"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, julho 22, 2008

SEM CONFIANÇA NA JUSTIÇA

Site do Azenha - Atualizado em 21 de julho de 2008 às 14:25 | Publicado em 21 de julho de 2008 às 14:22


Wálter Fanganiello Maierovitch, na Carta Capital


Na famosa Operação Mãos Limpas, iniciada em 17 de fevereiro de 1992, o acusado Mario Chiesa, do então partido socialista, apelidado de “Mairiuolo” (gatuno) e preso cautelarmente, fez revelações assustadoras. Isto permitiu à magistratura do Ministério Público comprovar, na vida italiana, os favorecimentos e as co-relações criminosas entre lobbies econômicos, administração pública, partidos e políticos. Chiesa concluiu: Tutti rubiamo cosi (todos roubamos assim).

No Brasil, uma Operação Mãos Limpas esbarraria em intransponíveis entraves legais. Por aqui, até o presidente da República interferiu, quando um delegado federal independente faz tremer ocultadores de capitais e provocou incômodos ao banqueiro Daniel Dantas, apontado como um perigoso intelectual do crime.

O afastamento do delegado Protógenes Queiroz da presidência do inquérito da Operação Satiagraha, com a versão oficial a sustentar ato rotineiro, é um escárnio. Tirados exageros, elucubrações e excessos de linguagem, que devem ser objeto de apuração administrativa à parte, o trabalho do delegado Protógenes, no que toca às apurações sobre a autoria e a materialidade de crimes, merece elogios.

Além do mais e quanto aos crimes, o inquérito policial é peça informativa destinada ao Ministério Público, único titular da ação penal pública. Os fatos apurados em inquérito policial, como ensinam os doutrinadores e ratifica a jurisprudência dos tribunais, não se prestam para condenar o réu. Para tanto, precisam ser confirmados em juízo, num processo contraditório e sem vícios de competência.

Não bastasse a canhestra motivação do afastamento do delegado Protógenes, o ministro da Justiça, Tarso Genro, continua a dar ao direito em vigor interpretações que, seguramente, não apreendeu na faculdade e o reprovariam num exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Em menos de uma semana, Tarso arrasou bibliotecas. Ao afirmar que Dantas teria dificuldade em provar a inocência, mostrou o quanto ignora o processo penal, que, no tema ônus da prova, carrega ao órgão acusador o encargo de comprovar a acusação feita.

Não bastasse, frisou, para justificar o afastamento de Protógenes, que o inquérito está concluído em 99%. Esqueceu que o primeiro inquérito, como ressaltou o próprio Protógenes, dará ensejo à abertura de dois outros.

O primeiro inquérito serviu, por enquanto, para a instauração do processo criminal, com denúncia já recebida pelo juiz da 6ª Vara Criminal, na quarta-feira 16.

O Ministério Público, destinatário dos dois outros inquéritos a serem abertos, poderá requisitar novas diligências, testemunhos, acareações, transcrição do contido nos seis discos rígidos blindados pela ministra Ellen Gracie etc.

Lógico, os dois novos inquéritos abrirão caminhos a ensejar requerimentos de prisões temporárias ou preventivas. Aí, aparece o busílis, que Lula, Gilmar, Tarso e Jobim querem evitar, com toda a torcida de Daniel Dantas, Heráclito Fortes, Luiz Eduardo Greenhalgh, vulgo Gomes etc.

Se isso ocorrer, como faria o presidente Gilmar Mendes para, novamente, alegar competência para apreciar liminares? Diretamente, como regra em habeas corpus, o STF jamais aprecia a legalidade do ato de um juiz, como, por exemplo, o da 6ª. Vara. Só vai apreciar ilegalidade e abusos do Superior Tribunal de Justiça, caso denegado habeas corpus.

No segundo habeas corpus e soltura de Dantas, o ministro Gilmar Mendes suprimiu duas instâncias, ou seja, desconsiderou o Tribunal Regional Federal (TRF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em outras palavras, rasgou a Constituição da República.

A decisão liberatória de Daniel Dantas, proferida no segundo habeas corpus e em sede liminar pelo ministro Mendes, está maculada com o vício da incompetência e é manifestamente nula. Como partiu da presidência do Supremo Tribunal Federal, acabou cumprida.

Para usar a imagem dos degraus de uma escada, um ato de delegado de polícia federal, ilegal ou com abuso de poder a resultar numa prisão, poderá ser atacado por habeas corpus, a ser julgado por um juiz federal. Se o juiz federal denegar a ordem, outro habeas corpus deve ser proposto junto ao TRF. No caso de insucesso, deve-se impetrar outro pedido de habeas corpus no STJ. Caso denegado, o último degrau será o STF, que aprecia a ilegalidade do tribunal inferior.

No STF, com as liminares de Gilmar, existem dois habeas corpus onde Dantas figura como paciente. Um versa sobre a ilegalidade da decisão do juiz da 6ª Vara Criminal, a respeito de prisão temporária, a fim de assegurar a coleta de provas. O outro, por fatos completamente diferentes do primeiro, sobre ilegalidade derivada de prisão preventiva, para garantia da ordem pública.

Para Gilmar, os dois habeas corpus se confundem, sendo a segunda ilegalidade uma maneira, por via oblíqua, de se impor a prisão cautelar. Como os fatos eram diferentes, as modalidades de prisões cautelares diversas (temporária e preventiva) e as motivações das decisões distintas juridicamente, não se confundiam os pedidos. Quem se confundiu foi o ministro Gilmar, que, pasmem, apreciou, diretamente, decisão de juiz de primeiro grau.

Recentemente, no trágico caso Nardoni, no qual o pai é acusado de arremessar a filha pela janela, o desembargador-relator, Caio Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não concedeu liminar. No seu despacho lembrou não caber, como regra e em sede de habeas corpus liberatório, decisão de soltura. A propósito, esse habeas corpus foi julgado pela câmara criminal e a ordem denegada. Se Canguçu tivesse dado a liminar, como o ministro Mendes, o casal Nardoni estaria solto e os demais desembargadores limitados a considerar prejudicada a impetração, por perda de objeto.

Mais ainda, quando o desembargador Canguçu negou a liminar, um novo pedido foi aforado no STJ, que não conheceu da pretensão porque o tribunal paulista não tinha julgado o mérito e, portanto, não cometera nenhuma ilegalidade. No caso de habeas corpus preventivo de Dantas, com liminar indeferida no STJ e sem exame ainda do mérito, impetrou-se outro pedido ao STF e o ministro Mendes, mais uma vez a contrariar a jurisprudência, concedeu a ordem, no primeiro habeas corpus.

Por outro lado, o ministro Gilmar prejulgou ao fazer críticas, fora dos autos e do momento apropriado, à Operação Satiagraha. Não bastasse, deu tratamento privilegiado a Dantas, com inusitado empenho para decidir rapidamente, a mostrar que nem todos são igualmente tratados pela Justiça.

Todos os abusos e ilegalidades do ministro Gilmar, dada a sua condição e seus profundos conhecimentos jurídicos, não podem ser considerados simples erros judiciários.

Mas, como não reconheceu publicamente as suas falhas, o caso só pode ser considerado como improbidade. O ímprobo está sujeito a responder a impeachment, ou seja, por crime de responsabilidade, da competência julgadora do Senado Federal. Implica perda do cargo e inabilitação para funções públicas por oito anos.

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