É um mar turvo e mal cheiroso aquele do qual devia chegar o maná humanitário composto por remédios, cimento, cadernos, brinquedos e todos aqueles bens que escasseiam na Faixa de Gaza desde 2006, isto é, desde quando Israel começou a sufocá-la lentamente, fechando seus acessos terrestres e isolando-a com um impenetrável bloqueio naval.
"Todos alimentávamos muitas esperanças no navio turco, porque sabíamos que estava cheio de ativistas, e que eles não se deixariam prender facilmente", diz Aziz, que, antes do embargo, administrava uma fábrica têxtil em que trabalhavam 50 pessoas, mas que, em poucos anos, se viu obrigado a fechar por falta de matéria-prima.
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 07-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aziz esperava que a chegada da Flotilha Free Gaza concentraria a atenção das grandes redes internacionais sobre o sofrimento do seu povo. "Desse ponto de vista, foi muito bom: nunca como nestes dias falou-se tanto sobre as consequências do bloqueio israelense. E devemos isso aos mártires do 'Mavi Marmara'".
Sobre as casas acinzentadas que costeiam a praia, tremulam algumas bandeiras turcas. O ar está infestado pela fumaça das barracas onde são assadas espigas de milho ainda verdes. Depois do cruel ataque da segunda-feira passada, quando despontou no horizonte a silhueta do "Raquel Corrie", os habitantes de Gaza apenas lançaram um olhar sobre a embarcação. Sabiam que os israelenses também interceptariam aquele cargueiro irlandês. Diz Aziz: "Teria sido humilhante aceitar esses presentes, mas estamos tão diminuídos que não poderíamos recusá-los".
No pequeno porto onde as embarcações dos pacifistas deveriam atracar, muitos pavilhões estão fechados. Pai de dez filhos, Soher Bakir nos explica que, desde que houve o bloqueio naval, não se permite que os pescadores se afastem mais de duas milhas da costa. Por isso, mais da metade da frota de pesqueiros não está trabalhando. "O nosso mar não é mais tão cheio de peixes como uma vez. Por isso, para alimentar minha família, de noite, sou obrigado a me aventurar além do permitido, arriscando minha vida todas as vezes. Quando você supera em poucos centímetros o limite estabelecido, a Marinha israelense atira em você", diz Bakir, que começou a adquirir salmão congelado importado em Gaza pelos vendedores de Tel Aviv.
Ex-combatente das milícias Azzadine el Qassam, o braço armado do Hamas, Hamed Hassan é hoje um dos líderes da organização extremista islâmica. "Inicialmente, os chefes do Hamas eram contrários à chegada da frota humanitária, porque consideravam que seria como pedir esmola. Depois, uma vez ocorrida a inversão política do episódio, mudaram de opinião. Mas atenção: receber as ajudas é também assumir a nossa incapacidade de gerir o embargo de Israel".
Quando lhe perguntamos se é por esse motivo que o Hamas não deixar entrar em Gaza o carregamento do "Mavi Marmara" que os israelenses gostariam agora de entregar aos seus destinatários originais, Hassan responde assim: "Não queremos fazer o jogo de Israel, que com uma mão acaricia os nossos filhos enquanto com a outra tenta te degolar. Netanyahu e os seus ministros gostariam de se fazer passar por benfeitores. Mas se equivocam se acreditam estar fazendo caridade conosco".
Emblemática é a história do pequeno e sorridente Taisir al Burai, cinco anos, tetraplégico desde os quatro por causa de um remédio errado. Segundo os médicos palestinos e estrangeiros que o visitaram, a única oportunidade para fazer com que ele se cure, ou pelo menos melhore, é levá-lo para Israel ou para a Alemanha, ou até mesmo para a Jordânia, enfim, para longe dos decrépitos hospitais de Gaza.
"Há dois anos e meios eu peço ao Exército israelense um visto para sair de Gaza, mas desde então recebi apenas recusas", diz o seu pai, Ramzi, segundo o qual o Estado judeu discrimina os mais pobres, particularmente se muçulmanos, como justamente os habitantes da Faixa de Gaza. O Exército de Israel, porém, deu um visto para a mulher de Ramzi, que lhe permitiria acompanhar o filho ao exterior, a uma estrutura de saúde adequada. "Por que eu não a mando para lá? Porque existe o risco de que, depois da passagem de Erez, minha mulher seja estuprada por um grupo de judeus. Mas poderia também acabar em uma prisão dos serviços secretos israelenses, onde lhe fariam uma lavagem cerebral".
Taisir precisa de remédios que não existem em Gaza. Mas é verdade que escasseiam os remédios na Faixa de Gaza? "Sim, faltam principalmente aqueles para as doenças crônicas, antidiabéticos ou anti-hipertensivos. Temos só aqueles que chegam do Egito por meio dos túneis", explica a farmacologista Ranya al Daouk. "Por isso, é vital que os remédios trazidos pelas embarcações humanitárias cheguem o mais rápido possível, mesmo que, como li em algum lugar, estejam vencidos e mesmo que, quando tenham chegado aos nossos hospitais, sejam distribuídos não com base na necessidade do paciente, mas à identidade do doente".
Assim como os remédios, 80% dos bens de consumo, da farinha às motocicletas, também entram em Gaza pelos túneis, que segundo uma estimativa da polícia egípcia seriam cerca de 1.600. Segundo Mohammed Hassouna, proprietário do supermercado homônimo, isso significa que oito em cada dez comerciantes se dedicam ao contrabando. "Quanto aos outros, são mortos de fome que vivem, ou melhor, sobrevivem com as caixas de alimentos da ONU ou com as dívidas", diz Mohammed. Ele, para dar valor à sua tese, tira de uma caixa um caderno grosso como uma lista telefônica no qual, há quatro anos, marca o nome de todos os seus devedores.
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