"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, junho 25, 2010

Brasil vai se opor no G-20 à ideia de taxar os fluxos de capital

Instituto Humanitas Unisinos - 25 jun 10

Na reunião de cúpula do G-20 em Toronto, neste fim de semana, o Brasil vai se colocar contra a taxação dos fluxos de capitais internacionais, proposta por países europeus como uma forma de desestimular movimentos especulativos. Na avaliação do governo brasileiro, a taxação só servirá para aumentar os custos de financiamento e puniria países que não foram responsáveis pela crise financeira internacional.

A reportagem é de Cristiano Romero e publicada pelo jornal Valor, 25-06-2010.

Com o apoio dos EUA, o Brasil defenderá também em Toronto que as economias, especialmente da zona do euro, priorizem neste momento a retomada do crescimento, em vez da adoção de medidas de arrocho fiscal. A preocupação, nesse caso, é que os países europeus, que juntos têm o maior Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, abortem o processo de recuperação da economia global.

Brasileiros e americanos não são favoráveis ao relaxamento na área fiscal, mas temem a concentração desse esforço neste momento. "Uma ênfase excessiva em medidas fiscais no curto prazo pode ameaçar a recuperação", alega um assessor graduado do governo. Os países emergentes, mesmo crescendo a taxas aceleradas, ainda não têm escala para substituir a Europa. Segundo a avaliação brasileira, medidas excessivas de controle fiscal, além de impedir a retomada do crescimento, podem agravar a própria situação fiscal no médio prazo. A Europa tem visão oposta e está preocupada com o impacto da deterioração fiscal da região nos mercados financeiros.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderá, também, que as medidas de regulação e supervisão bancária, discutidas em encontros anteriores do G-20, não sejam relaxadas, como vêm propondo entidades como o Institute of International Finance (IIF), que representa os bancos internacionais. Num estudo divulgado este mês, o IIF estimou que a implantação de medidas prudenciais mais duras, como o aumento da exigência de capital e de liquidez dos bancos, terá impactos negativos sobre a economia nos próximos quatro anos.

Para o IIF, o aumento da regulação subtrairá US$ 2 trilhões do G-3 (zona do euro, Japão e EUA) entre 2011 e 2015. O compromisso dos membros do G-20 é implementar novos requerimentos de capitais até o fim de 2012. A posição brasileira nesse caso é confortável. Enquanto o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) sugere 8%, o Brasil exige dos seus bancos 11% de capital sobre o patrimônio de referência.

"O Brasil defende uma posição mais pró-ativa e não compra a ideia do IIF", assegurou uma fonte. "A situação de crise na Europa agora decorre da desconfiança na saúde do sistema financeiro", disse uma autoridade brasileira, justificando a defesa de uma postura mais prudente nessa questão.

Quanto à reforma das instituições multilaterais de crédito, o Brasil insistirá na reafirmação do compromisso de revisão do poder de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI). No caso do Banco Mundial, a reforma, como sugeriu o G-20, avançou na reunião do primeiro semestre. Os países ricos ficaram com 53% do poder de votos; os pobres e emergentes, com 47%.

A mudança no caso do FMI deve ser feita até a próxima reunião de cúpula do G-20, agendada para novembro, na Coreia do Sul. O plano é que 5% do poder de voto dos ricos seja redistribuído entre pobres e emergentes, de forma que, no fim do ano, o bolo esteja dividido, respectivamente, da seguinte forma: 55,5% e 44,5%. O Brasil vai cobrar o compromisso porque a resistência à mudança, apesar dos avanços recentes, ainda é grande.

No debate sobre a taxação de fluxos de capitais, o presidente Lula já a defendeu no passado, assim como a criação de imposto global sobre a venda de armas. Agora, o Brasil é contra a medida. Em Toronto, a oposição está sendo liderada pelo Canadá e tem também o apoio dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e da Austrália. Para esses países, muito dependentes do fluxo de capitais para financiar o balanço de pagamentos, a taxação encareceria o custo de capital.

Nos EUA, o Congresso debate a criação de uma taxa, de 0,15% sobre as transações financeiras, para recuperar, em dez anos, o que o Tesouro americano despejou no sistema financeiro para salvar bancos falidos e combater a crise. Já a Alemanha quer taxar as operações na Europa e, com os recursos, criar um fundo anticrise.

O Brasil também rejeita a taxa internacional sobre bancos com o argumento de que o país já tem regras de controle bancário mais rígidas que os EUA e os países europeus, como exigências de reservas e restrições a operações de derivativos. Se a questão é "equilibrar o jogo", como argumentam os governos de nações desenvolvidas, seria necessário, primeiro, trazer as regras de supervisão bancária ao nível das brasileiras.

As negociações de Toronto começaram na tarde de quarta-feira e devem se estender até a tarde de sábado, antes do jantar dos chefes de Estado e governo na cidade canadense. Os negociadores brasileiros insistiram, contra a posição dos EUA, em incluir na declaração final do G-20 um apelo à retomada da rodada Doha de liberalização comercial. Por pressão americana, a menção a Doha, na declaração, deve ser vaga.

O assunto será levado, no entanto, como um dos principais das conversas entre os líderes do G-20 - o que deixa o Brasil na curiosa situação de pregar liberalismo comercial para os países ricos. Este foi um dos poucos pontos em que as posições divergentes criaram forte discussão entre os negociadores; na maior parte dos temas, os representantes dos países já foram a Toronto preparados para encontrar um texto capaz de conciliar as posições antagônicas.

Sinal de que continuaremos por muito tempo com os juros mais altos do planeta, atraindo esse maravilhoso mar de dólares especulativos que nada produzem. O setor produtivo agradece a política (juros elevados).

Nenhum comentário: