Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, é um dos raros economistas que previram a crise financeira de 2008. Convidado da conferência de Zermatt (Suíça) sobre o tema “Humanizar a globalização”, ele faz sua análise sobre a atual crise do euro.
A entrevista é de Claire Gatinois, publicada pelo Le Monde e traduzida pelo portal Uol, 08-06-2010.
Eis a entrevista.
O sr. mencionou uma possível “ruptura” da zona do euro. O sr. insiste nesse prognóstico?
O risco existe. O principal problema da união monetária, além dos déficits excessivos, é que alguns países perderam em competitividade. Um dos meios para restaurá-la consiste em abandonar o euro e voltar às moedas nacionais – dracma, peseta ou escudo.
Não fazê-lo obrigaria esses países a reduzirem os salários, o que provocaria uma recessão. Optar pela solução alemã, ou seja, reestruturar os meios de produção, levaria tempo demais. Afinal, a única opção para evitar uma ruptura da zona do euro e retomar competitividade é afundar o euro. Ele começou em US$ 1,50, e chegou a US$ 1,20; pode cair até ficar em paridade com o dólar. O Banco Central Europeu (BCE) deve exercer seu papel, adotando uma política monetária conciliadora.
Quais seriam as consequências da “ruptura” do euro para a Europa e para o resto do mundo?
Se esse cenário se concretizar, o que não acredito que vá acontecer a curto prazo, somente um ou dois países deixarão a zona do euro. Esse processo pode ser feito de uma forma ordenada para limitar os danos ao sistema financeiro, como foi o caso no Paquistão ou na Ucrânia: a dívida antiga foi substituída por uma nova dívida, com uma maturidade mais longa e juros controlados.
Em compensação, se as coisas acontecerem de maneira desordenada e precipitada, os danos não atingiriam somente a região, mas o mundo inteiro, com consequências econômicas, políticas e sociais.
Se vários membros da união monetária decidissem deixar a zona do euro, a Europa voltaria a se centrar em torno de um núcleo composto por alguns países, mais homogêneos em termos de políticas econômicas e fiscais. Recomposta dessa forma, a união monetária poderia sobreviver, ainda que a transição seja delicada.
A Europa não é a única que está em dificuldades: os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão também enfrentam déficits públicos gigantescos...
Sim, e acredito que tenhamos entrado em uma segunda fase da crise. A implantação de planos keynesianos de retomada para evitar que a recessão se transformasse em depressão moveu a pilha de dívidas privadas para o setor público. Nós socializamos as perdas do setor privado. E estamos em uma zona perigosa.
A situação é sustentável da forma que está?
Certamente passará muito tempo até que os Estados Unidos percam sua classificação “AAA”. Mas a doença americana é um déficit orçamentário que ultrapassa 10% de seu produto interno bruto (PIB), US$ 1,5 trilhão (R$ 2,8 trilhões). A situação não é sustentável. Por enquanto o país está protegido, pois o apetite dos investidores pela dívida americana continua grande. Mas um dia os detentores dessa dívida poderão acordar, e dizer “até os Estados Unidos estão em uma situação crítica”.
O que o sr. pensa do aumento das políticas de rigor?
Aumentar os impostos e reduzir os gastos é doloroso do ponto de vista social. Mas qual é a alternativa? Continuar com políticas orçamentárias generosas? Os mercados já deram o alerta, fazer isso seria ir à falência. Quanto à solução que consistiria em “imprimir dinheiro”, isso levaria a uma inflação galopante. A austeridade não é uma opção facultativa.
Deve-se temer uma recaída da economia?
Na Europa, sim. Antes da crise grega, o crescimento na zona do euro estava estimado em menos de 1% em 2010. Levando em conta o choque nos últimos três meses, se a economia não entrar tecnicamente em recessão o crescimento será de quase zero, as Bolsas continuarão a cair, os custos de empréstimos aumentarão, faltará liquidez, e haverá uma deterioração na confiança dos investidores, das empresas, dos cidadãos. O crescimento ficará ainda mais anêmico.
O G20 se reunirá no fim do mês para discutir reformas necessárias para a regulação financeira. Estão no caminho certo?
O G20 é o órgão de governança mundial apropriado, pois os países emergentes que se tornaram indispensáveis como a China, o Brasil, a Índia e a Rússia, estão na mesa de discussões. Já foram feitos progressos para melhorar a regulação financeira, ao criarem princípios elementares de reforma da regulação financeira. É preciso ir até o fim. As crises não são um “black swan” (cisne negro), um acontecimento imprevisível, mas sim um “cisne branco”, um acontecimento previsível e evitável.
Nos Estados Unidos, seu apelido é Dr. Doom (Dr. Desgraça) por causa do seu pessimismo. O sr. tem alguma boa notícia para nos dar?
Não sou o Dr. Doom, sou mais o Dr. Realidade. Não se trata de ser otimista ou pessimista, mas de analisar os fatos. E as coisas que anunciei, infelizmente muitas vezes aconteceram. A boa notícia é que, diante da crise mundial, está havendo uma reação política. Além disso, ainda que os países do Norte continuem em crise, a economia está mais robusta nos países emergentes. Estamos assistindo ao deslocamento da economia do Ocidente para o Oriente, da Europa e dos Estados Unidos para a Ásia, do G7 para o G20.
A zona do euro não existirá mais em sua forma atual daqui a cinco anos, afirmam 12 dos 25 economistas do centro financeiro de Londres, entrevistados pelo “Daily Telegraph”. “A probabilidade de que a zona do euro sobreviva em sua composição atual é praticamente zero”, afirma Andrew Lilico, economista-chefe do grupo Reflexion Policy Exchange. “Os alemães não querem pagar pelos outros”, diz por sua vez David Blanchflower, ex-conselheiro do Banco da Inglaterra. Tim Congdon, consultor da International Monetary Research, prevê que “a zona do euro perderá 3 ou 4 membros – Grécia, Portugal e talvez a Irlanda”. Entre os outros especialistas entrevistados pelo jornal britânico, oito acreditam que a zona do euro será poupada; os cinco últimos não responderam.
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