Um documento apreendido ontem pela Polícia Civil na casa do chefe do tráfico de drogas na Rocinha, Antônio Bomfim Lopes, o Nem, comprova que o traficante impôs o apoio a um único candidato a vereador na favela. “Todo empenho para o candidato da Rocinha, não aceito derrota!!!”, diz Nem, num dos trechos do documento de duas páginas, com itens que seriam discutidos em reunião na favela. Para o delegado Allan Turnowski, que comandou a operação, essa é a prova de que o tráfico transformou a favela num curral eleitoral. Nem não cita o nome do candidato único, mas o presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia, já disse ter o apoio de “cem líderes” locais, embora negue ligação com o tráfico. Na operação, que mobilizou 200 policiais, houve tiroteio: um bandido morreu e cinco foram presos. Nem fugiu. A reportagem é do jornal O Globo, 25-07-2008.
Nem comanda 200 homens de fuzis
O chefe do tráfico na Rocinha, Antônio Francisco Bomfim Lopes, o Nem, responde a seis processos em três varas criminais do fórum da capital, a maioria por tráfico de drogas. Segundo o delegado titular da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), Marcus Vinícius Braga, o bandido está no comando da Rocinha, principal entreposto de venda de entorpecentes do estado, há cerca de um ano. Nas contas do delegado, Nem chefia um grupo de 200 homens e mantém um arsenal com 150 fuzis no morro.
No mês passado, o bandido, que, segundo a polícia, costuma usar a tecnologia para facilitar suas ações criminosas, teve quatro câmeras que filmavam os principais acessos ao seu esconderijo apreendidas numa operação do Dcod. Com um monitor dentro do quarto, Nem e seus cúmplices acompanhavam, da cama, a chegada dos policiais.
O imóvel ficava na localidade conhecida como Cachopa e impressionava pelo luxo. Lá tinha televisão de LCD, lustre com cristais, bar na sala, banheiro com box blindex, dois aparelhos de ar-condicionado, máquinas de lavar e secar, geladeira, microondas e fogão em inox.
O delegado lembra que, naquele mesmo dia, foram apreendidas duas toneladas e meia de maconha, o que seria conseqüência de a Rocinha estar localizada num ponto estratégico: na Zona Sul, ao lado da Barra da Tijuca.
Em maio, num caminhão saído do Paraguai, a equipe de Marcus Vinícius encontrou cerca de 5,6 toneladas de maconha, transportadas juntamente com 1,5 tonelada de arroz. O veículo foi revistado dentro de um galpão na Rua da Farinha, no Mercado São Sebastião, na Penha. Segundo o delegado, a droga, avaliada em R$ 2,5 milhões, foi encomendada por Nem e seria vendida nas comunidades da Maré e nas favelas da Rocinha e de São Carlos.
Outra característica do chefe da Rocinha, de acordo com a polícia, é estar à frente das execuções quando se trata de alguma traição de integrantes de seu bando.
Claudinho não esconde que é 'o candidato'
Presidente da associação de moradores da mais emblemática favela do Rio, Luiz Cláudio de Oliveira, de 36 anos atua em várias frentes: é comerciante — dono da mais suntuosa academia da comunidade —, compositor da Acadêmicos da Rocinha e ex-jogador de futebol.
Em novembro passado, derrotou William dos Santos, que presidiu a União Pro-Melhoramento dos Moradores da comunidade por três anos e oito meses, com 2.600 votos, 600 a mais do que o opositor. Ele se diz hoje o “candidato da Rocinha”, em sua estréia nas eleições.
Não foi sempre assim: em entrevista ao GLOBO, logo depois de ser eleito, declarou que a favela “não pode ser usada como curral eleitoral”.
Mas mudou de idéia rapidamente.
Esta semana, sobre a acusação de ter “fechado” a favela para outros candidatos, disse que foi o escolhido para disputar vaga na Câmara Municipal por mais de “cem líderes” da comunidade.
O principal garantidor de sua candidatura a vereador, porém, seria o chefe do tráfico de drogas no local, conhecido por Nem. Claudinho nega.
— Os políticos costumam entrar nas favelas apenas para pedir votos. Os formadores de opinião da Rocinha, os comerciantes, os líderes da comunidade, todos já tinham se decidido por um candidato. E esse candidato é o presidente da Associação de Moradores. Todos podem entrar, mas a decisão é não dar bola para os outros — diz o comerciante Ocimar Santos, amigo de Claudinho, editor do site Rocinha.org, morador da comunidade desde que nasceu, há 41 anos.
Em 2004, reclamações contra ações da polícia O interesse de Claudinho pela associação comunitária começou em 2004. Uma disputa pelo controle do tráfico de drogas levou à ocupação da comunidade pela Polícia Militar e à morte de dois policias militares e do então chefe do tráfico, Luciano Barbosa da Silva, o Lulu. Ali, Claudinho coordenou comissão que foi pedir à governadora Rosinha Garotinho uma mudança na conduta dos policiais na comunidade, que reclamava dos métodos da ocupação.
O gosto pela política se ampliou: dois meses antes de ser escolhido presidente da associação de moradores da Rocinha, filiou-se ao PSDC, partido que apóia o candidato a prefeito pelo PRB, Marcelo Crivella. Antes, Claudinho, de 36 anos, chegou a morar fora da comunidade por duas vezes: no Rio Grande do Sul, onde jogou pelo Internacional, e depois em Itaperuna. A ligação com a comunidade o levou a compor, em 2006, o sambaenredo da Acadêmicos da Rocinha: “Felicidade não tem preço”. A academia consta da declaração de bens do candidato, com valor de R$ 50 mil.
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