescimento e conseguir equilíbrio na balança comercial ao mesmo tempo. Até final de 2007, a China estava conseguindo; 2008 será um ano difícil. Será um ano teste.

Por quê?

O aumento de salários, de um lado, a diminuição de compra de produtos chineses nos Estados Unidos devido à crise econômica, de outro, o aumento das matérias-primas, inclusive do minério de ferro (a CVRD conseguiu recentemente fechar contratos com valores muito mais elevados que os até então vigentes), do petróleo e da soja, criarão dificuldades. Quem olha os índices econômicos dos primeiros dois meses de 2008, observará a volta da inflação na China. Em outras palavras, 2008 será um ano teste para este país, mas acredito que poderá enfrentar estas turbulências com relativa tranqüilidade, tão grandes são suas reservas e tão grande é ainda a capacidade que tem de aumentar seu mercado interno para compensar perdas externas.

Um ponto-final sobre a questão. No Ocidente, pensamos com a lógica aristoteliana ou a lógica de Pascal. Na China, o pensamento fundamenta-se em outras bases. O confucianismo se manteve vivo apesar de mais de cinqüenta anos de doutrinação marxista. O chinês, como o oriental em geral, pensa mais em longo prazo que em curto prazo, como é costume em nossa cultura. É uma realidade, mas que não facilita nossa compreensão sobre o que fazem os chineses e sobre o que se passa no país.

Qual o papel do ensino e das reformas educacionais nesse contexto?

Há um consenso, hoje, de que entramos numa era de sociedade de conhecimento global por meio do qual a informação, a competência e as habilitações são as forças motoras do desenvolvimento. Mais importante, hoje, que controlar a produção de alguma coisa, é a de ser responsável por sua concepção. E isto requer conhecimento. E conhecimento se produz nas universidades ou por pessoas que dispõem de formação universitária principalmente em nível de pós-graduação.

O discurso da ministra da educação da China, Chen Zhili, em 1998, na Conferência Mundial sobre Educação Superior, em Paris, foi exemplar. De sua mensagem, se depreende, entre outras coisas, que no mundo contemporâneo estamos assistindo ao início da era da sociedade da informação e da economia do conhecimento, em que a ciência e a tecnologia se transformaram na primeira força produtiva. Em conseqüência, a preparação de profissionais altamente qualificados e a inovação tornaram-se elementos primordiais para garantir a força de um país.

O governo chinês adotou, então, uma política de aumento dos efetivos de estudantes no país e da melhoria dos estabelecimentos de ensino superior. Passou a enviar milhares de estudantes ao Exterior para irem buscar conhecimento com garantia de, no retorno, encontrarem condições de trabalho e de pesquisa decentes, coisa que poucos países são capazes de fazer. O resultado é que, ainda que com o risco de que alguns permaneçam no Exterior, a política está dando certo. A China, que tinha 3 milhões e 700 mil estudantes no superior em 1990, hoje tem mais de 23 milhões.

O governo chinês liberou a cobrança de mensalidades em universidades. Que análise o senhor faz da medida?

Não foi uma medida isolada. Inseriu-se dentro da decisão do governo de adotar políticas de mercado em todas as áreas. Neste caso, decidiram aceitar ou pelo menos testar as receitas do Banco Mundial. Queriam aumentar o acesso da população ao ensino superior e o fizeram, passando – vamos repetir – de menos de 4 milhões de estudantes em 1990 a mais de 23 milhões hoje. Mas, o Estado não se omitiu nem reduziu seus investimentos em ensino superior. Ao contrário! Continuou financiando as universidades, em particular as universidades geradoras de conhecimento e de tecnologia. Previu fundos para bolsas e empréstimos aos estudantes.

Houve então aumento do investimento público?

Sim, ele aumentou sensivelmente na melhoria da qualidade das instalações, da formação e da pesquisa. O governo deu mais autonomia de gestão às universidades e autorizou o funcionamento de um certo número de universidades privadas que, no entanto, funcionam debaixo de um controle rígido. O princípio, segundo se enuncia, é qual a prioridade que tem de ser dada à formação segundo os interesses do país. É a versão chinesa do compromisso social das universidades. Em alguns casos, instituições estrangeiras foram autorizadas mas, ao que se saiba, sempre através de parcerias com instituições locais.
Em 2002, havia 712 programas compartidos (joint ventures) na China. Mas o sistema de anuidades escolares está sendo questionado. É um tema pouco analisado, mas os que estudam a questão do ensino superior consideram que nem as bolsas nem os créditos educativos são suficientes e que a medida, a exemplo do que ocorre em países de todas as regiões, criou problemas para os setores mais pobres. Este é um ponto, sem dúvida, que merece melhor exame e análise. Será difícil para as autoridades chinesas voltarem atrás nesta questão, mas não é impossível que já tenham concluído que, neste ponto, não escolheram a melhor solução. Literalmente, pisaram na bola.

Brasil e China são integrantes do Bric e guardam várias semelhanças. Entretanto, o crescimento chinês tem sido muito maior nos últimos anos. Por que essa assimetria?

Não me sinto em condições de comparar o desenvolvimento brasileiro com o chinês. Só chamo a atenção ao fato de que, sempre que se examinar a China, não se pode deixar de lado das duas coisas. A primeira é a escala. Na China, os números são sempre infinitamente superiores aos de qualquer outro país, em qualquer domínio. A segunda é o voluntarismo, a estabilidade e a busca de objetivos que, tem-se a impressão, estão claramente definidos.

Quais são as lições que o Brasil pode tirar do modelo adotado por Pequim?


Não há que se copiar modelos. Como dizia Jacques Maritain, é necessário definir um projeto de nação e colocá-lo em prática.

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