O governo brasileiro rejeitou sugestão americana para que mantivesse um "papel moderador" sobre o Irã.
"Não há hipótese de papel moderador se as sanções ao Irã forem votadas", respondeu Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao general Jim Jones, assessor de Segurança Nacional de Barack Obama, em telefonema ontem.
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 09-06-2010.
Não foi o único contato entre autoridades dos dois países em torno da votação, prevista para hoje, do quarto pacote de sanções ao Irã por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Antes, Marco Aurélio falou também com o embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon. Tanto a Jones como a Shannon o assessor de Lula disse que seria "um erro grave" votar as sanções.
MÃO DUPLA
O assessor de Lula ouviu dos dois uma idêntica linha de raciocínio. Washington trabalha com o que chama de via dupla, ou seja, pressões (na forma das sanções) e negociações. Não considera que uma exclua a outra.
Acredita, ao contrário, que a aprovação de sanções possa levar Teerã a negociar. Nesse ponto, há uma total divergência entre EUA e Brasil. "Estão totalmente equivocados os que pensam que podem levar o Irã à mesa de negociações por meio da imposição de sanções", diz Marco Aurélio.
Parece ter razão, a julgar pelo que disse ontem em Istambul Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã: "Se os EUA e seus aliados pensam que podem erguer o bastão das sanções e depois sentar e negociar conosco, estão seriamente equivocados". Ahmadinejad insinuou que o acordo entre seu país, Brasil e Turquia, assinado no mês passado em Teerã, deixará de ter validade se as sanções forem aprovadas. "É evidente que perde validade", admite Marco Aurélio. Não é o único ponto que perde validade, sempre segundo o assessor de Lula: serão prejudicadas também as gestões em torno de outros problemas.
Marco Aurélio cita o caso de três cidadãos americanos presos no Irã, sob acusação de espionagem. As famílias dos três negam a acusação e dizem que eles estavam praticando montanhismo quando cruzaram a fronteira.
Gestões do presidente Lula levaram Ahmadinejad a aceitar receber as mães dos três, o que acabou não ocorrendo exatamente porque os EUA anunciaram o pacote de sanções no dia seguinte à assinatura do acordo de Teerã.
Não foi só com americanos que o governo brasileiro discutiu nos dois últimos dias a questão iraniana. Ontem e anteontem, Lula falou com seu colega francês, Nicolas Sarkozy, também sem êxito.
SANÇÕES UNILATERAIS
A impressão de Marco Aurélio é a de que os EUA e alguns de seus aliados mais firmes na defesa de sanções (como a França) acham que o único meio de interromper a busca da bomba pelo Irã é uma mudança de governo.
É outro engano, na visão do assessor de Lula: "As sanções só vão solidificar o regime internamente". O Brasil, apesar de radicalmente contrário às sanções, vai obedecê-las, se aprovadas no Conselho de Segurança. "Temos que acatar, porque somos respeitosos das decisões internacionais", explica Marco Aurélio. O que o Brasil não aceitará é uma escalada de sanções que está claramente desenhada pelos EUA. O secretário da Defesa, Robert Gates, foi muito claro: "A resolução fornece uma plataforma legal que permite que países e organizações como a União Europeia adotem individualmente ações próprias mais rigorosas, que irão muito além do que a resolução da ONU determina".
Marco Aurélio rebate, preventivamente, que é "ilegal" esse tipo de sanção. Mais: "Não deveriam nem ser levadas em consideração por qualquer país".
Está, portanto, pronto o cenário para um aprofundamento das divergências Brasil/EUA, por mais que as autoridades americanas tenham elogiado, como fez Jim Jones, o papel desempenhado pelo Brasil na "moderação" com o Irã.
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