"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, dezembro 29, 2009

Da Russia

darussia.blogspot.com - 29 dez 09

Blog dos leitores


A leitora e amiga Cristina Mestre enviou a tradução de um artigo que penso ser de extrema importância para quem se interessa pela Rússia.

Quero apenas assinalar que o autor, Gleb Pavlovski, é um dos "tecnólogos políticos" que contribuíram para a ascenção de Vladimir Putin e Dmitri Medvedev na escala da popularidade entre a opinião pública russa. Não se trata de uma voz da oposição a criticar, mas de um homem do sistema a reflectir e prevenir.


"Nezavisimaya Gazeta

A MALDIÇÃO DO “L” CIRÍLICO


Os fracassos no progresso da Rússia têm uma história tão grande como certas democracias veteranas. Desde a abolição da servidão, em 1861, nenhuma reforma na Rússia foi definitiva, escreve o politólogo Gleb Pavlovski num artigo publicado hoje na Nezavisiamaya Gazeta.

Está na moda atribuir as letras latinas "U", "L" ou "W" a diversos cenários da crise global. Pavlovski considera que o “L” cirílico, "Л", reflecte melhor o destino das mudanças na Rússia. Começam por desenvolver-se no sentido anti-horário para depois, já no momento culminante, colapsar para sempre.

Tal como no passado, a Rússia deixa-se envolver nas reformas entre bocejos, perguntando quando irá finalmente algo mudar nestas latitudes. Os actores, já enredados em obstáculos, ainda se queixam de estagnação, exigem ao Kremlin garantias mais claras de mudanças e perdem tempo a sonhar com o futuro, futuro para o qual não estão minimamente preparados. Numa segunda fase, vêm-se catapultados para o céu mas logo se dá o colapso e chega a hora de começar as discussões habituais: “Será que perdemos outra vez? Como é possível, se só agora começámos? Deve ser uma conspiração… mas, quem está por trás?

Todos os acontecimentos que marcam a história na Rússia se desenvolvem segundo o modelo "Л". Nos finais dos anos 80, durante a perestroika de Gorbatchov, a classe política perdeu dois anos a discutir como tornar as mudanças irreversíveis, apesar de já o serem.

O segundo “arranque às cegas” deu-se durante o governo de Boris Yeltsin. Enquanto o presidente mantinha o braço-de-ferro com o Parlamento, o sistema opressivo do Gulag, esquecido pela imprensa e pela opinião pública liberal, duplicou em número, fundiu-se numa estrutura monolítica com a Procuradoria e o Ministério do Interior, comercializou-se e criou as bases da futura degradação da política e dos órgãos de segurança.

A revolução de Putin também não escapou ao modelo "Л".

Quando a elite ainda denunciava a “família” de Yeltsin pelo seu “estilo bizantino”, milhões de burocratas tomaram o controlo do mundo dos negócios e do aparelho administrativo.

A modernização que o presidente Dmitry Medvédev deseja impulsionar na Rússia poderá levar a outro capítulo do historial de fracassos nacionais, adverte o articulista. Pavlovski sugere não ficarmos deslumbrados com a curva inicial do "Л" nem subvalorizar a força deste modelo, cujo problema radica no escasso controlo sobre os processos reais, já em marcha.

Mais que um plano sistemático, a modernização actualmente é um nome aplicado a um processo sem controlo e que se desenvolve a toda a velocidade. O que é necessário agora é controlar esta avalanche ou, pelo menos, avaliar a sua força e direcção. Outra recomendação de Pavlovski é não tentar, no projecto modernizador, destruir a maioria governante formada nos tempos de Putin. Tais tentativas, na sua opinião, conduzirão unicamente a uma nova fase de degradação.


Artigo original : http://www.ng.ru/politics/2009-12-29/1_russia.html"

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